terça-feira, 25 de março de 2014

O LORD DO SERTÃO



*Jô Drumond

 Nasci temporã, filha de pai aposentado, já vergado sob o peso da idade e com cabelos de algodão. A grande diferença de idade deu-me o privilégio de tê-lo como pai e avô, ao mesmo tempo. A defasagem de gerações era bem nítida em nosso registro lingüístico. Meu pai usava um vocabulário rico, porém arcaico e démodé. Por exemplo, dizia “mentecapto” em vez de “louco”; “estorvar” em vez de incomodar; “tutameia”, em vez de “quase nada”, e assim por diante.  Isso, às vezes, criava situações hilariantes.
Lembro-me que certo dia ele me pediu para ajudá-lo a escolher um par de sapatos, numa loja chamada Praça Sete Calçados, no centro de Belo Horizonte. Ao abordar uma jovem vendedora, ele lhe disse:
̶  Boas tardes, senhorita! Eu gostaria de adquirir um calçado singelo, porém de cabedal bom.
A vendedora lançou-me um olhar arregalado, como se estivesse pedindo socorro. Sem reparar o embaraço da garota ele acrescentou:
̶  Não carece ser coisa cara!
A vendedora fitou-me novamente, com olhar inquiridor. Deduzi que ela desconhecia os termos menos usuais. Tive então que traduzir o pedido usando um vocabulário do cotidiano, ou seja, troquei o filet mignon pelo feijão com arroz.

*Jô Drumond (Josina Nunes Drumond)
Membro de 3 Academias de Letras
 (AFEMIL, AEL, AFESL) e do Instituto Histórico (IHGES