terça-feira, 16 de julho de 2013

A VISITA DO PAPA E A MIGRAÇÃO RELIGIOSA

Jô Drumond
A vinda do sumo pontífice em julho de 2013 ao Brasil deverá redespertar a fé nos católicos relapsos e incrementar princípios religiosos na promissora juventude engajada nas Comunidades Eclesiais de Base (CEB). Ultimamente houve um significativo aumento de CEBs e, por conseguinte, uma efetiva prestação de serviços comunitários junto à população carente. Espera-se muito do recém-ungido Francisco, que se autodenomina “O papa do fim do mundo”. Ele se mostra mais aberto que seus antecessores em face de assuntos polêmicos. Para arrebanhar ovelhas desgarradas, terá que agir com muita diplomacia na abordagem de temas delicados tais como pedofilia dentro do clero, celibato clerical, ordenação feminina, união homo afetiva, contracepção, entre outros.
Segundo o IBGE, entre 2000 e 2010, dois milhões e meio de jovens dissidentes da igreja católica, migraram para igrejas evangélicas ou deixaram de ter religião. Segundo pesquisa de mobilidade religiosa feita pelo Centro de Estatística Religiosa e Investigações Sociais (Ceris), e publicada pela revista Veja (ano 39 nº 27), nas últimas décadas, a Igreja Católica brasileira vem perdendo milhões de fieis. A grande migração do catolicismo para o protestantismo é assaz intrigante.  Segundo consta, as igrejas pentecostais e neopentecostais cujo objetivo é o de encontrar a felicidade aqui e agora foram incrementadas pelos novos líderes evangélicos com técnicas de autoajuda. Conforme estudo feito pela Fundação Getúlio Vargas, em poucos anos, milhões de brasileiros aderiram a essas correntes evangélicas, que representam hoje o grupo que mais cresce no Brasil.
Papa Francisco
Para cada ramificação há um diferente perfil de pastor. Nas diversas correntes, o tempo de preparo do pastor está inversamente proporcional ao volume de ovelhas arrebanhadas. Isso é deveras preocupante. A título de comparação, na Igreja Católica, a formação de um padre inclui, pelo menos, dois diplomas de graduação: um em teologia e outro na área de ciências humanas, num processo demorado, de cerca de 10 anos.
Dados extraídos da matéria intitulada “Os novos pastores” mostram que entre os evangélicos históricos, originários da reforma seiscentista, (Igreja luterana, presbiteriana, metodista e batista) a formação de um pastor dura, no mínimo, cerca de 5 anos. Além da graduação em teologia, o aspirante passa por um estágio preparatório de um ano, sob a supervisão de um ministro. Há, nessas igrejas, grande incidência de pastores com Mestrado e Doutorado.
 Nas correntes pentecostais, surgidas no século passado (Assembleia de Deus, Congregação Cristã no Brasil e Deus é Amor), a formação dura cerca de 3 ou 4 anos; os pastores têm curso de teologia, mas não necessariamente de nível superior.
Já nas correntes que mais crescem atualmente, as neopentecostais, surgidas em 1970  (Universal do Reino de Deus, Renascer em Cristo, Internacional da Graça de Deus e Sara Nossa Terra), a formação dura de 6 meses a 2 anos. Ela pode ser feita por meio de cursos práticos, ministrados na própria igreja, voltados para a mídia eletrônica. Esses cursos dão primazia à oratória, a técnicas de apresentação em rádio e televisão, ao gerenciamento financeiro de templos, à liderança e até mesmo à etiqueta. O grande crescimento do rebanho exige rapidez na formação dos pastores e ocasiona um sério problema. Há igrejas que se veem na contingência de agilizar o processo e, por conseguinte, de reduzir o tempo na preparação de novos líderes.
Segundo consta, atualmente, certos fatores, como o sucesso da doutrina, as facilidades de comunicação com os fiéis e a eficiência na gestão das igrejas favorecem tais migrações.   O discurso atual de muitas igrejas é mais voltado para o pragmatismo, para o racionalismo e para a pró-atividade do fiel, do que para o sobrenatural. Isso talvez explique a evasão daqueles que optam por algo mais em sintonia com os novos tempos. Destarte, conclui-se que, postulações retrógradas, quaisquer que sejam, prognosticam o esvaziamento progressivo dos templos. Com o engajamento social do novo papado, espera-se que novos ares mudem o rumo dessas estatísticas.

