segunda-feira, 26 de novembro de 2018

A POLUIÇÃO DOS VELHOS TEMPOS


Atualmente, as crianças aprendem desde cedo a valorizar e a proteger o meio ambiente. Fala-se muito em ecologia, em sustentabilidade ambiental, em combate à poluição, o que é muito louvável. Nos dias de hoje, a noção de poluição, qualquer que seja, relaciona-se ao way of life da contemporaneidade. No entanto ela não é privilégio dos tempos atuais.  Sempre houve muita poluição em grandes aglomerações humanas.

Por exemplo: a quantidade de chaminés nos telhados de Paris é tamanha que lembra uma plantação. Os antigos prédios têm em média 5 andares. Em cada apartamento há, no mínimo, duas lareiras. Nos palacetes elas estão presentes não apenas na área social, mas em todos os quartos. Há basicamente uma lareira para cada duas pessoas. A densidade demográfica em Paris é de cerca de 21.500 habitantes por Km2 o que corresponderia a 10.750 lareiras acesas por Km2. Como a população atual é de cerca de doze milhões de habitantes, incluindo a periferia, se todos resolvessem acender suas lareiras ao mesmo tempo, haveria uma catástrofe gigantesca. Além da poluição do ar, aconteceria um desmatamento desenfreado para o abastecimento de lenha.

Na atualidade, as lareiras, presentes em todos os lares parisienses, são peças sobretudo decorativas. Certa época, o governo francês chegou a cogitar a proibição do uso desse tipo de calefação.  Isso não aconteceu simplesmente por ter sido desnecessário. Elas continuam imponentes, porém desativadas. Apesar do aconchego de outrora diante das chamas e das brasas, as lareiras foram preteridas, cedendo espaço à calefação a gás (chauffage), mais prática e menos poluente.

O “jeitinho” francês tem conseguido manter o charme de antanho, sem causar os transtornos previstos: a lareira virtual. É idêntica à tradicional, com brasas, chamas e calor controlados por meio da cibernética. Só os argutos observadores de pequenos detalhes conseguem perceber alguma diferença. As chamas variam de intensidade, de altura e de luminosidade, mas mantêm um ciclo, dificilmente notado pelos usuários. Mesmo ciente do fato, as pessoas se mantêm incrédulas diante do fogaréu, do calor e do estrépito das chamas.

Outro fator poluidor de épocas passadas eram os fogões à lenha ou a carvão. Pode-se viver sem lareira, mas não se pode viver sem alimento. O primeiro fogão a gás surgiu em 1836. Até então o meio ambiente, o ar e os pulmões de quem pilotava os fogões eram prejudicados. A causa mortis de muitas de nossas avós, bisavós, trisavós... era enfisema pulmonar, apesar de nunca terem fumado. Isso acontecia devido à proximidade do fogão à lenha, do ferro a brasas, assim como da fumaça dos fumantes com quem elas conviviam.

Após o advento do chauffage e dos fogões modernos, a tendência teria sido diminuir a poluição, mas surgiu outro complicador. Em 1885, usou-se o primeiro motor à gasolina. Desde então a qualidade do ar ficou comprometida com o monóxido de carbono expelido pelos canos de descarga. Mas não se devem condenar os transportes automotivos por isso. Antes da existência de automóveis, havia outro tipo de poluição, de origem diversa, advinda do trânsito. Coches, carroças, diligências, carruagens, seges e charretes, de tração animal, circulavam nas grandes cidades, deixando o ar empesteado com o nauseabundo odor de urina e com montes de estrume por todo lado.

Antigamente não havia rede de esgotos. Poluía-se o lençol freático com fossas espalhadas por todo o planeta. Os mananciais de água eram comprometidos, numa época em que não havia tratamento de água para o consumo da população. Donde se conclui que a poluição não é um mal atual. Ela sempre existiu em grandes aglomerações urbanas.

Hoje em dia há maior conscientização de seus efeitos funestos, e, por conseguinte, o desencadeamento da preservação do meio ambiente, incluindo a qualidade do ar e da água, fontes naturais de vida. A prova disso é o aumento da expectativa de vida, a ponto de criar um problema não cogitado pela seguridade social de décadas passadas: o do envelhecimento da população e sua respectiva aposentadoria.

Jô Drumond

sábado, 13 de outubro de 2018

CALENDÁRIO REVOLUCIONÁRIO



Quando criança, eu sempre me perguntava por qual insensatez os meses de setembro, outubro, novembro e dezembro não correspondiam ao sétimo, oitavo, nono e décimo meses do ano. Meus familiares e meus professores do ensino primário não sabiam me responder. Bem mais tarde soube que meus questionamentos infantis tinham fundamento. O calendário romano, estabelecido por Rômulo (753 a.C.) tinha apenas dez meses. Dezembro era realmente o décimo mês do ano.

Por que razão houve a mudança? Em 46 a.C., Júlio César acrescentou dois meses e deslocou Januarius e Februarius para o início do ano, empurrando dezembro para a décima segunda colocação.

