*Jô Drumond
Nasci temporã, filha de pai aposentado, já vergado sob o peso da
idade e com cabelos de algodão. A grande diferença de idade deu-me o privilégio
de tê-lo como pai e avô, ao mesmo tempo. A defasagem de gerações era bem nítida
em nosso registro lingüístico. Meu pai usava um vocabulário rico, porém arcaico
e démodé. Por exemplo, dizia “mentecapto” em vez de “louco”; “estorvar”
em vez de incomodar; “tutameia”, em vez de “quase nada”, e assim por
diante. Isso, às vezes, criava situações hilariantes.
Lembro-me que certo dia ele me pediu para ajudá-lo a escolher um
par de sapatos, numa loja chamada Praça Sete Calçados, no centro de Belo
Horizonte. Ao abordar uma jovem vendedora, ele lhe disse:
̶ Boas tardes, senhorita! Eu gostaria de adquirir um calçado
singelo, porém de cabedal bom.
A vendedora lançou-me um olhar arregalado, como se estivesse
pedindo socorro. Sem reparar o embaraço da garota ele acrescentou:
̶ Não carece ser coisa
cara!
A vendedora fitou-me novamente, com olhar inquiridor. Deduzi que
ela desconhecia os termos menos usuais. Tive então que traduzir o pedido usando
um vocabulário do cotidiano, ou seja, troquei o filet mignon pelo feijão
com arroz.
*Jô Drumond (Josina Nunes Drumond)
Membro de 3 Academias de Letras
(AFEMIL, AEL, AFESL) e do Instituto Histórico (IHGES