Em cada curva da estrada, em cada ultrapassagem perigosa,
encontra-se o germe da tragédia. No dia dez de setembro de 2017, entre Juiz de
Fora (MG) e Vitória (ES), um nefasto imprevisto causou a partida sem volta, sem
tempo de dizer adeus, de metade do grupo de danças folclóricas Bergfreunde
“amigos da montanha”, de Domingos Martins, colônia alemã situada na região
montanhosa do Espírito Santo. Dos 19 dançarinos que voltavam de uma
apresentação naquela cidade mineira, em um micro-ônibus, sobreviveram apenas
dez. Foi uma comoção geral na cidade, especialmente por se tratar de jovens,
com uma vida inteira diante de si e com muitos planos pela frente.
Neste ano de 2018, a tradicional festa genuinamente alemã, a
Sommerfest, fez uma homenagem especial aos que se desligaram do grupo,
involuntariamente, por desígnios do destino. Para suprir a ausência dos
faltantes, alguns veteranos se reintegraram ao Folkloregruppe, acompanhados de
alguns simpatizantes, para possibilitar a continuidade do trabalho.
No sábado 27 de janeiro de 2018 ,
um desfile de rua, iniciado às 17h00, surpreendeu a todos pela pompa, pelo
colorido, pelas indumentárias, pelos carros alegóricos, pela musicalidade,
pelas danças, pelas coreografias e pela alegria reinante, apesar de ser uma
espécie de homenagem fúnebre.
Vinte grupos de dança folclórica de outras cidades se
apresentaram no desfile, para homenagear o grupo enlutado. No bloco Bergfreunde,
cada um dos sobreviventes carregava uma rosa branca, que seria posteriormente
depositada diante de um banner contendo a foto do grupo completo, no coreto da
cidade. Além da rosa branca, alguns sobreviventes carregavam no corpo as marcas
do infortúnio. Nos semblantes percebia-se o peso do luto e a dor da tristeza.
Contrariamente aos demais blocos, o dos sobreviventes desfilou contrito.
Diversas bandas acompanharam o desfile, com ares de
descontração. Houve muita dança, coreografia e alegria, ao longo da rua
principal, até o coreto da Praça Arthur Gerhardt, ao lado igreja luterana, onde
o grupo Bergfreunde se apresentaria, pela primeira vez, após o trágico
acidente. Tal igreja, construída em 1887, foi a primeira da América Latina a
ter uma torre. Até então, as torres eram permitidas apenas em igrejas
católicas, em obediência à Constituição Imperial brasileira.
No coreto, um dos sobreviventes, com marca de queimadura
generalizada, oriunda do incêndio do micro-ônibus, fez um discurso emocionante
e solicitou um minuto de silêncio, antes de dar início à apresentação.
A cidade de Domingos Martins, conhecida pelo tradicional
Festival de Música, no inverno, se engalanou, em amarelo, vermelho e preto,
cores da bandeira alemã, para a não menos tradicional Festa de Verão. Uma vila germânica foi montada no mesmo
espaço onde se faz a montagem anual da cidade do Papai Noel.
No ar emanavam eflúvios das mais variadas
especiarias gastronômicas: chucrute, salsichas variadas, joelho de porco e
demais especialidades, que eram servidas por toda parte, em barraquinhas, bares
e restaurantes. Sabe-se que os alemães são grandes apreciadores da cerveja. Os
beberrões de plantão andavam com um caneco típico da festa, a tiracolo, que
podia ser abastecido em qualquer esquina. As mulheres, mesmo as visitantes,
usavam tiaras de flores coloridas. Foi uma bela festa, com todos os
ingredientes de sucesso: gastronomia, bebida, dança, música, cores, alegria,
temperatura amena e, sobretudo muita gente.
No entanto pairava no ar a desolação da perda irreparável de
componentes do Folkloregruppe Bergfreunde, assim como a saudade dos que
estariam dançando nesse dia, caso não tivessem trilhado rumo à grande incógnita
caminhos desconhecidos dos sobreviventes.
Jô Drumond 28/01/2018