domingo, 25 de fevereiro de 2018

LADRÃO ROUBADO

Jô Drumond
O antigo ditado popular, “ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão”, está muito recorrente nessa época de crise econômica e de corrupção generalizada

Por maior que seja a criatividade dos ficcionistas, a vida anda sempre superando a ficção. Há fatos do cotidiano que nos deixam perplexos. Um deles foi devidamente documentado por imagens de vídeo e divulgado recentemente na mídia.

Um larápio contumaz, grande amigo de bens alheios, pegou um carro de propriedade desconhecida, para trabalhar, ou melhor, para roubar. Percorreu algumas ruas sombrias à escolha de um local onde pudesse agir com menor risco de contratempos. Eram cerca de vinte e três horas. Escolheu, como alvo, uma drogaria e perfumaria 24 horas. Parou o carro um pouco distante, para disfarçar, e passou a pé lentamente diante do estabelecimento, para verificar o movimento. Havia somente um atendente, no balcão, e outro funcionário, responsável pelo caixa. Não havendo cliente algum para atrapalhar a execução de seu intento, sacou uma arma e anunciou o assalto. Havia pouco dinheiro em caixa, como era de se esperar. Faz parte da estratégia antirroubo dos comerciantes. Não satisfeito com o magro butim, pegou os celulares, as carteiras e os relógios dos funcionários, um notebook, uma calculadora e recheou uma sacola com produtos de perfumaria, facilmente vendáveis.

Saiu tranquilamente a pé, como havia entrado. A posse da arma lhe dava sensação de segurança. Seguiu em direção ao carro. Não havia mais carro. Ele fora roubado por um colega de profissão. Meio atarantado, não sabia o que fazer. Um motociclista parou como se fosse lhe prestar solidariedade. Aproximou-se dele e apontou-lhe uma arma, em direção à cabeça. Com as “mãos ao alto”, diante de um “tresoitão” cuspidor de fogo (calibre 38), nada podia fazer. Em poucos segundos viu-se despojado da arma, do celular, do relógio, do trancelim de ouro com a estimada medalhinha de seu santo protetor e da sacola contendo os produtos surrupiados na drogaria.

Diante do inesperado, ficou ainda mais desarvorado. De mãos vazias, sentia-se nu. Não sabia se subia ou se descia a rua. Lembrou-se de que, à esquerda, havia uma delegacia de polícia não muito distante. Indignado, resolveu dar queixa. O pobre meliante nem imaginava que, o tempo todo, estava sendo alvo de câmeras instaladas na rua, assim como dentro do estabelecimento assaltado. Ao entrar na chefatura de polícia, foi imediatamente reconhecido pelo balconista da drogaria, que estava justamente fazendo o Boletim de Ocorrência. Decididamente, não era seu dia de sorte. Acabou preso, sob veementes protestos. Por incrível que pareça, resolveu esbravejar contra a violência da cidade:  - Está ficando impraticável viver aqui. Quanta violência! Não se pode nem mais trabalhar!

Esse fato me remeteu a outro recente, relatado na crônica “Ideologia canhestra” publicada aqui, nessa coluna, dia 29 de janeiro. Um de seus colegas de banditismo, preso diversas vezes por ladroagem, havia concedido uma entrevista, filmada por um jornalista e divulgada na Internet. 
O meliante afirmava, com um sorriso nos lábios e com a maior serenidade do mundo que, aos trinta anos, nunca havia trabalhado, nunca iria trabalhar e que pretendia continuar roubando. Ele tinha convicção de estar contribuindo para evitar o desemprego de policiais, escrivães, delegados, juízes, promotores, carcereiros etc. Em sua ótica meio oblíqua e bastante míope, ele assim contribuiria para o bem-estar da sociedade, pois, caso a marginalidade acabasse, muitos profissionais da área de segurança pública ficariam a ver navios, sem meios de sustentar suas famílias.  Como já dizia minha avó, “em cada cabeça uma sentença”.