Uma das maiores tresloucuras de meu amigo Carlos
foi um casamento, às pressas, com certa moça que acabara de conhecer. Eram
praticamente homônimos: Carlos e Carla. O fato é que, pouco antes de
conhecê-la, ele havia perdido sua noiva Lívia, num acidente aéreo.
Logo após a viuvez pré-nupcial, foi convidado a
trabalhar como engenheiro, no exterior, durante dois anos. A grande firma na
qual trabalhava sugeriu-lhe uma estada na Noruega. Carlos não gostaria de ir
sozinho, sobretudo a um país cujo idioma desconhecia. Estava indeciso em aceitar
a oferta. Sentia-se desarvorado e solitário. Aonde quer que fosse, levaria
consigo o luto e a tristeza da perda da amada.
Certa noite,
em conversa de botequim com uma bela loura que acabara de conhecer, soube que
ela tinha muita vontade de conhecer a Noruega, terra de seus ancestrais. Mais
que depressa, Carlos lhe propôs que partissem juntos. Ele teria, ao seu lado,
uma bela mulher para lhe fazer companhia e afugentar a tristeza que o rondava
noite e dia. Para sua surpresa, ela aceitou de bom grado. Disse que pediria
licença não remunerada no trabalho. Desde então começaram a se ver com
frequência, para os planos da longa viagem. Ele confirmou sua ida, junto à
empresa. O entusiasmo foi crescendo a cada dia. Subitamente, surgiu um
empecilho. A moça era oriunda de família tradicional e de moral ilibada. Sua
solteirice não lhe permitia viajar acompanhada por alguém do sexo masculino.
Ele não contava com isso. Queria apenas uma acompanhante, mas acabou cedendo. O
tempo urgia. Mais que depressa, providenciou-se o enlace matrimonial. Carla
adorava viagens internacionais e falava diversas línguas. Como se diz
popularmente, foi como se tivessem “jogado um peixe dentro d’água”.
Findo o trabalho no exterior, voltaram ao Brasil e
tiveram um filho de nome Raul. Após a licença maternidade, contrataram uma
babá, filha de imigrantes alemães. A moça era de uma beleza estonteante.
Esguia, longos cabelos com nuances de louro natural, olhos verdes, sorriso
aberto, mais belo que os de publicidade de creme dental. Nos finais de semana,
os dois iam à praia ou ao clube, juntamente com outros casais de amigos,
levando consigo a bela babá, para correr atrás de Raulzinho, entre os
veranistas. As esposas usavam maiôs ou biquínis bem comportados, enquanto a
loura deslumbrante usava um minúsculo biquini fio dental. Corpo perfeito.
Nenhum milímetro a mais, nem a menos. Protótipo da perfeição. Motivo de inveja
das senhoras, que a olhavam de soslaio, com ares de contragosto, e motivo de
cobiça de todos os maridos presentes, cujos olhares convergiam na mesma
direção. Eles não se cansavam de sussurrar uns aos outros menções aos atributos
daquela belezura. As esposas, enciumadas, alertavam Carla, ou melhor
recriminavam-na por manter dentro de casa aquele “pedaço de mau caminho”.
Segundo elas, ser-lhe-ia difícil manter o casamento. Carla sorria
tranquilamente e dizia que aquilo não a preocupava absolutamente. As opiniões
das demais a respeito de sua postura eram contraditórias. Dir-se-ia que ela
acreditava piamente na fidelidade do marido, ou, então, que era uma ingênua
panaca.
Demonstrando total segurança de si e da situação,
Carla passou a viajar frequentemente a trabalho, deixando o marido à mercê do natural fascínio
despertado pela lindeza da jovem contratada, assediada discretamente no dia a
dia e abertamente, na ausência da esposa. A babá fazia-se de difícil, mas
esmerava-se nas artimanhas da sedução. Carlos, já cinquentão, em plena “fase do
lobo”, sentia-se seguro de seu poder de sedução. Não lhe passou pela cabeça o
motivo pelo qual uma linda jovem aceitaria a corte de um cinquentão careca,
barrigudo, assalariado e casado. Nem rico era! “Esmola demais, o santo
desconfia” diz o ditado popular. Mas Carlos não desconfiava. Durante uma das
viagens de Carla, a jovem recebeu do patrão oferta de casa montada, mesa farta
e vida ociosa, desde que se amasiassem. Mantendo seu sorriso angelical, ficou
de pensar na proposta, deixando-o esperançoso. Com a chegada de Carla, armou-se
o circo. A babá relatou-lhe o ocorrido, apimentando, com floreios enfáticos, a
proposta indecorosa do marido infiel. Mais que depressa, Carla pediu o
divórcio, não sem antes ameaçar contar o ocorrido a toda a família, aos amigos
e aos colegas de trabalho. Carlos se sentiu desnorteado. Apesar de ser comum
esse tipo de traição, em sociedade falocrata, ele não queria quem ninguém
soubesse o motivo da separação, sobretudo sua família. Achava que tal deslize
seria por demais desonroso para si. Abriria mão do que se fizesse necessário,
para que o motivo da ruptura fosse resguardado.
No momento da partilha, ele não reivindicou seus
direitos; simplesmente se deixou levar, arrasado. Se reclamasse, ela poderia
abrir o bico. Melhor não arriscar. Sem condições morais de exigir o que quer
que fosse, nada demandou. Carla, dona da situação, fez questão de ficar com os
bens móveis e imóveis, com uma pensão alimentícia e com a guarda do filho.
Deixou-o à beira do cais, de mãos vazias, a ver navios. Tanto no trabalho
quanto nos bares da vida, questionado pelos amigos sobre o divórcio, ele fazia questão
de aparentar total indiferença ao que lhe havia acontecido. Alegava que
recomeçaria do zero, sem problemas: Outra moradia, outra mulher, outros
filhos... vida nova!
O interessante é que, em momento algum, ele atinou
para o fato de que a babá pudesse estar de conluio com a patroa. Carlos não
tinha distanciamento crítico para conjecturas dessa sorte. A arapuca estava
armada e, dentro dela, a excelsa loura, com meneios e astúcia. Isso explicava
as constantes viagens da patroa. Ela lançava a isca e partia. A artimanha deu
certo. O desinfeliz caiu na arapuca e pagou o pato. Ele só soube da trama entre patroa e
empregada, dez anos depois, por meio de uma colega de trabalho, cuja doméstica
era prima e muito amiga da babá traiçoeira. Tarde demais para retaliações.
Jô Drumond -
Julho 2020