quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

O MENINO QUE VIROU PAPAI NOEL


Zequinha era menino de frágil compleição, franzino, porém ladino. Nada passava despercebido a seus olhos vivazes. Por vezes, acompanhava sua mãe, Maria Abadia, no trabalho de diarista, para não passar o dia sozinho. Nas casas das patroas, via uma infinidade de brinquedos que gostaria de ter. Abadia dizia que não os podia comprar. Ele não conseguia entender. Ela trabalhava como todo mundo. Por que outros podiam, e ela não? O dinheiro de todos não era igualzinho ao dela? Pois então!
Zequinha ainda não tinha entendimento para questões monetárias. Seus brinquedos não eram tão atraentes quanto os que via nas vitrines e nas casas das patroas de sua mãe. Já os recebia usados, muitas vezes estragados ou quebrados.

Todo ano, no final da tarde do dia 25 de dezembro, a praça mais próxima de sua casa ficava repleta de crianças, com brinquedos trazidos pelo Papai Noel. O Bom Velhinho conhecia os endereços das outras crianças e não o dele. Caso o encontrasse, lhe explicaria como chegar até seu barraco, no Morro do Pintassilgo. O acesso não era muito fácil. Talvez ele não tivesse mais idade para subir ladeira como aquela. Combinariam um esconderijo em lugar plano e seguro, próximo à praça. Na manhã do dia 25, ele se levantaria bem cedinho e pegaria o mimo de Natal antes que um aventureiro lançasse mão dele. No entanto só via o Papai Noel na televisão. Onde seria sua residência? Certo dia pediu à mãe que o levasse até à casa do Bom Velhinho. Meio aturdida, ela lhe disse que ele morava em um lugar muito distante. Seria impossível ir até lá a pé, de bicicleta ou de lotação. Teria que fazer uma longa viagem de navio ou de avião. Ah! - exclamou o menino – para caber tantos presentes, ele deve ter um baita navio, um “navião”!

Quando Zequinha começou a ser alfabetizado, deixou de acompanhar a mãe. Passava as manhãs na
escola e, na parte da tarde, passava o tempo à porta de uma mercearia, oferecendo seus préstimos como engraxate. Um vizinho lhe repassara uma caixa de engraxate que havia pertencido a seu filho. Deu-lhe tintas e graxas já usadas, e o iniciou no ofício. Zequinha ficou radiante com a novidade. Acabou fazendo novas amizades com funcionários e clientes do pequeno comércio. Gostava do ambiente. Era bem mais divertido que ficar em casa vendo televisão. Muitas vezes, a tarde passava sem que aparecesse nenhum cliente, mas ele não se importava. Sua mãe, na volta do trabalho, passava por lá trazendo-lhe balas ou pirulitos. Subiam juntos a ladeira, contando reciprocamente as novidades do dia.

Todo ano, na tarde de 25 de dezembro, ele continuava indo à praça, para apreciar os novos brinquedos. Certo dia, assentado no banco da praça, a observar as novidades lúdicas, teve uma ideia. Como Papai Noel não sabia seu endereço ou não conseguia subir a ladeira, ele mesmo faria economias e compraria o que lhe agradasse, para brincar juntamente com as outras crianças. Durante um ano, economizou cada centavo e, na véspera do Natal, entrou em uma loja de brinquedos, juntamente com sua mãe, para escolherem juntos algo compatível com a quantia de que ele dispunha. Zequinha saiu de lá radiante. Não cabia em si de contente, carregando um caminhão de madeira, com carroceria verde e boleia vermelha. No mesmo dia, comprou também um saco de balas. Sua mãe achou um exagero, mas não o repreendeu pela quantidade de guloseimas. Afinal, ele tinha o direito de gastar seus trocados como bem entendesse. Nada de grave poderia lhe acontecer; no máximo, uma dor de barriga. No dia seguinte, lá estava ele entre as crianças, puxando seu caminhão com a carroceria abarrotada de balas, feliz da vida com o brinquedo que ele mesmo se deu. Um garotinho lhe pediu uma bala. Ele acabou distribuindo-as todas com a criançada. Naquela idade, já demonstrava seu traço de generosidade.

Com o tempo, o menino começou a entender a relação do trabalho com o dinheiro e a do dinheiro
com a aquisição do que bem lhe aprouvesse. Descobriu que nunca tivera bons brinquedos porque era pobre. Desde então, fez questão de trabalhar com afinco, para ganhar mais, mas não renunciou à vida de criança, nem à de estudante. Reservava tempo suficiente para brincar e para estudar.

Dizia sempre à sua mãe que, quando crescesse, queria ser fabricante de brinquedos. O motivo era simples: gostaria de distribuí-los gratuitamente às crianças pobres.

Trabalhou e estudou, ao mesmo tempo, fez faculdade e tornou-se proprietário de uma grande fábrica de brinquedos. Na época do Natal, fazia religiosamente grandes doações às crianças carentes. O restante era vendido no mercado nacional e internacional.

Zequinha hoje, com 50 anos, conhecido como Senhor José, mora em bairro nobre, mas ainda mantém o hábito de frequentar, na periferia, a mesma praça de sua infância, na tarde de 25 de dezembro. Ele o faz não apenas por saudosismo. Observa atentamente os tipos de brinquedos que fazem mais sucesso nas diferentes faixas etárias. Daí surgem ideias para novas criações, em seu ramo de negócio.

O ex-engraxate desceu o morro e subiu na vida. A maior parte de sua fabricação é exportada para diversos países e faz a alegria de milhares de crianças de diferentes idades e etnias.



Jô Drumond

2019

sexta-feira, 29 de novembro de 2019

O SOVERTIDO


Vicentim, cabra honesto e trabalhador, morava com a família na zona rural mineira, próximo a um arraial que nem constava nos mapas. Trabalhava de sol a sol, labutando na agricultura para garantir o sustento da família. Em meados do século XX, não havia eletrificação rural. As fazendas operavam sem nenhum tipo de maquinário. Por conseguinte, careciam de braços fortes e numerosos para a lida diária. Andava cansado de briquitar na lavoura. Não podia contar com a ajuda dos filhos, ainda pequenos. Em épocas de plantio e de colheita, via-se na contingência de contratar mão de obra temporária, o que onerava muito seu ganha-pão.

Soube, por meio de um compadre, que o “negócio da China”, naquele momento, seria a pecuária, devido à alta vertiginosa do preço do gado. Seria investimento garantido e lucro certo. Vicentim vislumbrou a possibilidade de fazer um bom negócio, mas não dispunha de fundos, para começar. Zanzou por algum tempo, de fazenda em fazenda, levantando empréstimos com parentes e conhecidos. Acabou comprando uma pequena boiada, em detrimento da lavoura, relegada a segundo plano, ou a plano algum.

De vez em quando, Vicentim dava-se o direito ao maior de seus deleites: passar horas a fio, à beira do rio, em silêncio, perscrutando os segredos das funduras, à espera de que a isca atraísse peixes graúdos. Eram horas de tranquilidade e de relaxamento total. Esquecia-se das mazelas domésticas, das dificuldades financeiras, das encrencas com os vaqueiros e dos problemas pendentes, que não eram poucos.

