segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

"ATENÇÃO! VOCÊ ESTÁ SENDO FILMADO"

Na época da repressão política, exasperado com tantas proibições, o compositor baiano Caetano Veloso apresentou a canção “É proibido proibir”, no III Festival Internacional da Canção, em São Paulo, acompanhado pela banda musical Os Mutantes.
Nesse festival anual, aconteciam as mais inusitadas reações tanto por parte da plateia quanto dos concorrentes. Em 1968, aos primeiros acordes da música de Caetano, em meio a vaias, a plateia começou a atirar ovos, tomates e objetos em direção ao palco, em acintoso desrespeito. Caetano, sem deixar por menos, fez uma entrada provocativa, com um meneio erótico de quadris, ostentando uma indumentária brilhante e muito exótica para a época. A plateia, indignada, deu as costas para o palco. Por sua vez, Os Mutantes, deram as costas para o público, sem parar de tocar.
Minha geração, a mesma de Caetano, passou a juventude sob o signo da interdição, no período ditatorial. Ao entrar num coletivo, lia-se: “É proibido falar com o motorista”; “É proibido assentar-se sobre o capô do motor”; “É proibido atravancar a porta”; “É proibido fumar”; “É proibido transportar animais”; É proibido saltar a roleta” ... e outras tantas proibições. Ao visitar um zoológico, viam-se por toda parte tabuletas proibitórias: “É proibido pisar na grama”; “É proibido dar comida aos animais”; “É proibido inclinar-se no fosso dos animais”, “É proibido jogar papel no chão”... e mais uma infinidade de interdições.
Com o passar do tempo, tais dizeres tornaram-se menos acintosos. A utilização de eufemismos foi suavizando ou minimizando o peso das palavras. O repressivo “é proibido fumar”, e o imperativo “não fume”, deram lugar a uma solicitação: “pede-se a gentileza de não fumar”; a um agradecimento: “obrigado por não fumar”, ou a uma simples advertência: “o tabaco é prejudicial à saúde”.
Nos atuais tempos de democracia, nossa liberdade se ampliou, mas surgiram outras restrições oriundas do aumento da violência. Para disfarçar a ultrajante falta de privacidade do cidadão, constantemente sob vigilância eletrônica, lê-se por toda parte: “Sorria, você está sendo filmado”. É lamentável, porém necessário, que se perca a liberdade, em nome da segurança pública. Certo dia, fui visitar um museu temporário instalado no parque do Ibirapuera, em São Paulo, no qual se expunham renomadas obras oriundas do museu do Louvre, de Paris. O local estava cercado de grande aparato de segurança, devido ao alto valor das obras. Ao final da visita, resolvi passar pelo toalete, antes de enfrentar o trânsito paulistano. Um painel luminoso, dentro do banheiro, anunciava o cúmulo da falta de privacidade: “você está sendo filmado em todos os ambientes”. Dei meia volta e saí indignada.


Jô Drumond 
Escritora, Membro da Academia Feminina Mineira de Letras, 
Membro da Academia Feminina Espírito-santense de Letras 
e "Membro do Instituto Histórico e Geográfico do ES".

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Velhas Cartas X Novas Mensagens

(Tributo ao cronista Rubem Braga, no centenário de seu nascimento)

“Imagino que em algum lugar do mundo há alguém que neste momento remexe, por acaso, uma gaveta qualquer, encontra uma velha carta minha, passa os olhos por curiosidade no que escrevi, hesita um instante em rasgar, e depois a devolve à gaveta com um gesto de displicência, pensando, talvez: é mesmo, esse sujeito onde andará? Eu nem me lembrava mais dele...”  (da crônica “Velhas cartas” – 1953 - de Rubem Braga)

Numa época não muito remota não havia energia elétrica, rádio, nem telefone. O telégrafo era o mais moderno meio de comunicação. Nas cidades interioranas, sem circulação de jornais, as notícias chegavam pelos correios e eram repassadas de boca em boca. Novidades de entes queridos, distantes no espaço, só por meio de cartas. A figura do carteiro era de grande relevância. A expectativa de sua chegada era mesclada de alegria, de inquietude e até mesmo de aflição. Sua passagem de porta em porta deixava um rastro díspar de júbilo, melancolia, amargura, e, em casos notícias fúnebres, choro, desespero e luto.
Não havendo campainha, nem interfone, o carteiro entoava em bom tom o nome do destinatário à porta de seu domicílio, como registra o samba canção “Mensagem”, de Álvaro Cabral e Cícero Nunes: “Quando o carteiro chegou / E meu nome gritou / Com uma carta na mão/ Ante surpresa tão rude / Nem sei como pude / Chegar ao portão...”

Hoje, a função do carteiro perdeu sua aura de glamour e de mistério. Mais céleres que suas pernas, as notícias são simultâneas, via Internet. Mensagens virtuais se aboletam sem som nem tom, em nossa caixa de entrada. Ficamos acabrunhados por não dispor de tempo para abrir todas elas (a maioria indesejada), nem para entrar nos sites desejados. As redes sociais se multiplicam. O ritmo da vida atual é bem mais rápido que o do coração. Não recebemos mais cartas escritas (a)morosamente, com tempo e sentimento. As mensagens se atropelam no provedor. Embora instantâneas e eficientes, elas são cada vez mais sucintas e menos elaboradas.

Atualizando a citação do velho Braga, imagino que em algum lugar do mundo há alguém que neste momento clica, por acaso, na caixa de mensagens, encontra um e-mail meu, passa os olhos por curiosidade no que escrevi, hesita um instante em deletar, e decide deixá-lo ali por mais algum tempo com um gesto de displicência, pensando, talvez: é mesmo, esse sujeito onde andará? Eu nem me lembrava mais dele...
Cada um de nós morre um pouco quando alguém, na distância e no tempo, rasga alguma carta ou deleta alguma mensagem nossa.


Jô Drumond 
Escritora, Membro da Academia Feminina Mineira de Letras, 
Membro da Academia Feminina Espírito-santense de Letras 
e "Membro do Instituto Histórico e Geográfico do ES".