domingo, 28 de maio de 2017

O DESLUMBRE DO PÔR DO SOL NAS ILHAS “SANGUINAIRES”

Foto de Jô Drumond

Na extremidade do golfo de Ajaccio, capital da Córsega do Sul, há uma presqu’île (ilha ligada ao continente) chamada Parata, no topo da qual se encontra, em ruínas, uma das 90 torres de pedra, construídas no século XVI, com o objetivo de proteger a costa de toda a Córsega. Logo após a ilha de Parata, desvelam-se 4 ilhotas conhecidas como Îles Sanguinaires, que fazem parte do patrimônio natural e cultural da Córsega.

Essas ilhas constituem um pequeno arquipélago rochoso de origem magmática, composto de diorita e de granito monozonítico, famoso pela incandescência ao entardecer. Os últimos raios solares incendeiam as rochas com suntuosas nuances de vermelho, e criam um cenário onírico, de rara beleza.
Das diversas especulações a respeito do nome desse arquipélago, a mais plausível seria a cor de sangue que envolve as rochas e o horizonte, a cada pôr do sol.

O local, belíssimo ao entardecer, é considerado um dos lugares mais românticos da Córsega, mesmo à luz do dia, devido à transparência das águas, à flora aquática e à topografia. Esse recanto, privilegiado pela natureza, tem levado pintores e poetas a momentos de intensa estesia, o que desencadeia inspiração para grandes obras.
De um restaurante panorâmico, situado em ponto estratégico da costa, pode-se avistar o arquipélago e usufruir da beleza do sol poente, mas só se pode chegar até as Ilhas Sanguinárias de barco.

Há companhias de turismo com passeios programados a partir de Ajaccio até a Mezzu Mare (Grande Sanguinaire), onde se pode passear, se banhar na água azul turquesa, mergulhar e apreciar de perto a flora aquática e a beleza sub-marina, que podem ser apreciadas também de dentro do barco, graças à limpidez das águas. Entre Porri eCormorans, há o rochedo U Sbiru, de 13 m de altura. A visita guiada leva o visitante a conhecer melhor o local, por meio de um tour pelas ilhotas Mezzu Mare, Cormorans, Cala d’Alga e Porri, e sobretudo por meio de comentários sobre a baia de Ajaccio, sua história, sua fauna e sua vegetação.
Trata-se de um passeio inesquecível, porém difícil de ser feito em período de férias escolares, pois a procura é bem maior que a oferta. Deve-se evitar a Córsega em alta temporada, devido ao grande fluxo de turistas. O que poderia ser motivo de prazer pode se tornar transtorno.

Jô Drumond,  Córsega, maio de 2017


CÓRSEGA, ILHA PARADISÍACA

Por  Jô Drumond  -  Paris, 25 Maio 2017
 Poucos brasileiros incluem em seu roteiro de viagem, um verdadeiro paraíso do Mediterrâneo, que tem inspirado muitos pintores e escritores. Com superfície de 8720 Km2, a ilha da Córsega (La Corse, em francês ou Corsica, na língua local), apresenta um magnífico cenário com falésias abruptas recortando o oceano; cidades penduradas nas montanhas; gargantas talhadas nas pedras; picos pontiagudos esculpidos pela erosão; policromia rochosa; golfes; praias cristalinas; paisagens selvagens… um deslumbramento para os olhos.

O clima, as praias e as marinas atraem cerca de 2,7 milhões de turistas por ano, com nítida preferência pelo litoral. Passa-se, como num passe de mágica (num percurso de apenas 25 Km), do sol praiano às neves eternas do monte Cinto, de 2.806 metros de altitude. A Córsega, terceira maior ilha do Mediterrâneo, é a mais montanhosa de todas.

Sua vegetação apresenta um verdadeiro festival de cores e de odores. Conhecida como Île de Beauté (Ilha de Beleza), foi também chamada pelos ingleses de Île Parfumée (Ilha Perfumada). Seu filho mais ilustre, Napoleão Bonaparte (1769-1821), dizia que conhecia seu torrão natal pelos odores.

A proximidade da Itália, da França e da Espanha justifica a importância estratégica e sua grande movimentação histórica ao longo dos séculos. A Córsega foi invadida e anexada a diversos reinos, até que, em 1919, foi cedida à França pelo Tratado de Versailles. Tal tratado de paz, assinado pelas potências europeias, encerrou oficialmente a Primeira Guerra Mundial.

Jô Drumond, colunista do acontecendoonline, direto da Córcega em 25/05/2017



As fotos são também de autoria de nossa colunista Jô Drumond

domingo, 7 de maio de 2017

PARIS, SEMPRE PARIS


Até a primeira metade do século XX, um dos charmes de Paris eram os Clochards, mendicantes sujos e malcheirosos, sempre dispostos a discussões filosóficas com quem quer que fosse. Na verdade, muitos desses clochards eram intelectuais decaídos devido a vícios, desenlaces familiares ou desilusões. Havia entre eles os existencialistas e/ou niilistas que, não encontrando o sentido da vida, encharcavam-se no absinto, bebida alucinógena conhecida como “a fada verde”, para atenuar a dor de existir.