O padrão de vida da família melhorava a passos largos, com a pecuária. Os preços do gado atingiram cifras até então inimagináveis. Era o melhor dos mundos possíveis, até que veio a peste e, com ela, a desolação. Grande parte do rebanho teve que ser sacrificada. Mais sacrificados ainda ficaram os pecuaristas, com sérios problemas de caixa. Vicentim encontrava-se encalacrado com seus credores, mas não deixava transparecer sua aflição. Era homem habitualmente sisudo e calado. Sua mulher Don’Ana, ao contrário, era alegre e falante. Envolvida nas lidas domésticas e na criação dos rebentos, dispunha de pouco tempo para elucubrações, mas, mesmo assim, percebeu que seu marido andava cada vez mais circunspecto. Evitava incomodá-lo com questionamentos. Certamente tinha problemas que não lhe diziam respeito. Era esperto e inteligente o bastante para se sair bem em qualquer empreitada.

Certo dia, Vicentim pegou seus apetrechos de pescaria e se dirigiu ao rio, como de costume. Dessa vez, seu retorno estava demorando por demais. Já se fazia tarde. A noite se avizinhava. Don’Ana pediu aos dois filhos maiores que fossem chamá-lo, à beira do rio. Não o encontraram, talvez devido ao lusco-fusco do fim do dia. Don’Ana não se preocupou. Podia ser que tivesse ido tomar umas biritas na venda do Getulão, com algum pescador amigo. Serviu a janta às crianças, ouviu mais um capítulo da radionovela preferida, em um rádio a pilha e, entre dezenove e vinte horas, ouviu o noticiário radiofônico A Voz do Brasil. Vicentim não perdia nunca tal emissão. Sentava-se ao lado do rádio, expulsava para longe as crianças ruidosas e ficava atento a tudo que se passava no País. Naquele dia, ele não chegou a tempo. Don’Ana, sempre encarregada de engambelar as crianças durante a transmissão, para deixá-lo em paz, sentiu falta da rotina e começou a cismar. Teria ele bebido em excesso e se esquecido do noticiário? Seria bem possível. Tratou de colocar os meninos nas respectivas camas, rezou o terço, o rosário, a novena… e nada de Vicentim. Encompridou a reza, apelando para o santo protetor dos pescadores, São Pedro. Nada de Vicentim. Manteria a lamparina acesa até sua chegada. Acabou perdendo o sono. Pegou a lamparina, foi até à despensa, onde ficavam as latas de chimanguinho, broas e pães de queijo. Passou um cafezinho no coador de flanela, fartou-se de quitandas e esperou o pachorrento passar do tempo. Não tinha noção das horas.

O único relógio existente na casa, herança de família, não funcionava, havia anos. A noite parecia não ter fim. Don’Ana acabou cochilando, assentada na banqueta da cozinha, até o amanhecer. Antes que as crianças acordassem, foi até o rio, na esperança de encontrar algum traço do desaparecido. Seus pertences estavam sobre um toco, a rede, a vara de pescar e a caixa de iscas, no chão. Teria ele se afogado? Pouco provável. Sabia nadar. Às vezes, redemoinhos formados dentro d’água sugavam tudo que se encontrasse à superfície. Se ele tivesse sido engolido pelo “redemunho”, não haveria volta. Don’Ana se assentou no toco e começou a matutar: caso ele tivesse resolvido nadar, teria deixado suas roupas à margem. Caso tivesse usado a canoa para pescar, estaria vestido. Isso explicaria a ausência das roupas. A canoa poderia ter sido sugada. No entanto, nesse caso, não teria deixado a rede e a vara e as iscas à margem. Seguindo rio abaixo, encontrou a canoa, presa a um tronco de árvore. Dali foi diretamente ao bar do Getulão, para obter notícias. Todos ainda dormiam. Ousou bater à porta. Foi atendida com um grande bocejo e espreguiçamento, pelo dono da cachaçaria. Vicentim não tinha dado as caras por lá, na noite anterior. Ana voltou para casa, serviu o desjejum aos pimpolhos, pediu a um vaqueiro que ficasse com eles, arreou seu cavalo baio e saiu a campear o marido sumido. Cavalgou de fazenda em fazenda, tentando obter notícias. Esticou algumas léguas até o arraial, sem obter êxito. Marido sovertido. Quem sabe abduzido?

Don’Ana pensou então em outra possibilidade. Poderia ter sido atacado por uma onça. Organizou um mutirão de cavaleiros para vasculhar toda a área, em busca de algum sinal. Caso ele tivesse sido atacado, haveriam de encontrar pedaços de vestimentas ou de corpo, no matagal. A não ser que a onça o tivesse arrastado até seu esconderijo, para alimentar os filhotes. Era por demais doloroso divagar sinistramente em busca de possibilidades cada vez mais tenebrosas. Todos os esforços foram inúteis. As línguas de trapo insinuavam outros caminhos. Talvez ele tivesse se engraçado por uma lourona e se mandado com ela para a cidade ou para os quintos dos infernos. Houve até mesmo quem insinuasse sua partida com outro cabra macho, após ter resolvido, nunca se sabe, “sair do armário”. Don’Ana ouvia os disparates, desolada, sem saber o que fazer. Não entendia nada de negócios. Pediu aos vaqueiros que continuassem a ordenha diária, chamada, por ela de “tiração do leite”, que mantivessem a “fazeção” dos queijos, no horário de sempre, e a apartação dos bezerros, no final do dia. Pediu a um cunhado que assumisse a administração dos peões e do que se fizesse necessário, até a volta do marido.

Com o tempo, as coisas foram se ajeitando, os credores foram se acalmando, as crianças crescendo… e nem sinal de Vicentim. Teria fugido? Isso nunca! Não passaria tanto tempo sem dar notícias, nem sem ver os filhos. Era homem honesto, pai extremoso e marido carinhoso. Com certeza estava morto. Aguardariam os cinco anos de praxe, para oficializar o desaparecimento.

Don’Ana não era de se jogar fora. Mulher sacudida, de fibra, muito bem-apessoada. Alguns pretendentes foram se aproximando, discretamente, com a desculpa de obter notícias ou de oferecer seus préstimos. Ela os recebia com a devida cortesia, mas em momento algum a substituição do marido lhe passava pela cabeça. Caso alguém insistisse, ela faria como a Penélope da história que ouvira contar. Enganaria a todos cosendo e descosendo desculpas esfarrapadas até que o desaparecido aparecesse.

