*Jô Drumond
GRUTA DE MAQUINÉ |
No início do século passado, no casarão em estilo colonial, onde funciona hoje o Museu Guimarães Rosa, em Cordisburgo, Dona Chiquitinha deu à luz um menino que hoje ilumina aquela cidade. João Guimarães Rosa (1906/1967), além de ter sido um dos melhores escritores brasileiros, tornou-se um mito em seu torrão natal. Há quase 30 anos, comemora-se, no mês de julho, a Semana Roseana, evento literário que agrega pessoas do Brasil e do exterior, todas elas aficionadas à obra do escritor. Quase tudo, naquela cidade, gira em torno de sua obra. Seus conterrâneos fazem questão de cultivar o encantamento pelo trabalho literário do grande mestre. Durante a Semana Roseana, os forasteiros são recebidos com grande alegria e entusiasmo. O lema de muitos cordisburguenses é: “se é amigo de Rosa, é nosso amigo”.
GRUTA DE MAQUINÉ |
No museu Guimarães Rosa, o visitante tem o privilégio de percorrer o espaço onde o escritor nasceu e viveu. Pode também dar vazão à imaginação, em companhia dos tradicionais Miguilins, e enveredar pelas tortuosas e labirínticas trilhas literárias da obra roseana. Miguilins são crianças que, desde pequeninas, se preparam para a leitura dramática dos contos de Guimarães Rosa. A oralidade na obra desse escritor é algo excepcional. Qualquer excerto escolhido de qualquer obra se presta à leitura dramática. Ele escrevia como se estivesse contando um caso, oralmente. Tanto é que cada texto, antes de ser publicado, era lido diversas vezes, em voz alta, para que a sonoridade e o ritmo fossem testados.
Armazem |
Tulha |
No século passado, o casarão se prestava simultaneamente como residência e ponto comercial. A ampla fachada conta ainda hoje com 4 portas e 4 janelas, duas delas laterais (veja a foto). Ali funcionava o ganha-pão do Senhor Flordualdo Rosa (Seu Fulô): uma venda de secos e molhados. Desde tenra idade, seu filho Joãozito gostava de passar grande parte do dia no armazém, sempre atento aos “causos” dos fregueses. Dizem que todo mineiro é fabulista por natureza. Justamente esse gosto pela fabulação preservou a literatura oral da região, de boca em boca, junto ao balcão de Seu Fulô. As estórias ali contadas e recontadas se transformaram, mais tarde, em matéria-prima para os contos roseanos. Quando o renomado escritor e diplomata morava em terras distantes, até mesmo estrangeiras, escrevia a seu pai, solicitando novas estórias dos fregueses para serem fantasiadas a seu bel-prazer.
No entanto pode-se assegurar que o que há de mais importante em sua obra não é cada “causo” em si, mas a maneira como é narrado. Trata-se de um trabalho meticuloso que enobrece e enriquece a língua portuguesa; um entrelace paradigmático e sintagmático inigualável. É por isso que alguns críticos dizem, acertadamente, que sua principal personagem é a própria linguagem.
Casa do Vaqueiro |
Casarão Museu GR |
O armazém está preservado tal qual nos velhos tempos: os mesmos móveis, as mesmas tulhas, os mesmos bancos, as mesmas vitrines... não se vendem mais secos e molhados, mas souvenirs para turistas e diversas marcas de cachaça, oriundas dos alambiques da região. Além de manter o mesmo aspecto de outras décadas, o casarão continua mantendo o encantamento em torno da obra roseana. Nos bancos convidativos a um dedinho de prosa brotaram boas estórias que ecoam nas trilhas literárias do grande mestre.
*Jô Drumond (Josina Nunes Drumond) Membro de 3 Academias.
de Letras (AFEMIL, AEL, AFESL) e do Instituto Histórico (IHGES)