domingo, 9 de junho de 2019

IDÍLIO FUNESTO

Nos idos de 1920, um belo mancebo apaixonado pela garbosa Mariquita, era encarregado do motor de bater água, no garimpo de diamantes da Charneca. Sua amada morava próximo a seu local de trabalho. Todos os dias, ao ouvir o berrante para o almoço, ela se colocava à soleira da porta de saída, para vê-lo passar, juntamente com os demais garimpeiros. Cruzavam olhares significativos, cheios de brejeirices, como se tivessem alguma espécie de conluio. No entanto, não havia cumplicidade alguma; apenas enamoramento. Os dois se viam raramente em encontros sociais ou religiosos. A única possibilidade de aproximação física acontecia nos bailes da roça, denominados “pagodes”. Na época, era de praxe dançar uma só música e pedir licença ao cavalheiro. Nessa circunstância, o carinho máximo, era um furtivo aperto de mão, acompanhado de um frichilim.

Tais pagodes, à luz de lamparina, duravam a noite toda, por um simples motivo: ainda não existia lanterna. A viagem de ida e volta, a cavalo, só poderia ser feita em noite de lua cheia, com céu varrido de nuvens. Como a noitada era longa, o mancebo enamorado tirava com frequência sua predileta para rodopios no salão, o que levantou suspeita por parte do pai da moça. Antes que o namorico se sedimentasse, ela foi advertida pela família de que jamais se casaria com aquele rapaz. A bela donzela, muito religiosa, passou a rezar todos os dias para pedir a interseção da divindade na escolha do melhor caminho. Tudo indicava que a divindade também era contra o namoro. Com o tempo, a paixão foi cedendo lugar à indiferença.

Durante um evento festivo, o rapaz percebeu ares de desinteresse da demoiselle, e se afastou. Logo após, ele lhe enviou uma carta declarando sua paixão e, ao mesmo tempo, rompendo o pretenso namoro. Diversas vezes ao dia, ela pegava a carta, debaixo do travesseiro, e se dirigia ao pomar onde a relia e chorava a cântaros, sem ser notada. Pranteava mais a nefasta surpresa que o rompimento em si. Um sentimento até então desconhecido, apossou-se dela: o de rejeição. Sempre paparicada por todos que a cercavam, nunca tinha se sentido rejeitada. Tal fato foi praticamente um rito de passagem, da adolescência para a idade adulta.

Após algum tempo, surgiu novo pretendente, chamado Solano, para o qual a família abria portas e braços. Ao ser informado do noivado de sua amada, o rejeitado deu cabo de seus dias e da garimpagem, com um tiro no ouvido. Outro sentimento desconhecido, o de perda, invadiu os dias de Maria.

Tempos depois, ela procurou, na cidade de Coromandel, uma vidente desconhecida, que batia cartas. Ao partir o baralho, a vidente lhe disse, de chofre, que ela já tinha sido apaixonada e que, caso tivesse se casado com tal pretendente, teria enfrentado ponta de faca. A vidente vaticinou também que ela teria vida longa, muitos filhos e um futuro venturoso. A partir de então, Mariquita tentou relegar o ocorrido ao baú do esquecimento e se sentiu eternamente grata a seu pai por lhe ter escolhido um pretendente mais condizente. Casou-se com Solano, teve uma reca de filhos e compartilhou sua existência com o parceiro que lhe foi destinado, não apenas pelo destino.

Recentemente, já nonagenária e viúva, publicou um livro de poemas, intitulado Charneca diamantina, no qual faz um relato rimado, em estilo um tanto cordelístico, registrando esse funesto idílio amoroso (pg. 46).

Vejamos alguns versos do poema “Ambos apaixonados”:

[…]

Essa triste desistência resultou em confusão.

Não sendo feliz no amor, ele tomou sua decisão.
Em suas palavras, eu nem acreditava, pensando ser tudo em vão.
Mas foram justificadas com a bala da perdição