Quinze anos se passaram sem notícias. Certo dia, um compadre do casal teve que ir à capital. Ao chegar à rodoviária, resolveu engraxar as botinas. Havia cinco grandes cadeiras de engraxate, alinhadas. Ocupou uma delas para a devida prestação do serviço. Foi atendido por um rapaz moreno e falante. O engraxate da última cadeira, na extremidade oposta, era muito parecido com Vicentim, mas, diferentemente dele, era bem mais magro, usava cabelos longos, barba e bigodes. Assuntou com o engraxate tagarela e soube que o colega em questão era originário da zona rural e se chamava Vicente. Caso fosse o compadre, escondido atrás da barba e do bigode, evidentemente não queria ser identificado. Antes de sair, aproximou-se discretamente para ouvir a voz do suspeito. Era por demais parecida com a de Vicentim, para não dizer a mesma. Nada disse. Nada fez. Voltou para o interior e expôs o ocorrido aos irmãos do sumido. Por ora, não diriam nada à Don’Ana, nem a ninguém. Iriam à capital, para se certificar, e, se fosse o caso, trazer de volta o fujão, mesmo que fosse a laço. Dito e feito. Três deles embarcaram para a capital e apareceram de surpresa, na rodoviária. Um deles assentou-se na quinta cadeira, diante do suposto irmão desaparecido. Ao vê-lo, Vicente desviou o olhar. Começou a engraxar cabisbaixo, sem mirar o cliente. Os outros dois ficaram de pé, ao lado, a observar. Nada disseram. Vicente não sabia o que fazer. Não tinha certeza de ter sido identificado. Resolveu manter a farsa. Ao terminar, seu irmão lhe disse que não tinha dinheiro trocado e o convidou a acompanhá-lo até à lanchonete, para trocar uma nota de cinquenta reais. Vicente ainda continuava mantendo a esperança de não ter sido reconhecido. Ao se aproximarem da lanchonete, os três o cercaram e acabaram com a farsa. Queriam uma justificativa plausível para tamanho disparate. Como abandonar os pais, a esposa, os filhos, os irmãos, os amigos, uma vida, sem mais nem menos. Vicente se pôs a tremer e, logo após, a chorar. Disse que tinha sido obrigado fugir por estar sendo ameaçado de morte por parte de Miguelão, a quem devia muito dinheiro. O negócio do gado inicialmente ia bem, até a chegada da peste. Com a enorme quantidade de baixas no rebanho, não havia meios de liquidar as dívidas. Teve que fugir para não morrer.

Os quatro se dirigiram a um lugar mais reservado, para prosear à vontade. Primeiramente fizeram o levantamento dos créditos e dos credores. O irmão mais velho sugeriu que a família pagasse as dívidas menores. Quanto à mais vultosa, causadora do transtorno, já havia sido liquidada naturalmente. Com a morte de Miguelão, seus familiares haviam vendido tudo e se mudado para outro Estado. Como dizia um jogador de futebol, “para cada problemática, uma solucionática”.

Outro problema se interpunha. Como justificar sua prolongada ausência? Como teria ele saído da beira do rio e ido parar na capital? Como teria vivido todo esse tempo? Por que não havia feito contato com a família? Confabularam e combinaram então de tapar o sol com a peneira. Esses e demais questionamentos que surgissem seriam computados na conta de uma amnésia temporária. O mistério permaneceria. Ele não se lembraria de nada, até segunda ordem. Quem sabe, um dia, encontrasse alguma desculpa convincente ou tivesse hombridade de recobrar a memória? A farsa deveria ser mantida até mesmo para seus pais, que não mereciam tal desgosto, assim como para Don’Ana, que havia “penelopado”, durante quinze anos, à espera de seu Ulisses.

Mais uma questão a ser resolvida. Como seria seu retorno ao lar? Não poderia aparecer subitamente, do nada. Os três irmãos decidiram preparar o espírito de toda a família e organizar uma festa de recepção, com data e hora marcada, para que Vicentim fosse recebido em grande estilo e, sobretudo, sem perguntas.
Jô Drumond   –  26/outubro/2019


domingo, 24 de novembro de 2019

PARATY PARA TI

                                         RUA DO FOGO
Uma das curiosidades de Paraty (RJ) é a Rua do Fogo. Trata-se de uma das poucas ruas da cidade que preservam o nome original. Antes de existir iluminação elétrica, a cidade de Paraty era totalmente iluminada por tocheiros, espalhados pelas ruas. Em determinada hora da noite, as tochas eram apagadas, com exceção das que iluminavam a Rua do Fogo, frequentada 24 horas por dia. Daí a razão de seu nome. Tratava-se da zona boêmia, ao lado do cais e de uma igreja.
Os marinheiros chegavam sedentos de prazer, após longa estada no mar e encontravam próximo ao porto o refrigério de suas agruras: mulheres belas, perfumadas e sedutoras para uma sessão de chamego e de descarrego da libido em troca de algumas moedas a mais no bolso para o pão cotidiano. Ao sair do meretrício, os pecadores tinham a chance de pedir perdão pelos pecados ali cometidos, na igreja Santa Rita de Cássia, estrategicamente construída junto à zona boêmia. Como sempre, os trocistas dão outra razão para a denominação de Rua do Fogo. Segundo eles, era ali que os marinheiros apagavam seu fogo, após longa abstinência sexual.
Tal rua hoje toda florida é uma das mais charmosas da cidade. Deveria se chamar de Rua das Flores.

Planejamento das ruas em forma de canaletas

As ruas, em pedras brutas, inicialmente abaixo do nível do mar, foram projetadas em forma de canaletas. Como só existia transporte equino, elas ficaram sujas de urina e de estrume de animal. A preamar lavava-as, e as canaletas escoavam a sujeira para o mar. Para atravessar as ruas, eram colocadas pinguelas feitas de largas tábuas ligando um meio-fio ao outro. Próximo ao porto isso ainda acontece. No centro da cidade, para evitar a invasão da maré, o nível da rua foi elevado. Mesmo assim, em muitos locais, há dois degraus à entrada das residências, para evitar inundação durante as altas marés que acontecem, eventualmente, dependendo da posição dos astros.
(foto) Igreja Santa Rita de Cássia – rua com pinguela

O tráfego de automóveis é proibido no centro histórico.

As irregularidades do calçamento obrigam os passantes a um vagaroso caminhar, para evitar quedas, principalmente em época de chuvas, quando as pedras ficam escorregadias. As pedras do calçamento das ruas, vinham de Portugal, como lastro, nos porões dos navios. As pedras brutas eram aqui substituídas por lastro infinitamente mais valioso: ouro e pedras preciosas

Cidade plana com ruas curvas

Paraty não teve crescimento espontâneo, nem caótico como muitas cidadezinhas brasileiras. Foi uma cidade projetada no papel. Como é plana, as ruas deveriam, logicamente, ter sido traçadas em linha reta. No entanto, todas elas são curvas ou parcialmente interrompidas por uma construção, como na segunda foto, de modo que o raio de visão seja curto.
Segundo informações turísticas, recebidas in loco, isso foi propositado, para facilitar a fuga dos moradores, em caso de invasão. Entretanto, há outras explicações para o mesmo fato. Uma delas seria para evitar o vento encanado; outra seria para otimizar a distribuição de sol nas residências; uma terceira opção também plausível do “entortamento” da ruas estaria ligada à maçonaria pelo fato de serem encontrados, em algumas esquinas, os três cunhais de pedra lavrada, que poderiam estar relacionados ao triângulo maçônico.