Soube também que no calendário juliano havia um erro referente ao alinhamento dos equinócios. Em 1582, o Sumo Pontífice Gregório XIII corrigiu tal erro em seu calendário, adotado na maioria dos países católicos.

Desde então a França adotou o calendário gregoriano. No entanto, durante a Revolução Francesa houve total reviravolta em quase tudo. Além do rompimento com o passado monárquico, feudal e cristão, além da mudança de costumes, os revolucionários quiseram abolir as referências religiosas na marcação do tempo. Dessa forma, os nomes de santos foram substituídos por nomes de plantas ou frutas (pera, figo, nabo...), de ferramentas de trabalho (enxadão, arado, pá...), ou de animais (vaca, coelho, gato...).

O ano I deixou de ser o ano do nascimento de Cristo e passou a ser o ano I da instauração da República, (1793); desapareceram os feriados cristãos, assim como os domingos (dia da adoração de Deus). Esse inusitado calendário foi baseado em conhecimentos astronômicos.

O ano continuava dividido quatro estações de três meses cada uma. O nome de cada mês se referia ao cultivo ou ao clima da época, a saber:
Le Printemps = Primavera
Germinal
Florial          
Prairial         
mês da germinação
mês da floração
mês das pradarias
L’Été             = Verão
Messidor
Thermidor    
Fructidor       
mês da colheita
mês do calor
mês das frutas
L’ Automne  = Outono
Vendémiaire
Brumaire       
Frimaire         
mês das vindimas
mês das brumas
mês do frio
L’Hiver       = Inverno
Nivôse
Pluviôse         
Ventôse          
mês da neve
mês das chuvas
mês dos ventos

Cada mês tinha exatamente 30 dias e era dividido igualmente em três partes de 10 dias cada um, chamadas “décades”. Os dias do novo formato da semana eram os seguintes: Primidi, Duodi, Tridi, Quartidi, Quintidi, Sextidi, Septidi, Octidi, Nonidi e Décadi. Cada um desses dez dias era consagrado a algo relacionado ao tema da “décade”.

Vejamos, por exemplo, a primeira delas, correspondente ao mês da vindima ou colheita da uva (vendémiaire), de 21 de setembro a 22 de outubro.
                                                                    1ª “Décade”
Primedi
1
Uva
Duodi
2
Acafrão
Tridi
3
Castanha
Quartidi
4
Colchique (flor)
Quintidi
5
Cavalo
Sextidi
6
Bálsamo
Septidi
7
Cenoura
Octidi
8
Amaranto
Nonidi
9
Pastinagas
Décadi
10
Cuba

Para cada dia do ano havia uma referência específica, que não se repetia. Os doze meses de trinta dias correspondiam a trezentos e sessenta (360) dias, aos quais eram acrescentados cinco (05) dias referentes aos “sansculottides”: Festa da Virtude, da Inteligência, da Opinião, do Trabalho e das Recompensas. O dia suplementar dos anos bissextos, chamado “la franciade”, era reservado à festa da Revolução.

A título de curiosidade, vejamos a divisão, mês a mês, do primeiro semestre do ano de 1794, contendo as respectivas temáticas:

Período
Nome do mês
“Décades”
Consagrada à (ao)
1º mês
22 set./21 out.
“Vendémiarie”
Referência à vindima (colheita da uva)
Ser supremo e à Natureza
Gênero Humano
Povo Francês
2º mês
22 de out/20 nov.
“Brumaire”
Referência à bruma típica da época

Benfeitores da Humanidade
Mártires da Liberdade
Liberdade e Igualdade
3º mês
21 de nov./20 dez.
“Frimaire”
Referência ao frio – clima da época
República
Liberdade do Mundo
Amor à Pátria
4º mês
21 dez./ 19 jan.
“Nivôse”
Referência à neve
Ódio aos Tiranos
Verdade
Justiça
5º mês
20 jan./18 fev.
“Pluviôse”
Referência à época das chuvas
Pudor
Glória e Imortalidade
Amizade
6º mês
19 fev./20 mar.
“Ventôse”
Referência à época dos ventos
Frugalidade
Coragem
Boa fé


O calendário revolucionário ou republicano, criado por Fabre d’Eglantine em 05 de outubro de 1793, teve como marco inicial (retroativamente) o dia do estabelecimento da República, 22 de setembro de 1792. Tal calendário vigorou na França por pouco mais de uma década.

Como se sabe, a Revolução Francesa, em 1789, foi um movimento crucial na história da França, com repercussões mundiais. Trata-se de um divisor de águas do regime político, que passou da monarquia absoluta para a monarquia constitucional e logo depois para a Primeira República.

Napoleão Bonaparte foi figura de destaque Primeira República Francesa. Em 1799 liderou um Golpe de Estado e se instalou como primeiro cônsul num regime chamado “Consulado”. Cinco anos depois, ele se tornou imperador, sob o nome de Napoleão I e imperou de 1804 a 1814.


Deve-se a ele a curta duração do calendário republicano e a retomada do gregoriano, em 1806.

