segunda-feira, 27 de novembro de 2017

TRABALHO À DISTÂNCIA

Há cerca de uma década, tive acesso ao resultado de uma enquete feita na cidade de São
Jô Drumond
Paulo, cujo objetivo era detectar os maiores sonhos de consumo dos habitantes daquela megalópole. Por incrível que pareça, os maiores desejos dos paulistanos correspondiam ao que se tem e ao que se vive em pequenas cidades: morar numa casa com jardim e quintal, almoçar juntamente com a família, morar perto do trabalho... Esse resultado deixa patente que o progresso pode representar um retrocesso na qualidade de vida dos cidadãos.

Sabe-se que os problemas enfrentados com resignação (ou não) pela maioria dos habitantes das metrópoles são os mesmos: a correria do dia a dia, o ritmo frenético da cidade grande, o trânsito infernal, engarrafamentos, poluição, exiguidade dos apartamentos, espigões, falta de relacionamento amistoso com a vizinhança... Na rua, cada um representa apenas um dado estatístico. Um desconhecido entre desconhecidos, após oito horas diárias de trabalho, acrescidas de uma a quatro horas no trânsito, volta cansado e sem disposição para dar atenção à família. O salário, na maioria das vezes, não compensa o transtorno, nem o esforço.
Com o advento do emprego flexível, devem-se revisar as relações trabalhistas.  Abole-se a tradição de “bater ponto”. O trabalho pode ser feito na rua, numa praça, num parque, em casa, enfim, em qualquer lugar, desde que haja conexão. A cada dia, um maior número de profissionais adere ao trabalho remoto. Reuniões são feitas à distância, pelo Skype, contatos profissionais são feitos pelas redes sociais, sobretudo pelo WhatsAppPara quem quer abrir seu próprio negócio, há o home based, uma espécie de franquia que permite gerenciar tudo sem sair de casa. Os investimentos são mais baixos; evitam-se, por exemplo, a compra e a manutenção de um ponto comercial.


Nesse período de transição ainda há insegurança e dificuldade de adaptação, mas com o tempo tudo se ajeita. A comunicação via satélite é um caminho sem volta. No século XXI, os trabalhadores terão que se adaptar à Revolução Tecnológica, assim como os do século XVIII tiveram que se adaptar à Revolução Industrial. 

quinta-feira, 16 de novembro de 2017

DUPLA PERTENÇA

Meu corpo e eu somos “um”. Formamos um todo mais ou menos ambíguo, interdependente. Posso acabar com ele, mas ele também pode acabar comigo. Isso nos faz cúmplices um do outro. Se uma enfermidade nele se instala, um terceiro (o médico) intervém entre o eu-sujeito, e o eu-corpo-objeto. Torno-me simples observadora de mim mesma. De legítima dona, passo a importuna testemunha, a acompanhar o desenrolar dos fatos.
Recentemente, ao dar entrada em um centro cirúrgico, como paciente, tive a sensação de perda de integridade. Temporariamente, meu eu-sujeito deixou de existir. Era um mero corpo desnudo, tocado por mãos desconhecidas, alvo de agulhas, barbitúricos, bisturis e do que mais se fizesse necessário.  Minha vida ficou (in)voluntariamente em mãos alheias.  Ao voltar a mim, tentei não atrapalhar aqueles que cuidavam da dor do meu “corpo-objeto”, da dor que também era minha.

Meu corpo e eu somos “um”. Através dele me relaciono com o mundo circundante. Estranha dobradiça de dupla pertença. O sensível e o inteligível, distintos e interdependentes, se mesclam: relação conjuntiva de elementos disjuntos, irremediavelmente presos um ao outro.

Meu corpo e eu somos “um”. Sem mim, nada é; sem ele, nada sou. Sinto, se sente; vivo se vive. Juntos, somos um ser pensante e passante.