domingo, 24 de setembro de 2017

FESTAS JOANINAS OU JUNINAS?



Quando criança, algo me intrigava nas festas juninas. Por que razão tínhamos que usar indumentária de verão, se a festa acontecia em pleno inverno, ao ar livre? Vestidinho de chita, manguinhas curtas, sem nenhuma proteção nas pernas… que judiação! Deixava de ser prazeroso. “Ir a uma festa junina”, naquela época, em Patos de Minas, era sinônimo “tiritar de frio”.

A resposta é simples. Os vestidos, geralmente, são de chita, por ser um dos tecidos mais baratos, usados por camponeses. O modelito típico feminino de mangas curtas e saia rodada é originário de uma festa campesina, no hemisfério norte, para comemorar o solstício de verão, ou seja, o dia mais longo do ano, que, contrariamente, em nosso hemisfério, coincide com o solstício de inverno.

Outra coisa carecia de explicação para minha cabecinha infantil. Se a festa era em homenagem a São João deveria ser “joanina” e não “junina”. O que eu não sabia, e que muita gente talvez não saiba, é que tal evento com dança, música, folguedos e foguetório, em tempos idos, era uma espécie de culto ao Sol, em agradecimento às boas colheitas. Mais tarde, o cristianismo transformou a festa pagã, que já acontecia nessa data, em festa religiosa, aproveitando o ensejo da data natalícia de São João. O termo original “joanina” foi posteriormente substituído por outro mais abrangente, “junina”, para abarcar outros santos cujas festividades acontecem no mês de junho (São Pedro e Santo Antônio). Como muitas vezes, no Brasil, as festividades se estendem pelo mês de julho, eventualmente ouve-se até mesmo “festa julina”. A flexibilidade linguística nos permite tais adaptações.

Em cada região brasileira, essas festividades têm nuances diferentes, no que se refere aos quitutes, aos aperitivos e à música. Apesar da diversidade, há elementos tradicionais em todas elas: balões, fogos de artifício, mastro enfeitado, fogueira, casamento caipira, entre outros.

Os balões, hoje proibidos no Brasil devido ao risco de incêndio, sobem aos céus para anunciar o início das festividades. A explosão dos fogos de artifício, segundo a tradição, é para acordar São João. O mastro atual, com três bandeirolas na extremidade superior, é uma homenagem aos três santos. A fogueira, símbolo de proteção contra maus espíritos, nocivos à colheita, faz parte das comemorações, desde a Idade Média. O casamento caipira é uma sátira aos casamentos tradicionais.

Outra coisa que me intrigava, na infância, era a marcação da coreografia, feita parcialmente em uma língua incompreensível para mim. O comando mais frequente, “balancê”, era repetido ao término de cada passo. Quando havia outro comando específico para os cavalheiros, as damas permaneciam no passo do balanço. Por que “balancê” em vez de “balançar”? Havia outros comandos ainda mais complicados: “anavan” (en avant = para frente); anarriê (en arrière = para trás); tur (tour = dar a volta); returnê (retournez = retornar); “vizavi” (vis-à-vis = face a face, um diante do outro).

No Brasil, a quadrilha se tornou uma tradição, nas festas de junho. Praticamente nos quatro cantos do país, ela acontece em clubes, praças e escolas (desde as creches até as universidades). O interessante é que, na França, onde se fixou tal tradição, ela inexiste nos dias de hoje. O divertimento popular ao ar livre, herdado por nós, acabou descambando para o can-can. Salvo engano, a única quadrilha popular que resta em terras gaulesas, é numa possessão francesa, a ilha da Córsega.

Surgida na Europa, na Idade Média, a quadrilha, originariamente uma dança campesina, caiu nas graças da nobreza e foi prontamente adotada pela França, tornando-se usual nos grandes palácios, por volta dos séculos XIII e XIV. De lá, expandiu-se para as demais cortes europeias. Foi trazida para o Brasil no século XIX, onde se mesclou a outras tradições culturais. Diferentemente da dança que conhecemos hoje, a quadrilha francesa era uma dança elegante, com diversas modalidades específicas para cada tipo de evento: quadrilha do príncipe imperial, quadrilha de variedades francesas, quadrilha das abelhas, quadrilha dos Incas, quadrilha russa ou americana, e assim por diante. Na França, genericamente, o termo masculino “le quadrille” designa uma dança comum nos grandes salões da aristocracia, durante o Segundo Império ou Restauração. Tratava-se de uma coreografia com um determinado número de participantes, a título de entreato, durante os bailes. Tal dança se caracterizava pela “elegância das vestimentas, harmonia das cores e perfeição do conjunto.”



Jô Drumond