quinta-feira, 22 de outubro de 2015

REVOADA DE LETRAS

Jô Drumond

No décimo oitavo aniversário do Clube do Livro de Vitória, neste mês de outubro de 2015, todos os participantes foram brindados com uma bela obra de arte de rara leveza, de autoria de Ana Paula Castro. Trata-se de uma obra altamente polissêmica. A riqueza simbólica do livro aberto, do voo e do colibri permite uma enorme gama de interpretações.
Parte-se de base sólida, em madeira, contendo o nome do leitor, passa-se pela consistência sintática e morfológica do livro e chega-se à volitante inconstância das letras, guiadas por um beija-flor. Letras se descolam do livro, se deslocam em torvelinho e alçam voo "colibritante".
Sabe-se que o voo é um elo entre o plano terrestre e o celeste. Simboliza também liberdade, movimento e audácia. As letras, por sua vez, representam o movimento. O colibri, tido como mensageiro de tempo, simboliza o infinito. 
Destarte, a obra contendo letras em movimento, aliadas ao voo de um beija-flor, pode representar a infinita liberdade proporcionada pelo conhecimento, por meio da leitura.
No percurso livro/leitor/leitura, parte-se da concretude do livro, passa-se pela imponderável magia do significante e chega-se à inefabilidade do significado. Ao abrir uma página, abre-se a comporta dos sonhos. A revoada de letras corresponderia ao efeito da leitura.
Assim como o voo de um pássaro, o livro entremeia terra e céu, forma e conteúdo, concreto e abstrato (pés no chão e cabeça nas nuvens).
Na obra de Ana Paula Castro, tipos moldados, normalmente presos à sintaxe, se misturam, se desmantelam e se dispersam no ar, ensejando a fruição de veleidades resguardadas no recôndito do ser.
Parabéns ao Clube do Livro, por ensejar novos horizontes a cada indicação de leitura. Obrigada, presidente Simone, pela memorável tarde comemorativa da maioridade de nosso Clube (18 anos).


Jô Drumond (Josina Nunes Drumond)
Membro de 3 Academias de Letras (AFEMIL, AEL, AFESL)e do Instituto Histórico (IHGES

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

A CIBERSOLIDÃO

                    * Jô Drumond

Uma nítida mudança comportamental está acontecendo na era contemporânea. Não se podem negar os benefícios e a comodidade da era virtual. Apesar de adepta de novidades tecnológicas, em vez de fazer uma apologia ao novo estilo de vida, prefiro fazer uma reflexão sobre o período de transição que estamos vivendo.

Há os internautas  compulsivos, aqueles que não se separam do aparelhinho mágico nem mesmo na hora do banho ou do sono; há os que conhecem superficialmente as novas tecnologias, se interessam pelas novidades, mas ainda não aderiram totalmente a elas; há os que simplesmente as desconhecem, sobretudo nos rincões de nosso imenso país; há também os tradicionalistas ferrenhos, por que não dizer retrógrados, que fazem questão de não aderir às novidades tecnológicas.

Até bem pouco tempo, ninguém sentia falta de smartphone, nem das redes sociais, simplesmente porque desconheciam as novas tecnologias. Hoje em dia, a dependência tecnológica faz com que certas pessoas não consigam viver desconectadas. Pode-se perder o trem, o avião, um amigo, uma joia, mas não se pode perder o smartphone.
A sociedade vai se adaptando aos novos comportamentos. Enquanto isso, vão surgindo novos costumes, novas crenças, novos conceitos, novos mitos, novas regras de conduta, novo estilo de vida... Por conseguinte, uma nova ética comportamental vai se estabelecendo.

O ser humano é um animal gregário. O temor da solidão ou do isolamento torna-o dependente de experiências coletivas. Em tempos idos, sentia-se compelido a fazer parte de um clã. Hoje sente-se atraído a fazer parte de uma rede social. As redes resolvem, embora parcialmente, o problema da solidão. A interação é prazerosa, rápida e eficiente. Surgem dezenas, centenas de novos amigos, mesmo que sejam amizades superficiais. Há um desvão entre amizade real e virtual. Não se pode dizer se isso é bom ou ruim. O fato é que é diferente.

Em todas as circunstâncias, o aficionado não se desgruda do smarphone. Fotografa tudo que vê. Não pode mais ir a um evento social, sem ser alvo de câmeras profissionais, de câmeras amigas ou inimigas, e também de câmeras escondidas. O fato de postar fotos de outrem nas redes sociais, sem a devida autorização, já se banalizou. Tal procedimento pode ensejar tanto situações prazerosas quanto situações constrangedoras para o fotografado.