A marca da Maçonaria em Paraty

Casa com abacaxis e trombetas. Os abacaxis simbolizam o poder (com suas coroas); as trombetas, além de decorativas, serviam para o escoamento de água
Perseguidos na Europa, os maçons começaram a migrar para o Brasil, no século XVIII. No ciclo do ouro, foi fundada uma loja maçônica em Paraty (1833). Como eles                     não eram perseguidos aqui no Brasil, ousavam exibir   seus símbolos nas fachadas das residências. No centro histórico veem-se desenhos com simbologia maçônica nas fachadas, assim como esquinas, como foi dito acima, cunhais em pedra, em forma de triângulo, símbolo importante da maçonaria.
Com o progresso econômico de Paraty, os maçons resolveram demarcar a vila com seus símbolos característicos, para se fazerem reconhecer por confrades vindos de outras partes do mundo. Supõe-se que, por meio da simbologia nas fachadas, o forasteiro iniciado saberia distinguir o grau no morador, em sua confraria. Muitas outras simbologias maçônicas encontram-se na construção das casas, como, por exemplo, no posicionamento das janelas e na estrutura urbana da cidade. A forte referência do número 33, grau máximo da ordem, encontra-se presente na escala das plantas das casas (1:33:33) e na quantidade de quarteirões da cidade.  Antigamente havia o cargo de fiscal de quarteirão. Havia, portanto, 33 fiscais, para 33 quarteirões.
No século XVIII as portas e janelas em Paraty eram pintadas de branco e azul-hortênsia (cor da maçonaria). Pressupõe-se, portanto, que Paraty tenha sido urbanizada por maçons.
Sabe-se que a maçonaria surgiu entre pedreiros que construíam catedrais e igrejas  na Europa, durante a Idade Média. O termo maçon (“pedreiro”, em francês) esteve ligado à arte de construir, até o final de 1600, e influenciou a arquitetura mundial. Com o passar do tempo, houve crescente interesse na área social e beneficente. A ordem passou a receber pessoas ligadas à beneficência, sem nenhuma ligação com a construção. Com isso ampliou-se o leque de atuação da maçonaria moderna, que continua secreta. Sabe-se que ela influenciou fatos históricos e culturais em todo o mundo. No Brasil, teria influenciado na independência do País, na proclamação da República, na abolição da escravatura e até mesmo na criação da bandeira nacional. D. Pedro I era maçom, assim como José Bonifácio, tutor de D. Pedro II.
Paraty histórica
 A cidade Paraty (RJ) começou como simples entreposto comercial na época da colonização. Foi tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico Nacional, em 1958,  e em julho de 2019, foi declarada Patrimônio Histórico da Humanidade, pela Unesco, por sua mescla única de riquezas naturais e históricas.
Paradoxalmente, a falência comercial e o êxodo da população que salvaram a cidade.  O desenvolvimento inicial se deveu, sobretudo, à sua posição estratégica, no fundo da baía da Ilha Grande. Por terra, o Caminho do Ouro da Piedade ligava a vila litorânea às minas de ouro, em Minas Gerais. O porto de Paraty chegou a ser o 2º mais importante do país.
No século XVIII, com a decadência da extração de ouro, Paraty decai comercialmente. No século XIX, com o ciclo do café, a cidade vive dias gloriosos. Todo o café, oriundo do Vale do Paraíba, era transportado pela trilha dos burros na Serra do Mar, e embarcado para a Europa, no porto de Paraty. Além do café, para burlar a proibição do tráfico de escravos, o desembarque de africanos era feito pelo Porto de Paraty.
Em 1870, a construção da linha férrea no Vale do Paraíba (1864), ligando Rio a São Paulo afetou intensamente a atividade econômica da região. Outro fator agravante foi a abolição dos escravos, em 1888. Na época, houve um êxodo em massa da população. Dos 16.000 habitantes, restaram apenas 600, entre eles, velhos, mulheres e crianças.
Com a criação de novas estradas de rodagem entre as cidades maiores, o lugarejo ao qual já era difícil o acesso ficou isolado. As trilhas restantes dos áureos tempos eram intransitáveis em períodos chuvosos. Felizmente, o isolamento de Paraty e sua decadência comercial possibilitaram a preservação da Mata Atlântica, do sistema ecológico, da estrutura arquitetônica da cidade, assim como de seus usos e costumes. Isso acabou gerando o terceiro ciclo comercial, ancorado no turismo.
Com a abertura da BR 101 (Rio/Santos) nos idos de 1980, a cidade recebeu novo impulso, com o turismo. Como atração turística, além da preservação arquitetônica, da beleza da paisagem e das florestas, há 65 ilhas e mais de 300 praias, na região.
Paraty atual
O turismo representa hoje sua grande fonte de renda. Para que a cidade se mantenha movimentada o ano todo, além das festas tradicionais e das festas religiosas, que não são poucas, há uma série de eventos fora de temporada, sendo os mais conhecidos a Flip (Feira Literária Internacional de Paraty) e o Festival da Cachaça ou Festa da Pinga. Festividades diversas agitam a cidade, ao longo do ano, como o festival de Jazz, o festival de cinema, o encontro de ceramistas e o encontro internacional de aquarelistas. Foi este último que me atraiu para a charmosa cidade. No mês de agosto, aquarelistas de todo o Brasil e do exterior afluem para pintar as belezas naturais da região, sob a batuta de grandes mestres do pincel. Passam uma semana desligados da rotina e ligados ao Belo que se apresenta o tempo todo diante de seus olhos, como se pedisse para ser registrado por suas palhetas multicoloridas.
(foto)  Professores do Encontro Internacional de Aquarelistas, em 2019
Jô Drumond - 2019

quinta-feira, 14 de novembro de 2019

Jô Drumond recebe mais um prêmio literário


 AGÊNCIA ANVA

A escritora Jô Drumond, colunista deste portal, acaba de ser agraciada com o prêmio literário “Livraria Asabeça & Bignardi Papéis 2019”, referente ao poema  “Desassossego”.  Jô Drummond e a Scortecci Editora estão convidando para o lançamento da Antologia de Poesias “Asabeça Cabeça que Voa.
Lançamento será no próximo dia 07 de dezembro de 17h às 19h no Espaço Scortecci, na rua Deputado Lacerda Franco, 96, bairro de Pinheiros, São Paulo/SP.

Sobre Jô Drumond

Josina Nunes Drumond – Pós doutora em Literatura Comparada, pela UFMG,Doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP e Mestre em Estudos Literários, pela UFES. É Pós-graduada (latu sensu) em Arte e Cultura Barroca pela Universidade Federal de Ouro Preto e em Literatura de Língua Portuguesa, pela UFES. Tem três graduações: Letras pela UFMG, Lingua, Literatura e Civilização Francesas, pela Université de Nancy (França) e Artes Plásticas pela UFES.
Autora de vários livros, Jô Drumond tem artigos, contos, crônicas, poemas e ensaios publicados em antologias, jornais, revistas de pós graduação, anais de congressos e na internet.
É tradutora juramentada do Estado do Espírito Santo. Membro da diretoria da Academia ES de Letras e da Academia Feminina de Letras do ES. É membro também do Instituto Histórico e Geográfico do espírito Santo, da Academia Feminina Mineira de Letras, do Conselho Estadual de Cultura e do Comitê da Aliança Francesa de Vitória.