Jô Drumond
(Josina Nunes Drumond)

Membro de 3 Academias de Letras (AFEMIL, AEL, AFESL) e do Instituto Histórico (IHGES)

terça-feira, 9 de julho de 2013

14 DE JULHO E A VOZ DO POVO

(14 de julho de 1789: o fato histórico na França e as atuais manifestações no Brasil) 
Jô Drumond
  Nos quatro cantos do França comemora-se a queda da Bastilha, na data de 14 de julho. Tal feriado nacional para os franceses corresponde ao nosso sete de setembro, mas não se trata apenas de um evento cívico, com tradicionais desfiles escolares e militares. Quatorze de julho é dia de festa genuinamente popular. Todos saem às ruas para se divertir com folguedos, música e muita dança nas praças públicas de todas as cidades do país.
A queda da antiga prisão política chamada 
Bastille, uma fortaleza plantada no coração de Paris (símbolo da arbitrariedade), é mais que um acontecimento histórico: é um fato simbólico. Representa a abolição da onipotência real.
O clero e a nobreza tiveram que se juntar ao Terceiro Estado, que lutava para limitar os poderes do rei Luís XVI e para consolidar uma Constituição. A população em geral encontrava-se insatisfeita com o poder dominante, devido à crise profundamente marcada pela fome, pela miséria, pela dificuldade de abastecimento, pela estagnação industrial e pelo desemprego. Por isso, a nova classe ascendente e revolucionária, a burguesia, encontrou campo fértil para inflamar as multidões. Com a pretensão de derrubar o absolutismo e o regime feudal, os revolucionários mantinham-se vigilantes contra a ameaça de complô da aristocracia. Nas semanas que se seguiram à queda da Bastilha, cidades e aldeias do interior se armaram, tomadas pelo medo de uma repressão em massa, da parte dos aristocratas. Castelos foram atacados. Documentos, nos quais estavam inscritos os direitos feudais, foram queimados. Conseguiu-se assim que a Assembleia Nacional proclamasse solenemente a abolição oficial do feudalismo, em 04 de agosto. Duas semanas depois, foi votada a Déclaration des Droits de l’Homme et du citoyen (Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão), contendo as bases do novo regime, em 17 artigos. Constituições de diversos países, inclusive a brasileira, se baseiam nesse texto aprovado em 26 de agosto de 1789. O artigo XI é um alerta contra a censura aos meios de comunicação e, por conseguinte, contra a criação de todo e qualquer mecanismo que possa calar a voz do povo. “A livre comunicação do pensamento e das opiniões é um dos direitos mais preciosos do homem; todo cidadão pode, portanto falar, escrever, imprimir livremente, desde que não haja abuso dessa liberdade, nos casos determinados pela lei.” Nos conturbados tempos atuais, em que manifestações públicas pipocam por todo o Brasil, vale lembrar ainda dois artigos que se aplicam ao momento atual. Artigo XV: “A sociedade tem o direito de solicitar a prestação de contas a todo agente público de sua administração”. Artigo XII: “A garantia dos direitos do homem e do cidadão necessita de uma força pública; esta força é, portanto para o bem de todos e não para a utilidade particular daqueles a quem ela é confiada”. 
Jô Drumond 
Membro de 3 Academias de Letras (AFEMIL, AEL e AFESL) 
Membro do Inst. Hist. e Geográfico do ES (IHGES)

quarta-feira, 3 de julho de 2013

AS EXÉQUIAS DE MICHAEL JACKSON (UM ESPETÁCULO NEOBARROCO)


