quinta-feira, 2 de abril de 2020

O OUTONO EM QUE TUDO PAROU


Desde a Segunda Guerra Mundial, existe o temor de uma terceira grande beligerância, bem mais devastadora, considerando-se o avanço tecnológico dos últimos tempos.

Filmes, seriados e livros repassam às novas gerações cenas reais e ficcionais dos horrores da guerra e do holocausto. Percebe-se que a insensatez do belicismo é capaz de colocar a humanidade em risco por motivos nem sempre plausíveis.

Nunca se pensou que a Terceira Grande Guerra fosse deflagrada por uma pandemia provocada por um inimigo invisível e antagônico; fragilíssimo (passível de ser destruído com água e sabão) e poderosíssimo (capaz de dizimar grande parte da população mundial em tempo recorde). Veem-se as mais diversas nações unidas contra um adversário comum: o coronavírus. Sua rapidez de disseminação em todos os continentes é espantosa. A Covid 19 é inofensiva às crianças e tem certa complacência com a juventude, embora seja impiedosa com os idosos. Por ironia, esse vírus outonal dizima sobretudo aqueles que se encontram no outono da vida. Ele ronda a “morte saison”, epíteto que se dá, em francês, à estação contígua ao outono, em que não há frutificação, no polo Norte.

Sabe-se que o diagnóstico desse mal se confunde inicialmente com o de uma gripe comum, mas, em
poucos dias, o vírus pode provocar alterações pulmonares, obstruir as vias respiratórias e matar por asfixia, um dos mais temíveis tipos de morte. O auxílio do pulmão artificial nem sempre é suficiente.

O mundo está quase todo parado. No Brasil, ruas e avenidas, fervilhantes no dia a dia, encontram-se completamente desertas; praias ensolaradas sem banhista algum; bares, comércio, indústria, estabelecimentos de ensino... de portas cerradas. As Forças Armadas foram acionadas para ajudar no que se fizer necessário. Apenas setores essenciais da engrenagem social continuam funcionando, como abastecimento de víveres e de combustíveis, atendimento médico-hospitalar e farmacológico, assim como uma parcela dos transportes.

Plagiando o título do filme datado de 1951, “O dia em que a terra parou”, pode-se dizer que 2020 está sendo o ano em que a terra parou. As futuras gerações, com o devido distanciamento temporal, tomarão conhecimento do que se passa hoje em dia, per omnia saecula saeculorum, por meio de registros documentais e/ou ficcionais.

Elas verão o rompimento das fronteiras geográficas e a diluição das fronteiras sociais; verão pipocar problemas de relacionamento familiar, no confinamento domiciliar obrigatório; verão a tensão permanente no ar. Todos são vulneráveis. A qualquer momento, aos primeiros sintomas de simples gripe, pode-se ser isolado dos familiares, em um cômodo da própria morada e posteriormente em hospitais, em caso de agravamento. Também verão a agonia e o pavor da morte solitária por asfixia, em isolamentos, sem mão amiga, sem palavra de conforto, sem ombro de apoio; verão a desolação dos que restam, pela partida abrupta de entes queridos, sem gesto de adeus; verão o luto fechado pelos que se foram e o temor do luto futuro pelos que se irmanarão a eles, rumo ao imponderável; verão, sobretudo, a efemeridade da chama da vida e a espera agônica do temeroso porvir.

Com o agravamento da crise, as aglomerações e a circulação urbana são desaconselháveis. Em alguns países e/ou cidades, como em Paris, devido à propagação alarmante do vírus, é decretada a proibição de sair de casa, salvo em casos excepcionais. Os infratores se veem sujeitos a onerosas multas. À primeira vista, parece exagero, mas essa medida cautelar tem um motivo matemático muito simples. Com a multiplicação diária dos contaminados, em um futuro próximo, não haverá hospitais suficientes para milhares de enfermos, nem cemitérios para os mortos. Hospitais de campanha estão sendo construídos da noite para o dia, em campos de futebol e em outros espaços urbanos disponíveis.

Muitos dos incansáveis profissionais da saúde, expostos à denominada Covid 19, apesar de todas as medidas cautelares de proteção, estão morrendo, na luta inglória de ajudar os desventurados.

A população, confinada em seus lares, é bombardeada por informações, em tempo real, pelos meios de comunicação. Pelas redes sociais, recebem também toda sorte de fake News amedrontadoras, criadas certamente por mentes sádicas, com o intuito de causar o pânico e/ou o descrédito dos dados oficiais.

Observa-se que a desventura, em larga escala, tem deflagrado muita solidariedade entre países, todos unidos contra um inimigo comum; os menos afetados ajudam os que se encontram em estado de calamidade pública. Gesto humanitário bonito de se ver.

O que estamos vivenciando no momento é algo totalmente inusitado; poder-se-ia dizer: inimaginável ou ficcional. Todos nós somos atores involuntários dessa tragédia humana, com desfecho ignorado.

Jô Drumond / 31 de Março de 2020