PRÊMIO LITERÁRIO

Abaixo, o Poema que deu o prêmio a Jô Drumond
DESASSOSSEGO
Minha ampulheta se esvazia
a verdade se torna vária
minha certeza se enche de dúvidas
meus versos se descompassam
na arritmia do meu coração
Quanto tempo me resta, doutor,
para descobrir o mundo?
Como dissipar meu desassossego?
Prenderei meus anseios dentro do espelho
viajarei na linha sinuosa do horizonte
atravessarei os lindes do imponderável
largarei as amarras do viver
antes que o nada se apodere de meu ser
No leito do rio seco
viceja a saudade
No leito da morte
desponta a eternidade
VISITE O LINK:

sexta-feira, 1 de novembro de 2019

A MULHER NA ÉPOCA DA GUILHOTINA


Pergunta-se por que há mais homens que mulheres nas Letras, na Filosofia e nos demais ramos do conhecimento. A resposta é muito simples. Desde a Antiguidade até o século passado, a mulher não tinha acesso ao ensino formal.  Literatura e Filosofia eram atividades reservadas aos homens. Evidentemente há exceções, pois as famílias abastadas tinham o privilégio de inserir suas filhas no mundo das Letras, por meio de tutores. Algumas delas chegaram a ter certa notoriedade.

No período da Revolução Francesa, no século XVIII, muitas mulheres se insurgiram contra a desigualdade dos sexos. Aquelas que clamavam por seus direitos políticos de cidadãs pagaram um alto preço. Algumas foram poupadas da guilhotina, mas foram parar no manicômio pelo resto da vida, simplesmente por lutarem pela igualdade de direitos entre homens e mulheres, o que era considerado loucura ou histeria.

Naquele período de terror, entre 350 e  400 mulheres foram guilhotinadas. A mais célebre entre elas, que lutou contra a injustiça, a violência e a desigualdade dos sexos, perdeu literalmente a cabeça em nome da liberdade, da igualdade e da fraternidade, segundo o lema da Revolução Francesa. Trata-se de Olympe de Gouges, pseudônimo de Marie Gouze (1748 – 1793). Uma de suas frases mais célebres é a seguinte: “Se a mulher tem o direito de subir ao cadafalso, deve ter também o direito de subir à tribuna.”

Sua prisão se deveu à autoria da peça de teatro, As três urnas, que demandava a realização de um plebiscito para escolher uma das três formas de governo: República Indivisível, Governo Federalista ou Monarquia Constitucional. Suas peças de teatro eram representadas na Comédie Française, teatro conservador apoiado pelo rei.

O que foi alegado pela acusação seria hoje motivo de chacotas: foi acusada de “querer agir
como homem e de esquecer as virtudes próprias a seu sexo”. Por tão pouco foi guilhotinada no dia sete de novembro de 1793. Por por ironia ou zombaria, quis o destino lhe pregar uma peça. De Gouges, que clamava contra a pena de morte, justamente ela, que havia combatido a decisão da subida da rainha ao cadafalso, subiu tragicamente ao mesmo local 18 dias depois de Maria Antonieta. Sua cabeça rolou, mas seus ideais libertários não foram guilhotinados. Pelo contrário, engendraram manifestações que recrudesceram o movimento feminista mundo afora.
Em resposta à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789 ), na qual os direitos da mulher eram excluídos, ela escreveu a Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã (1791).

Considerando que a mulher e o homem deveriam ter igualdade de direitos, ela expõe o esquecimento do projeto revolucionário de incluir as mulheres na Declaração Universal de Direitos. Pretendia que seu texto fosse votado e aprovado na Assembleia Nacional. No entanto, ele foi ignorado pelos políticos. Só ganhou visibilidade mais de um século depois, a partir de 1896, ao ser publicado por Benoîte Groult.

O texto de De Gouges seguiu o mesmo modelo do texto revolucionário, mantendo os dezessete artigos, porém todos eles com modificações, de modo a incluir o sexo feminino. Por exemplo:

Artigo  1: “Os homens nascem e são livres e iguais em direitos...”
                 “A mulher nasce livre e permanece igual ao homem em direitos...”

Artigo  2: “O fim de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e 
                  imprescritíveis do homem...”
                “O  fim de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e
                  imprescritíveis da mulher e do homem...”

Artigo 3: “O princípio de toda soberania reside essencialmente na Nação...”
                “O princípio de toda soberania reside essencialmente na Nação,      
                  que nada mais  é que a reunião da mulher e do homem...”

Artigo 4: “...exercício dos direitos naturais de cada homem não tem por limites senão os que
                 asseguram aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. 
                 Estes limites apenas podem ser determinados pela Lei.”
               “...o exercício dos direitos naturais da mulher só tem limites na tirania perpétua
                que o homem exerce sobre ela. Esses limites devem ser reformados pelas leis
                da natureza e da razão.”

Como na Declaração original, os dezessete Artigos são precedidos de um preâmbulo, com as devidas interferências. Vejamos, por exemplo, o último parágrafo do preâmbulo, com as devidas modificações:

    “Por conseguinte, a ASSEMBLEIA NACIONAL reconhece e declara, na presença e sob        os auspícios do Ser Supremo, os seguintes direitos do Homem e do Cidadão.”

“Por conseguinte, o sexo superior tanto em beleza quanto em coragem, nos sofrimentos maternos, reconhece e declara, na presença e sob os auspícios do Ser supremo, os seguintes direitos da mulher e da cidadã.”


No final, diferentemente da Declaração original, os dezessete Artigos são seguidos de um epílogo de cerca de quatro páginas, conclamando as mulheres a acordarem com o toque do alarme da razão: “Mulheres! Mulheres! Quando deixareis de ser cegas?”

De Gouges reivindicava direitos que até hoje criam polêmicas, tais como o “direito à própria pessoa”, incluindo a autonomia de decisão sobre a gravidez; relações amorosas livres; direito dos filhos, independentemente de que pais provenham, ou seja, dentro e fora do casamento; dissolubilidade do matrimônio, entre outros.

Escreveu também Contrato social, propondo casamento com igualdade de condições para os parceiros. Uma de suas peças de teatro, intitulada A escravidão dos negros, que condenava a injustiça da escravidão e que acusava abusos do antigo e do novo regime, causou grande polêmica.

Para exemplificar sua veemência em prol da causa feminina, encerro estas breves considerações, com um excerto de uma carta de Olympe de Gouges à rainha Maria Antonieta, esposa do rei Luís XVI:

“A senhora nunca será incriminada por trabalhar na restauração dos costumes, por dar ao seu sexo toda a consistência da qual ele é susceptível. Infelizmente, para o novo regime, essa obra não é o trabalho de um dia. Essa revolução só acontecerá quando todas as mulheres tiverem consciência de seus destinos deploráveis e dos direitos que elas perderam na sociedade. Apoie, minha senhora, tão bela causa! Defenda esse sexo infeliz, e em breve a senhora terá a seu favor a metade do reino e pelo menos a terça parte da outra.” (In Rovere, p. 254)

Referência:
ROVERE, Maxime. Arqveofeminismo: mulheres filósofas e filósofos feministas séculos XVII-XVIII. São Paulo: n-1 edições, 2019. 271 p.

domingo, 20 de outubro de 2019

O PODER DA SÁTIRA


Em minhas últimas andanças por Paris, observei que diversas peças teatrais de Molière estavam em cartaz, em quinze diferentes salas de espetáculo. Às vezes, a mesma peça era encenada simultaneamente por diferentes grupos, em diferentes salas. Outras peças do mesmo autor eram encenadas na mesma sala, em diferentes horários. Sabe-se que, em suas farsas e comédias, Molière (1622-1673), o maior dramaturgo cômico do teatro francês, satirizava usos e costumes de sua época e de seu país, no século XVII. Como se explica seu sucesso de público, hoje em dia, em diversos países, com temáticas pretensamente ultrapassadas? 