Bem aceitos pela juventude da época, eram vistos como inadaptados a uma sociedade capitalista e produtivista. De certa forma, simbolizavam a liberdade, pelo fato de não se submeterem aos ditames do consumismo. Era usual ver estudantes daUniversité de Sorbonne entabularem longas conversas com eles, sob os ponts de Paris.

Infelizmente, os tempos mudaram para pior. A partir da década de 70, surgiram os SDF (Sem Domicílio Fixo), de todas as idades, oriundos do interior, desempregados, à procura de melhores condições de vida na capital. Perdeu-se o perfil romântico dos mendigos parisienses.

  Hoje em dia, a questão se agravou ainda mais, devido ao contingente imigratório, sobretudo de países africanos e asiáticos. Mendigos de todo tipo pululam por toda parte. Os parisienses tiveram que aprender a conviver com a diversidade étnica e cultural, assim como a se habituar com o aumento do índice de violência urbana.  Hoje não se pega mais o metrô, nem o trem de subúrbio (conhecido como RER) com a mesma tranquilidade de antes. Os partidários do grupo Estado Islâmico aterrorizam a Cidade Luz. Nunca se sabe quando como e onde será o próximo atentado. Em qualquer ambiente, a qualquer hora do dia pode-se ocorrer uma tragédia. No entanto, Paris continua aparentemente a mesma: linda, charmosa, encantadora e romântica.

Jô Drumond

A Era Digital


O acesso à internet mudou totalmente os hábitos dos cidadãos. Prescinde-se hoje de ir ao correio para postar correspondências. A comunicação se faz em questão de segundos, via satélite, nos quatro cantos do mundo.  O jornal impresso é quase obsoleto. Tornou-se uma espécie “re-vista”, pois não apresenta nada mais em primeira mão. A internet traduz, automaticamente, notícias de qualquer idioma para a língua materna do leitor. Evidentemente, não se trata de boa tradução, mas eficiente na divulgação de informações importantes, em tempo real.

Antigamente, se alguém dissesse que, no futuro, se poderia, ao mesmo tempo, visualizar e falar com um ente querido que se encontrasse do outro lado do planeta, arriscar-se-ia a ser condenado à fogueira. Sabe-se que em 1633, preso pelas garras da inquisição, o grande matemático, físico, astrônomo e filósofo Galileu Galilei teve que “desdizer” o resultado de suas pesquisas para evitar a morte. Obrigado a se retratar, na questão do heliocentrismo, ele se viu na contingência de afirmar, durante o julgamento, que a Terra não girava em torno do Sol. Mas murmurou a seus botões: “eppur si muove” (e, no entanto, ela se move).

 Nos dias de hoje, o poder constituído se sente perdido, sem saber como controlar o vento que sopra em diversas direções. A classe política se encontra (ou se perde) nos dédalos do labirinto virtual. O povo, mais informado, está mais atento ao que se passa nos bastidores do governo. A turba deixou de ser apática e passiva, facilmente forjada pelos poderosos. Atualmente a opinião pública pode ser manipulada em tempo recorde, é verdade, mas o povo está aprendendo, a duras penas, a “separar o joio do trigo”.

Nossa geração, nascida em meados do século passado, criada antes do advento da revolução tecnológica, tem sofrido substanciais interferências em seu way of life, adaptando-se ao novo modus vivendi. Os pais, muitas vezes, se sentem indefesos e impotentes para controlar os filhos que têm  acesso a uma infinidade de informações, boas ou nefastas, que podem interferir na sua formação. Atualmente há, por exemplo, um jogo de desafios que acontece na calada da noite, longe da vigilância paterna. Os jovens postam os desafios aos quais são submetidos. No jogo da Baleia Azul, o último desafio, como se sabe, é o suicídio, filmado e divulgado virtualmente, em tempo real, uma espécie de “Big Brother” macabro. É difícil impedir o acesso à internet à nova geração. O que fazer para salvaguardar nossos filhos e netos? Essa questão está sendo amplamente debatida nos dias de hoje.

Por outro lado, as redes sociais proporcionam momentos de grande contentamento e nostalgia, uma espécie de retorno ao passado, por meio de grupos de ex-colegas que se reencontram décadas após a formatura e que relembram com saudosismo os anos de juventude sem televisão, sem telefone “sem lenço, sem documento”. As redes sociais resgatam antigas amizades, antigos amores e possibilitam novos relacionamentos. Os idosos e as pessoas que moram sozinhas, tendo o mundo diante de si, sentem menos o peso da solidão.  Expressam-se quando bem entendem, com retorno instantâneo de seus interlocutores.

 Parece um contrassenso ter saudades da falta de conforto, da falta de rádio e televisão, da falta de celular, da falta de computador, da falta da internet... No entanto, isso acontece. Durante a juventude de nossos avós, não havia carro, avião, nem energia elétrica. Eu mesma me lembro com nostalgia das rodas de contação de histórias, à luz de lamparina, na fazenda onde fui criada, numa época em que não existia eletrificação rural. O que se fazia, naquelas noitadas míticas, era a genuína literatura oral. Depois, numa cidade de interior, onde estudei, faziam-se rodas de vizinhos, à noite, com cadeiras na calçada, para brincadeiras típicas da época, com a criançada, ou para um dedo de prosa, enquanto não vinha o sono.