Há pouco tempo, fui convidada para uma pequena comemoração de aniversário. Ao entrar no facebook encontrei fotos da festa postadas por convidados, seguidas de diversas reclamações de amigos do aniversariante, que se sentiram excluídos, por não terem sido convidados. O anfitrião, em apuros, teve que se justificar perante os que reclamaram publicamente, sabendo que outros certamente se sentiram excluídos, após a visualização das fotos. Entre os jovens, ouve-se frequentemente: “fulano é meu amigo no facebook”.

Na verdade pouco se sabe a respeito desse “amigo”. Não se sabe o verdadeiro nome, a idade, o sexo, nem mesmo as intenções que se escondem atrás da máscara virtual.
Certo dia perguntei a um jovem aluno meu, um cibersolitário compulsivo, se as amizades e os namoros virtuais são melhores que os reais. Ele me respondeu que são bem melhores, pois não se perde tempo. Pode-se relacionar com várias meninas ao mesmo tempo, sem ter a chateação de dar atenção especial ou satisfação a nenhuma delas. “Além do mais — disse-me ele — estando conectado, não tenho ouvidos para conselhos, broncas nem ladainhas de meus pais.”7
Não há nada mais desagradável que interromper uma conversação face a face para que o interlocutor dê uma vista d’olhos nas mensagens que entram a cada instante em seu smartphone. Caso alguma mensagem seja interessante, ele se esquece de que, diante de si, há alguém à sua espera, para continuar o diálogo interrompido.
Seguem-se alguns relatos de situações constrangedoras, relacionadas à utilização indevida e antissocial do telefone eletrônico.
Uma conhecida minha foi a um restaurante com o namorado. Enquanto aguardavam a refeição, ele entrou na internet, pelo celular, e se deixou levar de tal forma, que o entorno deixou de existir, assim como a pessoa que o acompanhava. A moça, depois de aguardar um bom tempo, sem ter o que fazer, nem com quem conversar, se levantou e tomou um táxi. Ao ser interrompido pelo garçom, prestes a servir o jantar, sentiu falta da namorada. Supôs que tivesse ido ao toilette e aguardou. Como ela tardava, perguntou ao garçom se ele a tinha visto. Foi informado de que ela havia saído do restaurante havia cerca de dez minutos. Resultado: Jantou sozinho e perdeu a namorada.
Uma amiga minha, incomodada com o uso compulsivo do celular pelo marido, sempre que saiam para jantar fora, pediu-lhe que não levasse o telefone ou que o desligasse para que pudessem tomar uns drinques sem ser interrompidos. Ele lhe respondeu que, nesse caso, preferia não sair de casa. Não há casamento que resista a isso. Além dos transtornos causados nas relações familiares, no trânsito, nem se fala! Tal telinha em mãos de incautos motoristas representa um perigo iminente para todos nós em cada estrada, em cada rua e em cada esquina.
Em uma mesa de bar ou de restaurante, nota-se a grande diferença entre um grupo usuário do smartphone de outro grupo que ainda não aderiu à novidade eletrônica. Estes mantêm uma postura de diálogo, face a face, olhos nos olhos. Aqueles estão próximos apenas geograficamente, mergulhados em outro mundo bem mais instigante que o seu.
Certa vez, durante uma consulta, o médico, em acintoso ultraje, interrompeu cinco vezes meu relato dos sintomas, para atender ao telefone. Ao terminar cada interrupção, perguntava: “Onde foi que paramos? O que você estava dizendo? Onde é que nós estávamos?” O fato é que ele não prestava a mínima atenção ao que eu dizia. Após tantas interrupções, poderia dar um diagnóstico confiável? Saí de lá indignada, com a firme intenção de nunca mais voltar. Resultado: perdeu a cliente.
Na maioria das vezes, as relações virtuais se sobrepõem às pessoais. Há que se criar uma ética para o uso das redes sociais e um tratamento adequado para a dependência tecnológica. Como foi dito inicialmente, com o tempo as coisas se ajustam. O ser humano tem uma incrível capacidade de adaptação. Possivelmente, no futuro, haverá um equilíbrio entre real e virtual. Os relacionamentos sobreviverão à era tecnológica.