A meu ver, tais peças nunca serão ultrapassadas por um simples motivo: apesar de todo o avanço científico e tecnológico, no tempo e no espaço, o ser humano quase não muda, em sua essência. Até hoje existem práticas milenares de crendices que já deveriam ter desaparecido da face da terra. As peças encenadas atualmente atacam velhos hábitos a serem corrigidos no século XVII, na França, no reinado de Luís XIV. No entanto, tudo indica que tais hábitos permanecem ainda hoje. Entre eles, a hipocrisia reina absoluta.

Molière acreditava que se podiam educar os homens por meio do teatro. Adotava a divisa Castigat ridendo mores (correção dos costumes pelo riso), do poeta Jean de Santeuil (1630-1697), seu contemporâneo. Em suas peças, Molière ataca os maus hábitos e os vícios de sua época. A sátira seria uma espécie de arma utilizada por ele, para coibir excessos e desvios sociais e/ou individuais.

A título de curiosidade, durante minha estada em Paris, resolvi fazer um levantamento das peças encenadas atualmente, com o intuito de detectar que tipo de sátira daquela época atinge nossos contemporâneos e provoca neles o riso fragoroso. São elas:


L’Avare (O Avarento) Tema: avareza.

Subtemas: burguesia / tirania paterna / casamento de conveniência / burguesia.

Tartuffe (Tartufo, O Impostor) Tema: a hipocrisia moral e religiosa.

Subtemas: ingenuidade dos devotos / falsa devoção / ambiguidade do cristianismo / tirania paterna.

Le Bourgeois Gentilhomme (O Burguês Fidalgo) Tema: presunção do parecer em detrimento do Ser (um burguês que se faz passar por fidalgo).

Subtemas: a falsidade nas relações sociais, o poder das bajulações / o poder do dinheiro / o novo-rico / avidez por títulos e honrarias / crítica à nobreza / crítica à ignorância dos burgueses. Obs. A peça foi concebida na época da queda da aristocracia e da ascensão da burguesia.

Les Fourberies de Scapin (As Artimanhas de Scapino) Tema: a inversão de valores sociais.

Subtemas: crítica aos casamentos por interesse, em detrimento do amor/ crítica à hierarquia social.

Don Juan. Tema: o sedutor implacável, que despreza a vítima tão logo ela é seduzida.

Subtemas: burguesia / médicos / hipocrisia / gosto pela ostentação /falsa moral cristã / superstição / caráter indissolúvel do casamento.

Le Malade Imaginaire (O Doente Imaginário) Tema: a hipocondria (da qual o mundo ainda está repleto, sobretudo em cidadãos da terceira idade).

Subtemas: burguesia / medicina/ tirania paterna / egoísmo.

Le Misanthrope (O Misantropo) Tema : hipocrisia.

Subtemas:: falta de sinceridade nas relações sociais e afetivas.

Le Médecin Malgré Lui (Médico à Força) : Tema : crítica aos médicos e ao charlatanismo.

Subtemas: crítica aos amores contrariados dos jovens, devido à tirania paterna.




















Pode-se observar, em quase todas as peças em cartaz, a reincidência da sátira à hipócrisia, à tirania paterna, aos casamentos de conveniência e à burguesia.

Muitos estudiosos da teoria do riso, como Henri Bergson (1859-1941), concordam com a função social da sátira e com o efeito catártico do teatro, mas há também quem os conteste.

René Bray (1896-1954), por exemplo, acredita que o mundo da comicidade tem como único objetivo provocar o riso. Segundo ele, o avarento que assiste à peça L’Avare, rirá muito do personagem Harpagon, mas não deixará de ser sovina, ao chegar a casa.

O teórico do riso, Vladimir Propp (1895-1970) sustenta um meio termo. Em sua opinião, a sátira tenta ajudar a superar certos desvios sociais, mas nem sempre consegue corrigi-los. Alega que um alcoólatra não sairá curado após ter assistido a uma comédia contra o alcoolismo. Pode, talvez, sair mais conscientizado dos riscos a que está exposto.

Concordo com Propp. A meu ver, o sucesso atual das peças citadas indica que a assertiva de Santeuil, Castigat ridendo mores, do século XVII, era duvidosa. Se os mesmos vícios e maus costumes perduram até os dias de hoje, a sátira não cumpriu sua missão de corrigi-los. por meio da derrisão.

Concluindo, Molière não escrevia para a posteridade, mas para seus contemporâneos, mais especificamente, como já foi dito, para os que viviam na Corte de Louis XIV. Mesmo assim, ou por causa disso, suas comédias e farsas sempre tiveram e ainda têm grande aceitação, até nossos dias, mundo afora. Presume-se que isso aconteça porque, em qualquer tempo e em qualquer lugar, o ser humano continua o mesmo, com seus medos, suas crendices, seus ciúmes, suas traições, suas paixões, seus vícios, suas virtudes, suas venturas fugazes... e sobretudo porque se compraz em rir de suas próprias desventuras.

Destarte, ao se falar do torrão natal, qualquer que seja, fala-se, por conseguinte, do mundo e do ser humano em geral. Tostói (1828-1910) tinha razão ao afirmar : « Se queres ser universal, escreve sobre tua aldeia.

sábado, 5 de outubro de 2019

SOMOS APENAS PASSANTES


Uma “soirée” inesquecível, na Biblioteca Pública Estadual de Vitória, reuniu recentemente muita gente elegante, inteligente e estudiosa, em comemoração aos 70 anos da AFESL (Academia Feminina Espírito-Santense de Letras). Houve homenagens, entrega de medalhas, declamação de poemas, boa música, e um coquetel de confraternização que alimentou mais a alma que o corpo.

O encontro festivo das imortais me remeteu a reflexões sobre efemeridade e a finitude da existência humana. Dentro de uma década, na festa dos 80 anos, certamente algumas nós não estarão mais aqui. Talvez eu seja uma delas. Com certeza, na festa dos cem anos, quase todas as quarenta cadeiras terão com novas ocupantes, que darão continuidade ao nosso labor literário. Não sei se isso me deixa alegre, pelo fato de existir, ou triste, pelo fato de ter que partir.

Não há como lutar contra as leis da natureza. Somos apenas passantes. No entanto insistimos em deixar nossos traços, por meio da escrita. Trata-se, de certa forma, de uma doce vingança contra a inexorabilidade da morte. Nossos escritos permanecerão mais tempo que nós, mas eles também terão sua finitude. Tudo depende das condições atmosféricas. Estas dependem do sistema solar. O Sol, como toda estrela, um dia se apagará, apagando juntamente com ele nossos sonhos e nossos traços.

Jô Drumond – 2019

Ocupante da cadeira nº 10

domingo, 15 de setembro de 2019

BODAS DE QUÊ?

Nos rincões do Brasil profundo, no início do século XX, os pais escolhiam os cônjuges para os filhos, com o intuito de preservar ou de aumentar o latifúndio.