Jô Drumond
Outubro/2018

segunda-feira, 3 de setembro de 2018

ANGLICISMOS


Chama-se “anglicismo” ou “galicismo” o empréstimo de termos das línguas inglesa e francesa, incorporados ao léxico de nosso idioma, com adaptação gráfica e, às vezes, fônica. Temos, por exemplo, os termos franceses abajur (abat jour) e chofer (chauffeur), que ganharam roupagem própria em português. Chamam-se “estrangeirismos”  termos que são adotados por outra língua,  sem adaptação. Por exemplo, outdoor, do inglês, e rendez-vous, do francês.

Em meados do século XX, inventou-se o termo “franglais” (français/anglais) com a publicação do livro do prof. Étiemble “Parlez-vous franglais?” A invasão de terminologia inglesa naquele país era tamanha, que o governo houve por bem sancionar a lei Toubon (nº 94-665 de 04/08/1994) para proteger o patrimônio linguístico francês. Tal Lei visava a garantir a primazia de termos da língua oficial. Os organismos públicos deviam respeitar o vernáculo local em todas as circunstâncias. Houve até mesmo punições severas, como no caso da GE Medical System, que foi multada em 570.000 Euros, em 2006, pelo fato de ter transmitido documentos em inglês, sem tradução, a seus empregados.

No Brasil, a presença de anglicismos sempre existiu sem incomodar a ninguém.  No país no futebol, usa-se uma forma aportuguesada do inglês “football”. Para substituir  a palavra “futebol”, Castro Lopes inventou os termos eruditos “ludopédio” e “balípodo”, que felizmente não foram aceitos pelos falantes do português.

Atualmente, a presença da língua inglesa em tudo que se refere à tecnologia é praticamente automática no Brasil, visto o grande fluxo lexical sem correspondentes em nossa língua. Evidentemente, é bem mais simples adotar um termo estrangeiro que criar um neologismo.

Há pouco tempo, ao me aproximar da Central de Cópias de uma Universidade Federal do ES, vi uma placa na qual se lia: copy center. Caso se tratasse de um curso de idiomas, seria plausível, mas, dentro de uma universidade, não deixa de haver um pouco de exagero. No mesmo dia, fiquei indignada pela exarcebação do uso do inglês, ao percorrer um shopping, em Vitória. Deparei com uma grande placa divulgação imobiliária, na qual mais de 50% das palavras eram em língua inglesa ou dela oriundas:

 Kit automação. Bike sharing. Wifi nas areas comuns. Lounge office. Home office. Laundrywifi. Fechadura biométrica. Lazer completo na cobertura”.

Por que não usar termos do nosso vernáculo? Suponhamos que um rico matuto, sem nunca ter tido acesso à língua inglesa, venha da zona rural para comprar imóveis na capital. A agência imobiliária certamente não atingirá tal cliente, pelo fato de ele não dominar aquele código verbal.

Seria muito prático se todos os terráqueos falassem a mesma língua.  Diversas línguas universais foram criadas. O Esperanto, criado pelo polonês Ludwig Lazar Zamenhof, no final do século XIX, teve muita repercussão. O esperanto não foi adotado universalmente, mas ainda é estudado e existem muitos adeptos espalhados pelo mundo, formando uma espécie de rede esperantista. Tenho um amigo que tem contato contínuo com falantes dessa língua, originários de diversos países. Em suas viagens internacionais ele é muito bem recebido e alojado por esperantistas participantes de tal rede. Destarte, economiza muito em suas andanças mundo afora.

Segundo o filólogo e linguista prof. José Augusto Carvalho, o esperanto tem raízes em várias línguas: polaco, hebraico, alemão, latim, grego, russo e francês, ao contrário das outras línguas inventadas cujo vocabulário e regras gramaticais estavam bem próximos da língua nativa ou materna de seus inventores. A seu ver, o esperanto não vigorou, porque não tem vitalidade, isto é, não há comunidade que tenha o esperanto como língua oficial, e não tem historicidade, isto é, não tem lastro cultural. 

Durante muito tempo, a língua francesa foi usada pela diplomacia internacional.  Hoje em dia, há a primazia do inglês. Sabe-se que uma língua de comunicação internacional se faz necessária. Senti isso na pele, recentemente, ao visitar a Hungria, cujo idioma é totalmente diferente do nosso. A língua húngara não tem nenhuma semelhança com as línguas às quais temos acesso mais frequente: francês, alemão, inglês, espanhol, português, italiano... ela é totalmente ininteligível para nós, brasileiros. Todas as pessoas abordadas por mim só falavam o idioma local. Apesar de estar em uma cidade turística, que deveria primar pelo contato com estrangeiros, encontrei grande dificuldade.

Minha salvação era justamente a presença, embora tímida, de alguns termos em inglês nas placas do espaço público. Por meio deles eu podia identificar se se travava de um restaurante, de uma lanchonete, de um museu ou de uma casa comercial. Minha salvação, na Hungria, estava, portanto, relacionada ao mesmo motivo de minha indignação, aqui no Brasil: os anglicismos.