Drumond

O mundo todo teve a oportunidade de acompanhar pela televisão, na tarde de 07 de julho de 2009, as exéquias do maior ídolo pop da contemporaneidade. Michael Jackson, o compositor e cantor mais performático de todos os tempos, criou, na década de 80, o moonwalk, um estilo próprio e inconfundível de dançar, inspirando-se no break (dança de rua). Seu visual excêntrico, com brilhantes e ouro na indumentária, virou moda na alta-costura. Vendeu 750 milhões de discos e teve o grande mérito de ter derrubado a barreira musical entre negros e brancos, fazendo a fusão dessas duas tradições.
Pode-se dizer que esse ícone da música pop, altamente ambíguo, viveu e morreu barrocamente, envolto no fausto e no enigma. Baseando-nos no teórico Eugenio D’Ors, que considera o Barroco como uma constante universal de ruptura, que aflora de tempos em tempos ao longo dos séculos, podemos considerar esse ídolo como uma caricatura neobarroca do homem contemporâneo. Entenda-se aqui por Neobarroco não apenas a retomada de uma corrente estética, mas de um estilo de vida. Trata-se de um gosto dominante que se alastra pelos diversos fenômenos culturais em todos os campos do saber.
Nas artes, houve a retomada do gosto pelo horripilante, pelo grotesco e pelo espantoso. Nota-se isso até mesmo nos brinquedos e nos filmes infantis repletos de figuras monstruosas. Veja-se, como exemplo, o videoclipe baseado em Thriller, de Michael Jackson, álbum de maior sucesso da discografia mundial, com 100 milhões de cópias vendidas. Trata-se da dança de um bando de mortos-vivos, figuras nauseabundas e assustadoras, que faz grande sucesso, sobretudo entre os jovens.
Além da estética do feio, podemos detectar outras características neobarrocas nesse ídolo, como por exemplo, o enigma e a mudança. Sua vida sempre esteve envolta por uma cortina de mistérios, o que o torna ainda mais instigante perante os fãs. Não se sabe exatamente como se deu a mudança fisionômica, nem o clareamento da pele. Não se sabe quase nada sobre sua sexualidade. Opiniões divergentes rotulam-no, ao mesmo tempo de heterossexual, de homossexual, de pedófilo e até mesmo de assexuado. Pai de três filhos, deixa em suspense a enigmática questão dos casamentos de conveniência, da paternidade biológica, e, até mesmo, da maternidade do caçula, cujo nome da mãe não consta nos registros. Sua própria morte ainda está envolta em mistérios, pois, pelo que se vê no clipe gravado dois dias antes, morreu aparentemente gozando de plena forma física.
Podemos ainda salientar outros traços neobarrocos, como a extravagância, o exagero, a teatralidade, e a turbulência de seus espetáculos; o gosto pelo fausto e pelo brilho, tanto nas vestimentas quanto no estilo de vida; o jogo do “ser” e do “parecer”, com o qual mascara sua personalidade; a desmesura e o desequilíbrio, na sucessão de cirurgias plásticas, no excesso do uso de medicamentos e na vultosa dívida de 500 milhões de dólares; a distorção (dos traços fisionômicos); o erotismo (passo de dança com a mão na genitália); a magnificência, ou seja, o gosto pelo brilho, pela ostentação, pela riqueza e pela suntuosidade, entre outros.
No Brasil Colônia, o espetáculo lutuoso era usual para as exéquias fúnebres dos ricos e poderosos. A morte era um ato dramático, recoberto de requinte e ostentação. Por exemplo, as barroquíssimas exéquias de Dom João V, em 1750, foram ostensivamente celebradas nas “Minas Geraes”, sobretudo em São João del Rei, Vila Rica e Mariana. O pretexto fúnebre se transformou em requintado espetáculo dramático e se estendeu no tempo e no espaço, demonstrando o gosto de então pela morbidez. O evento fúnebre de antanho, tal qual o de Michael Jackson nada mais é que a teatralização da morte, montada com esmero e adequada à natureza do espetáculo. 
No ginásio do Staples Center, em Los Angeles, uma pompa fúnebre com mais de duas horas de duração foi transmitida diretamente para os mais diversos países. Em torno de um ataúde banhado a ouro (símbolo do poder e da riqueza), avaliado em 25.000 dólares, cerca de 20.000 pessoas acompanharam o evento, seja de longe, pelos telões, ou de perto, num espaço privilegiado, mais próximo ao palco. As cercanias do ginásio foram isoladas para evitar a aproximação de curiosos e eventuais tumultos. Dentro do Staples Center, todos se levantaram com a chegada do cortejo. Ao som de um coral, o rico caixão dourado, coberto de flores vermelhas (símbolo da paixão), foi colocado no centro, entre o palco e a plateia, e iluminado por um canhão de luz. O caixão se manteve fechado, sobre um tablado branco, em formato elíptico, bordejado de arranjos florais, ao fundo, e de arranjos de folhagens, em primeiro plano. O branco do tablado se destacava sobre o carpete azul cobalto do piso. Ao lado do esquife postou-se toda a família Jackson, de preto, em luto fechado: os pais, os dois filhos maiores e os oito irmãos, sendo que estes usavam óculos escuros, terno preto, gravata dourada, rosa vermelha na lapela e luva prateada em uma das mãos, o mesmo tipo de luvas com que Michael costumava se apresentar. Durante todo o evento ouve uma intercalação de cerca de 10 falas e 10 músicas. Além de amigos, parentes e religiosos, apresentaram-se a atriz Brooke Shilds, ex-namorada do astro, a cantora Jennifer Hudson, o músico Steve Wonder, entre outros. Todos estavam visivelmente emocionados e alguns não resistiram às lágrimas. Todos eles, após cada apresentação, cumprimentaram os membros da família Jackson. Uma sequência de imagens, referentes ou não ao que estava sendo apresentado, era projetada no fundo do palco. A cerimônia foi encerrada com vários artistas no palco, cantando “We are the World”, música composta por M.Jackson e Lionel Richie, para ajudar as vítimas da fome na Etiópia. Jackson se imortalizou como rei da música pop e continuará na morte o que foi em vida: um ícone envolto por uma névoa de mistérios.
Jô Drumond 
Membro de 3 Academias de Letras (AFEMIL, AEL e AFESL) 
Membro do Inst. Hist. e Geográfico do ES (IHGES)