Certo dia, o pai de Isabel lhe fez uma baita surpresa. Habitualmente, ele recebia seus amigos na sala de visitas da fazenda, espaço não frequentado pelas mulheres da casa, a não ser em momentos especiais. Isso raramente acontecia. Lugar de mulher era na cozinha, ou no quarto de costura. Em um enevoado domingo de inverno, recebeu a visita de um rico viúvo quarentão, para uma boa prosa. Sua filha, que acabara de completar dezoito anos, foi intimada a se apresentar na sala de visitas. Aproximou-se com muita timidez, toda vexada, sem saber o que dizer. Cumprimentou o desconhecido com muito acanho. Sem mais tardança, seu pai lhe disse. – Minha filha, esse aqui é meu amigo Vicente. Você vai se casar com ele dentro de alguns dias. Já estamos providenciando a papelada e a cerimônia. Isabel ficou atônita, sem saber o que dizer. Nada disse. Voltou para seu quarto e se pôs a chorar. Não queria se casar com aquele velho feio e repulsivo. Preferia morrer.

Apelou pela complacência da mãe. A pretensa noiva não sabia que a ideia do casório havia partido justamente de sua mãe. Naquela época, os filhos deviam obediência aos pais, mesmo que estes estivessem totalmente errados. Mesmo assim, Isabel pediu, insistiu, implorou para cancelarem o compromisso, em vão. A única opção seria rezar e pedir ao bom Deus que os fizesse mudar de opinião. Diante do oratório, em seu quarto, rezou, rezou, rezou até calejar os joelhos. A data se aproximava. Os preparativos se intensificavam pari passu com sua agonia. Isabel chegou à conclusão que seria inútil rezar. Certamente, a divindade estava de conluio com seus pais. A única solução seria fugir. Mas para onde? Não dispunha de dinheiro, de transporte, nem de meios para se auto sustentar. Talvez fosse melhor desistir da resistência e deixar o barco correr, ao gosto da família. Mas, algo lhe dizia que deveria haver alguma maneira de escapar. Foi então que surgiu a ideia de “desexistir”. Se não existisse noiva, não haveria cerimônia, nem suplício nupcial. Procurou pelo revólver de seu pai. Deveria estar bem escondido. Onde poderia estar? Certamente na alcova do casal, onde ninguém entrava, além da arrumadeira. Esperou que todos saíssem e começou a vasculhar os recônditos do cômodo. Nada encontrou. Talvez estivesse na biblioteca. Seria tarefa difícil. Começou a procurar atrás dos livros, nas prateleiras mais baixas, em seguida nas médias. Tarefa árdua e demorada. Aguardou o domingo, dia de missa no povoado mais próximo. Todos estariam na igreja. Na hora de sair para a missa, alegou um mal-estar súbito, e pediu que a deixassem em casa. Teria tempo de sobra para a caça ao tesouro. Esperou que se distanciassem, armou uma escada para vasculhar as prateleiras mais altas. Finalmente encontrou o que queria. Seria jogo rápido. Tiro e queda, literalmente. Encostou o cano na têmpora direita e puxou o gatilho. Nada aconteceu. Estava sem munição. Que serventia poderia ter um revólver sem bala? Nenhuma. Haveria de encontrar a munição em algum lugar. Começou a revirar gavetas e armários na esperança de resolver logo a questão. Aconteceu, porém, um imprevisto. Seus pais, preocupados com o mal-estar alegado, resolveram voltar mais cedo. Encontraram a arma sobre uma mesa e a casa toda revirada. Perceberam a gravidade da situação, mas nada disseram. Esconderam o revólver em outro lugar de difícil acesso e enterraram as balas, dentro de uma caixinha envolvida por um plástico, para futura exumação. Em vez de ameaçar ou aconselhar, optaram por se calar, vigiar os passos da filha e abreviar as bodas.

No dia da cerimônia, Isabel nada fez. Comportou-se como autista. Nada lhe dizia respeito. Banharam-na, vestiram-na, contrataram cabelereiro, maquiador... ela se mantinha impassível. Todos estranharam sua atitude, mas pensaram que fosse nervosismo. Afinal, entrar vestida de noiva em uma igreja repleta de curiosos carece de sangue frio. Isabel se apresentou elegantemente trajada, de braços dados com o pai, absorta, olhando para o vazio, ou para dentro de si, longe de tudo e de todos.

Casou-se a contragosto com um sapo que jamais se tornaria príncipe. Com certeza, seria infeliz para sempre, como em um conto de fadas às avessas. Após o casamento, ela se deixou levar, como um barco à deriva, num mutismo desconcertante. O marido não se importava. Pelo contrário. A seu ver, mulher boa é mulher muda. Pelo menos ela não o aperrearia com conversa inútil, como a falecida. O importante seria fechar a boca e abrir as pernas. Entre as pernas estaria a fonte do prazer, e da descendência que tanto ansiava. Queria muitos herdeiros varões de boa procedência genética e social para cuidar de seus bens. Para isso Isabel teria alguma serventia. Era boa parideira.

Vicente vivia viajando para comercializar suas pedras. Era capangueiro, ou seja, intermediava a venda de diamantes entre garimpeiros e compradores, sendo estes quase todos estrangeiros. Cada viagem de ida e volta, a cavalo, à capital do País, Rio de Janeiro, durava meses. De lá, algumas vezes, embarcava num navio, para vender pedras no exterior. Isabel não acreditava nem desacreditava nessas longas viagens, mas, não se interessava pela verdade. Quanto mais tempo ele se ausentasse, melhor. Sua presença na fazenda era mal-vinda e incômoda.

Ele não dava a mínima atenção aos filhos. Durante suas curtas temporadas com a família, gostava de frequentar a casa de tolerância de Dona Fulô, na currutela mais próxima. Era um sobrado antigo, onde as mulheres toleravam tudo por algumas patacas, sem exigir nada, sem reclamar. Pelo contrário, faziam tudo para agradar. Tão logo os filhos varões chegavam à adolescência, ele os arrastava consigo ao prostíbulo, para testar a macheza da família.

No garimpo de diamantes mais próximo, Vicente mantinha algumas catas, às suas expensas. Catas são quadrados de barrancos, onde os garimpeiros cavam, separam o cascalho e o lavam, de olho no brilho ofuscante de alguma pedra preciosa entre tantas ordinárias. Às vezes Vicente esbarrava na sorte grande. Como se diz na região, bamburrava no garimpo. Embatumava os bolsos de diamantes e sumia por uns tempos, alegando “ossos do ofício”. Voltava eventualmente à fazenda, fazia um filho em Isabel, sua procriadora escolhida, e sovertia novamente no mundão de Deus. Ao voltar, muitas vezes, o filho já havia nascido. Sem perda de tempo, encomendava outro e sumia novamente. Isso aconteceu em toda a vida fértil de Isabel, o que lhe rendeu uma reca de filhos.

