É interessante observar que, desde tempos remotos, as festividades carnavalescas sempre estiveram relacionadas à fecundação da terra e da espécie humana. Na Antiguidade, a terra era concebida como um organismo feminino; a colheita, como termo de uma gestação.
As procissões fálicas, em homenagem à deusa da fertilidade, Deméter, tinham o objetivo de despertar o riso e a alegria e, por conseguinte de suscitar fecundação, reflorescimento e colheita abundante na natureza, da qual fazemos parte. Isso sempre engendrou um fenômeno social conhecido como “os filhos do carnaval”. Trata-se do alto índice de natalidade nove meses após tais festividades populares, responsáveis por um grande número de filhos fortuitos, vindos ao mundo sem programação prévia.
As festas dionisíacas e saturnais (correspondentes ao atual carnaval) coincidiam com os rituais agrários. Todas elas mantinham a mesma linha de pensamento: o riso, a alegria e a licenciosidade desencadeavam um poder mágico sobre a natureza tornando-a fecunda. Houve época em que, durante as comilanças públicas, em dias festivos, comia-se e bebia-se a ponto de perder os sentidos. Não havia nenhum tipo de recriminação para tais atos. Pelo contrário, isso era visto como algo positivo. Essas comilanças eram acompanhadas por risos fragorosos, exultantes e plenos de satisfação, que influenciariam o florescer da terra. Considera-se, até hoje, que o riso alegre é vivificador. Elimina emoções negativas e estimula o desejo de viver.
Cerca de 560 anos a.C., havia manifestações populares, com diálogos, músicas, cantos, danças, fantasias e representações caricaturais do mito dionisíaco. Durante as procissões, os "Komastes" (homens fantasiados com falso ventre e falso traseiro) usavam enormes falos postiços, simbolizando a fertilidade, o crescimento e a abundância.
Em tempos de antanho, o carnaval (festa medieval popular), era a segunda vida do povo, na qual reinavam fantasia, liberdade, igualdade, abundância e alegria. Nas cidades, tais celebrações chegavam a durar três meses por ano. Ao contrário da festa oficial, na carnavalesca havia uma espécie de liberação temporária e abolição provisória de todas as relações hierárquicas, privilégios, regras e tabus. Sua tônica era e ainda continua sendo a descontração por meio da subversão da ordem estabelecida. Um bufão era sagrado rei (rei Momo do carnaval de hoje), roupas eram vestidas pelo avesso, calças se punham na cabeça em lugar do chapéu...
Diferentemente da Antiguidade, na Idade Média, durante cerca de um milênio, o riso foi abolido da esfera oficial, em cultos religiosos e cerimônias feudais, mas era permitido em praça pública. Riso e seriedade correspondiam a uma moeda de duas faces: a oficial, relacionada à seriedade, à opressão, às restrições, às intimidações; e a outra face, da esfera popular, relacionada ao riso, ao amor, à renovação, à fecundidade, à abundância, à comilança e ao sexo.
Sacro e profano coexistiam, mas não se fundiam. Acreditava-se que apenas a seriedade podia expressar a verdade e o bem. Em compensação, paralelamente, ritos cômicos, tolerados pela Igreja cristã, degradavam ritos e símbolos religiosos. No início do cristianismo foi instituída, por exemplo, a festa dos loucos, na qual tudo era permitido: embriaguez, glutonaria e obscenidades de toda sorte. A justificativa dessas festas apoiava-se no fato de que o ser humano tinha duas naturezas: a da seriedade, cultivada e aceita oficialmente; e uma segunda natureza inata, contrária à primeira. O homem era comparado a um tonel de vinho que devia ser destapado de vez em quando, devido à fermentação. O vinho da sabedoria faria com que o homem explodisse, caso se mantivesse na constante fermentação da piedade e do temor divino. Destarte, as festas e os folguedos correspondiam à válvula de escape da rigidez imposta pelo poder constituído.
A igreja fazia com que algumas festas cristãs coincidissem com as pagãs, a fim de cristianizar os homens. A bufonaria era permitida para que os fiéis voltassem depois dela, com duplicado zelo, ao serviço do Senhor.