- Por que você quer doar meus brinquedos, vovó?
- Porque crianças pobres não têm brinquedos.
- Existe criança sem brinquedo?
- Sim, infelizmente.
- Por que elas não têm brinquedos?
- Porque são pobres.
- Por que elas são pobres?
- Porque seus pais não têm dinheiro
- Por que eles não têm dinheiro?
- Talvez estejam desempregados... não sei bem... Venha, ajude-me a colocar esses aqui na sacola.
Tentei interromper os questionamentos, desviando sua atenção, em vão.
- Mas escuta, vovó: para onde você vai levar esses brinquedos?
- Vou entregá-los a algumas pessoas que estão fazendo uma campanha para o Natal das crianças pobres.
- Mas no Natal não precisa, vovó. Papai Noel é bonzinho! Ele traz presentes pra todo mundo.
- Sim, eu sei, mas, por exemplo, você tem muitos brinquedos e ganha ainda mais, no Natal. Não há mais espaço em seu quarto, para guardá-los. As crianças pobres também certamente vão ganhar, mas como têm poucos brinquedos, há mais espaço em suas casas.
- Vovó, as crianças pobres também vão à creche?
- Sim, certamente.
- Então elas devem ter brinquedos na creche.
- Pode ser, mas as creches em bairros pobres têm menos brinquedos. Vamos fazer uma coisa? Vamos ao playground brincar de pula-pula?
- Ôba! Vamos agora?
- Sim, é pra já!
Dessa forma, livrei-me da sequência do interrogatório. Sabe-se que, na idade dos porquês, a criança começa a despertar para o entendimento das coisas. Passa a observar e a perceber os fatos que acontecem em seu entorno, e se põe a questionar repetidamente, com uma série de porquês. É próprio da idade, e é importante que assim seja. Ela passa a ter percepção mais aguçada e começa a descobrir a si mesma e ao mundo. Trata-se de uma curiosidade benfazeja que a levará a novas descobertas.
Ao voltar do playground, eu já nem pensava mais na razão que nos havia levado até lá. Ele, no entanto, continuava atento. Abriu um armário cheio de brinquedos e me disse.
- Vovó, pode levar todos os meus brinquedos para as crianças pobres.
Tive que me controlar para conter as lágrimas.
Jô Drumond