Criou a chusma de rebentos como podia, à sua maneira, com funções simultâneas de pai e mãe. Não tinha tempo nem mesmo para ser infeliz. Isso era bom. Briquitava o dia todo na administração da fazenda e da família. Dinheiro não lhe faltava. O marido era bom provedor. Poderia contratar quantas ajudantes quisesse, mas não queria. À noite, caía na cama extenuada pelo fim de mais uma jornada. Tinha que ocupar todo o tempo. “Cabeça vazia, oficina do diabo”. O ócio seria perigoso. Poderia botar minhocas em sua cabeça. Isabel não podia se dar o luxo de morrer antes da hora. Não podia tampouco bater asas. A ideia de evasão a perseguia. Imaginava-se ganhando o mundo, sem peias. Cultivava esse sonho, mas ao mesmo tempo o repudiava. Os filhos tinham um pai ausente. Não poderia abandoná-los ao Deus dará.

Entrava ano, saía ano, e a vida chocha de Isabel permanecia a mesma. Labutava sem cessar, sem direito a festas e diversões. Como fora criada para a função de mãe de família, cumpria-a cristãmente, mas não docilmente. Achava um desaforo aquele descalabro de vida a ela imposto. Gostaria de ter ido para a cidade, de ter frequentado a sociedade urbana, de ter obtido algum diploma, quem sabe, de ter tido uma profissão fora do lar. Sonhos, sonhos e mais sonhos, todos inatingíveis. Mesmo assim, continuava a sonhar. O tempo se arrastava inzoneiro e sem tempero, cada vez mais pachorrento. Isabel, escabreada, cumpria o papel que lhe fora concedido no teatro da vida. Fazer o quê? Nada! Nadica de nada!

Os filhos tinham pouco contato com o pai. Cresceram habituados a seu constante absentismo. Sobrava-lhes dinheiro, mas falava-lhes carinho. Vicente acreditava que o bom pai é aquele que não deixa faltar nada à mesa da família. Essa história de carinho é coisa de mulherzinha. Homem que é macho tem que ser forte e destemido. Por isso, Isabel evitava acariciar os filhos na presença do marido.

Décadas após, os filhos, já adultos e esparrodados pelo mundo, resolveram se reunir para comemorar as bodas de ouro dos pais. Ao saber da preparação das bodas, Isabel deu a grande guinada, totalmente inesperada pela família, no timão da rotina.

– Comemorar o quê? Não há nada a comemorar. Vou me separar desse homem. Não quero vê-lo nunca mais.

Todos ficaram atônitos. Ninguém conseguiu dissuadi-la do intento. O fato é que ninguém tinha conhecimento do que se passava em seu íntimo. Carregava dentro de si toneladas de mágoas, de desgostos, de ultrajes e tristezas, tudo somado ao abandono e multiplicado pela solidão.

Ela lamentava ter fraquejado quando jovem. Deveria ter feito isso antes do casamento. Juntou suas trouxas e botou o pé na estrada. Como se sentia vilipendiada! Uma vida inteira desperdiçada! Estava envelhecida. Seria inútil tentar recuperar o tempo perdido. O tempo não tem volta ¬ matutava ¬. Mas podia mudar o pouco que lhe restava, dali para a frente. Isso sim!

Foi parar, a pé, na fazenda de um parente a poucas léguas dali. A partir de então, ficava de casa em casa, passando temporadas com os filhos e com os parentes mais próximos. Nunca mais quis ver o marido e nunca mais pronunciou seu nome. Passou a nominá-lo de “aquela criatura”. Ao saber que porventura ele iria aparecer onde estava hospedada, chispava dali imediatamente.

Certo dia, em conversa com uma de suas netas, comentou:

¬ Acho que o que “aquela criatura” já fez foi morrer, minha menina.

¬ Não vovó, ele ainda está bem vivo, embora meio caduco. Conte-me! Como vocês se conheceram?

¬ Não vale a pena. São águas passadas. Muito tempo já se foi!

¬ Onde vocês passaram a lua de mel?

¬ Lua de fel, é o que lhe digo. Não houve mel.

¬ Mas vovó, conte-me! Com foi sua primeira noite?

¬ Ah! Minha neta! Nem te conto! Foi aquela desumanidade!

¬ Você não sentia nada por ele?

¬ Sim. Claro que sentia! Enojamento, ojeriza, repugnância, antipatia, aversão... posso continuar?

¬ Não! Está de bom tamanho. Ele já está devidamente desqualificado. Não precisa gastar toda a carga semântica negativa dos adjetivos existentes. Podemos resumir todos eles em apenas dois: desrespeito e desamor.

¬ É verdade. E minha vida inteira pode se resumir em uma só palavra: “desvida”.

Jô Drumond

sábado, 31 de agosto de 2019

PROCISSÃO MARÍTIMA



Desde que vim morar na Ilha de Vitória, encantei-me com o visual da procissão marítima, no dia de São Pedro*. Uma miríade de barcos decorados com bandeirinhas, flores, peixes e outros ornamentos multicoloridos enfeitam a baía de Vitória. Um espetáculo lindo de se ver no dia dedicado ao santo protetor dos pescadores. A festa em Vitória é celebrada, em grande estilo, há quase um século. Ela engloba programações gastronômicas, culturais e musicais. O cortejo terrestre é feito logo após a missa das oito da manhã, na paróquia de São Pedro. A procissão vai do templo até à Capitania dos Portos, onde começa a procissão marítima, às dez horas, no Píer dos Pescadores. À frente do cortejo, segue uma embarcação com capacidade para 30 pessoas, entre as quais padres sacristãos e coroinhas devidamente paramentados, levando uma imagem do padroeiro.
A procissão marítima é acompanhada também, em terra, pela população, que se posta na avenida Beira-mar para apreciar o cortejo. As embarcações com decorações mais originais e criativas podem ser premiadas pela Prefeitura da cidade. Isso faz com que a procissão fique mais bonita e colorida. Ela se inicia com grande queima de fogos, que acompanha esporadicamente o percurso, e termina com outra grande queima, na Praça do Papa, onde acontece o ponto alto do evento, junto à Cruz: a Bênção dos Anzóis. Nesse momento, é abençoado o anzol do mais antigo pescador de Vitória.
Como sempre acontece em quase todas as festividades religiosas, o sacro e o profano andam pari passu.  Após a devoção, a diversão. Em terra, feira gastronômica, música e entretenimentos. No mar, diversas embarcações alongam a festividade durante todo o dia.
Ancoramos nossa embarcação em águas mansas, próximo à Ilha do Frade, diante de um visual esplendoroso, com direito a mergulhos, churrasco e pôr do sol. Uma inesquecível jornada familiar de confraternização entre avós, filhos e netos, festejando a vida com boa música, dança e muita alegria.
*São Pedro
Seu nome original era Simão ou Simeão, foi pescador, assim como seu pai Jonas e seu irmão, o apóstolo André. Conheceu Jesus, por intermédio de André, graças a uma indicação de João Batista. Desde o primeiro dia foi nomeado Pedro (kepha = pedra em aramaico) pelo Mestre. Acabou se tornando um dos discípulos mais íntimos. Sua liderança carismática se acentuou, após a morte de Jesus. Em seu primeiro sermão, no dia de Pentecostes, conseguiu fazer com que cerca de três mil pessoas recebessem o batismo. Seu trabalho missionário era itinerante. Acabou preso e encaminhado a Roma, onde fundou e presidiu uma comunidade cristã, motivo pelo qual acabou crucificado, por ordem de Nero. Fato interessante é que foi crucificado de cabeça para baixo, em atenção a um pedido seu. Não se sentia digno de ser crucificado na mesma posição de seu Mestre.