Deve ser impensável para as futuras gerações uma vida sem acesso à tecnologia. Nossos netos e demais descendentes só saberão de nossa história de vida, se alguém se dispuser a registrar os usos e costumes de nossa época. Eles terão, certamente, outros divertimentos mais interessantes, que talvez não propiciem a convivialidade de antes, cada vez mais escassa em nossos dias. Cada um se diverte sozinho, diante do laptop ou tendo às mãos um smartphone conectado com o mundo.

No futuro, com o devido distanciamento crítico, muitos estudiosos, sobretudo os sociólogos, se debruçarão em pesquisas sobre a mudança dos aspectos consuetudinários de nossa geração. Conhecemos ambas as faces da moeda e vivenciamos o “antes” e o “depois” dos recursos advindos com as novas tecnologias.

Aconteceu recentemente, num grupo de whatsApp do qual participo, algo que se presta a reflexões desses especialistas, quanto ao comportamento atual do ser humano. Trata-se de um grupo numeroso, com uma postagem diária próxima a uma centena de mensagens. Certo dia, tal grupo parou de funcionar espontaneamente, sem nenhum consenso prévio. Nenhuma mensagem durante todo o dia. Silêncio. Branco total. Naquele dia um dos integrantes do grupo cometera suicídio. Estranhamente, em vez de usarem a rápida e eficiente ferramenta de comunicação de que dispunham, para a divulgação da notícia, os usuários optaram por ligações telefônicas, relegadas, há muito tempo, a segundo plano. O branco na caixa de mensagens foi uma espécie de luto, em respeito  à dor dos que ficaram e à decisão de quem optou pela partida.

Há pessoas mais conservadoras que resistem tenazmente à adesão às novas tecnologias da comunicação. Em breve, não haverá mais analfabetos digitais. A internet veio para ficar. Não se pode mais viver sem a praticidade, a facilidade e a agilidade desse tipo de comunicação. Evidentemente, como tudo neste mundo, ele comporta aspectos positivos e negativos. Cabe a cada usuário escolher e trilhar seu caminho virtual, como melhor lhe convier.

Jô Drumond  06-05-2017




sexta-feira, 5 de maio de 2017

O DIREITO DE IR E VIR

O direito de ir e vir, defendido no século XVIII por Jean Jacques Rousseau, e garantido pelo inciso XV do art.5 de nossa Constituição Federal de 1988, foi acintosamente desrespeitado durante a manifestação política do dia 28 de abril de 2017.

No mesmo dia, durante um jornal televisivo que mostrava os inúmeros transtornos causados pelo movimento grevista em todo o país, tive a surpresa de ouvir de um dos organizadores a afirmação de que é preciso bloquear avenidas e estradas para que o movimento cause maior impacto na população.

O que se viu nessa última manifestação foi um total desrespeito à sociedade. É inconcebível que se bloqueiem estradas e vias arteriais, indispensáveis à normalidade da vida de uma cidade e de um país.

Diretamente atingida por um dos inúmeros transtornos ocorridos, faço aqui um depoimento em nome de todos aqueles que, como eu, ficaram retidos durante cinco horas, numa fila quilométrica, na BR262, sem água, sem comida e sem toalete, numa situação lamentável e constrangedora.

O local estratégico escolhido, o trevo de Realeza, dá acesso a três capitais (Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Vitória). O grande fluxo de veículos, devido ao feriadão de 1º de maio, na segunda-feira, agravou a situação.

Certamente, em momento algum os organizadores pensaram nos transtornos que causariam aos seus semelhantes. Caso tenham pensado e ainda assim insistido, a questão não é apenas grave; é cruel. Muitas famílias com crianças e idosos, tendo dificuldade de locomoção, não puderam fazer o que eu e meu marido ousamos fazer: Abandonamos o carro no acostamento, e seguimos a pé até o trevo para averiguar o que estava acontecendo.
Um grande número de manifestantes, a maioria em vermelho, batucava, tocava tambores e gritava palavras de ordem. Após horas de espera, os automobilistas se exasperaram e promoveram uma buzinação ensurdecedora. Alguns saíam dos veículos e puxavam briga com os manifestantes. A situação ficou muito tensa. Uma viatura policial, estacionada no local, nada podia fazer. Foi preciso receber reforço, para conseguir liberar as pistas.

Eu me perguntava como podia haver tamanha aglomeração fora do perímetro urbano, e como os manifestantes tinham chegado até aquele local. A resposta surgiu, clara como a luz do dia, quando vi cerca de dez ônibus, perfilados, à espera do fim do movimento.
Não sou contra as manifestações. Todo cidadão tem o direito de se manifestar publicamente. Faz parte do processo democrático. Porém todo cidadão tem também o dever de respeitar as normas de convivência social, em nome do bem comum.