*Jô Drumond (Josina Nunes Drumond)
Membro de 3 Academias de Letras (AFEMIL, AEL, AFESL)e do Instituto Histórico (IHGES


comentário

Marcos Tavares, da Academia Espírito-santense de Letras, escreveu ]
o seguinte comentário sobre a obra de Jô Drumond:

CIBERSOLIDÃO: NOVOS  TEMPOS

                           CIBERSOLIDÃO (Jô Drumond, Ed. Opção, 45  crônicas, 141 páginas, 2018).

Escrever, muitos escrevem. O que qualifica um escrevedor, daí escritor, é, além do trato com as palavras, o seu distinto olhar, a sua cosmovisão. E quando esse escritor (no caso, literata) detém título de Doutorado em Comunicação e Semiótica (PUC-SP) e, em nova incursão no gênero crônica, examina sobretudo o mundo moderno e suas tecnologias, em livro que publica, hemos de prestar a devida atenção. Nada é p

Josina Nunes Drumond [Jô Drumond], ocular testemunha desses tempos fugazes, ora nos concede documental prova da tal “modernidade líquida” nomeada pelo sociólogo polonês Zigmunt Bauman (“Vivemos tempos líquidos. Nada é para durar”). Título da obra alude ao fenômeno da “solidão acompanhada” ou cibersolidão. Em crônica homônima, a de abertura, discorre acerca das Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDIC) com suporte na internet que, aliada aos recursos da Computação Móvel, têm influenciado novos comportamentos sociais, em especial no tocante à facilidade nos relacionamentos. Estes, não presenciais, até superficiais, mas logo designados “amizades”, não raro podem, ironicamente, destruir vínculos afetivos pessoais e já duradouros. Solidão cibernética detectada num dia de silêncio no WhatsApp: só explicado quando, por já desusados telefonemas, se soube do suicídio de um de seus integrantes (Era Digital). 

Consequência da nova era, o home based, uma espécie de franquia que permite gerenciar, sem sair de casa, uma atividade laboral rentável, é objeto de narrativa (Trabalho à distância). Sob epígrafe de Rubem Braga resgata a saudosa época em que carteiros, esperados com ansiedade, traziam boas e más notícias. “Cada um de nós morre um pouco quando alguém, na distância e no tempo, rasga alguma carta ou deleta alguma mensagem nossa ”, conclui, lírica (Velhas Cartas).
Francófila, debruça-se sobre a História de França, em paralelo com o nosso período escravocrata, e filosofa acerca da liberdade relativa, do cerceamento imposto por algemas sociais (Grilhões). 

O definhamento da bisavó Theodora, latifundiária e escravagista, então empobrecida pela Lei Áurea, perdida a força de trabalho, é lição para tantos quantos queiram preservar a história familiar jamais estudada em bancos escolares (O Fio do tempo). Pós-Doutora em Literatura Comparada (UFMG), Jô Drumond vê similaridade de ideias entre o literato Somerset Maughan (séc. XIX), em sua obra A Servidão Humana, e o geneticista Dean Hamer (séc. XX): um fator bioquímico (o gene VMAT2) propiciaria o grau de espiritualidade (A fé). Repensando a própria vivência missionária, aventa possível benignidade do aludido gene da fé (Questionamentos religiosos). Destoante do cânone da Igreja, exegeta bíblico com visão peculiar merece destaque: Jean Meslier, vigário francês, é dado como precursor de vários movimentos libertários (Padre ateu). Atestando o autêntico significado do gênero (krónos=tempo), há um momento em que reminiscências da menina revisitam festejos (Festas joaninas ou julinas).

Prosa simples jamais simplória, bem saborosa, pródiga de “causos” como sói a um bom mineiro (Patos de Minas-MG), impregna-a com alta dosagem de humor: um sufoco em viagem aérea (Apreensão), uma noite passada em claro em república estudantil de Ouro Preto (Pulgatório), episódio de brusca transformação de duas de suas alunas de francês (Irmãs Carmelitas), adversidade em lamacenta estrada rural (Atoleiro), divertido passeio em Tiradentes: um guia com fétido odor corporal é substituído por um com acentuado distúrbio de fala (O malfadado city tour). Até o mero catar piolho possui a freudiana sublimação libidinal (O cafuné).

Especialista em Guimaraes Rosa, em cinco textos foca o singular autor e terra natal dele (Cordisburgo, I a IV). E outros temas há. Eclética, também artista plástica, um seu trabalho de 1990, um acrílico sobre papel cartão, compõe a capa do livro desta “imortal” da Academia Espírito-santense de Letras que, a tornar “exequível suas exéquias”, já humorada diretriz a seus sucessores deixa (Meus últimos desejos).

[ resenha  redigida por Marcos Tavares, da Academia Espírito-santense de Letras]