Em Paris há um grupo amigos de longa data, que passam as
férias de verão sempre juntos, em Saint Tropez. No dia em que chegamos àquela
cidade, acompanhados por um casal de amigos parisienses, fomos apresentados a
esse grupo, na casa de veraneio um deles. Num varandão que dava para o mar, uma
grande roda se formou em torno de uma mesa, para bebericar e jogar conversa
fora. Num dado momento, alguém sugeriu
que cada um cantasse ou declamasse algo. Quando chegou minha vez, eu disse que
iria cantar o refrão de uma longa canção infantil, que eu havia aprendido
quando criança, mas da qual me lembrava apenas algumas estrofes. Comecei então:
Il était un petit
navire
Il était un petit navire
Qui n’avait ja ja jamais navigué
Qui n’avait ja ja jamais navigué
Ohé, ohé !
Ohé ! Matelot !
Num piscar de olhos, todos resgataram, do fundo da memória,
essa canção que haviam aprendido também na infância, e cantaram entusiasmados,
a plenos pulmões, as dezesseis estrofes. Foi uma espécie de congraçamento muito
emocionante! Um deles, comovido, chegou a me agradecer por ter-lhe trazido de
volta os bons “tempos que não voltam mais”.
Saint Tropez é cidade de gente grã-fina. No cais ficam
ancorados os maiores e mais chiques iates dos magnatas europeus. A diária,
dependendo das dimensões da embarcação, custa alguns milhares de euros, ou
seja, mais do que a diária de qualquer hotel cinco estrelas. É um universo
muito distante do nosso.
Por coincidência, chegamos a essa cidade às vésperas da
tradicional Festa da Música. Tal tradição, começada em Toulouse (França), em
1976, acontece anualmente em uma centena de países, no dia 21 de junho, no qual
se comemora o solstício de verão do hemisfério norte, quando a duração do dia é
a mais longa do ano.
Tivemos a oportunidade de presenciar in loco a movimentação
que a festa acarreta. Estávamos de férias em Saint Tropez, como foi dito, com
um casal que havia sido convidado para comemorar o Dia da Música, em grande
estilo, numa mansão próxima à cidade, incrustada na vertente de uma mata virgem.
Pelo fato de sermos amigos dos amigos dos anfitriões, meu marido e eu acabamos
sendo convidados para a noitada gastronômica regada a bons vinhos e embalada
por boa música.
Durante a festa, à medida que íamos sendo apresentados,
muitos se aproximavam para fazerem perguntas sobre o Brasil. Únicos
estrangeiros no local, tornamo-nos foco de curiosidade, como se fôssemos
espécie exótica da terra do samba, do sol e do futebol. Lá pelas tantas, quando
o teor etílico no sangue estava mais alto que os decibéis musicais, conversa
vai, conversa vem, acabaram nos perguntando se podíamos fazer uma demonstração
de samba.
Sabendo que estaria na França no dia da Festa da Música, eu
havia colocado na bagagem, por precaução, CDs com ritmos de nossa terra. Com a
alegria e animação características de nosso “patropi”, prontificamo-nos a lhes
mostrar o que havíamos aprendido em anos de academias de dança. Fomos vivamente
aplaudidos. Ao notar o interesse geral, perguntei se gostariam de aprender o
passo básico de samba no pé. Todos se interessaram. Fizeram então uma grande
roda em torno de nós dois.
Começamos lentamente o passo contando 1,2,3, que aos
poucos ia se agilizando para alcançar o ritmo do samba. Antes de atingir o
gingado, eles perdiam totalmente o ritmo. Recomeçamos lentamente por diversas
vezes, em vão. Percebi a inutilidade do esforço. Eu me dei conta de que eles
jamais conseguiriam conciliar o passo ao molejo do corpo, em poucos minutos. O
passo básico, apesar de aparentemente simples e fácil, corresponde a uma difícil
harmonia de movimento dos pés, dos braços e do quadril, sem perder a cadência.
Sugeri então, mostrar-lhes como se dança outro ritmo nosso,
o forró, desconhecido por todos. Logo após a apresentação do forró, coloquei um
CD de swing, com músicas internacionais, e convidei a todos para a pista de
dança. Foi uma soirée inesquecível, na qual demos, prazerosamente, nossa
efetiva contribuição para animar a festa, fazendo de certa forma a
contrapartida ao gentil convite dos anfitriões.
Sob o slogan “Faites de la musique” (faça música), que tem
exatamente a mesma pronúncia de “Fête de la musique” (festa da música), tal
festividade encoraja músicos amadores e veteranos a se apresentar
voluntariamente, o que permite à população o acesso a diversos tipos de música.
Trata-se de um evento eminentemente popular. Um em cada dez franceses dá sua
contribuição, tocando ou cantando.
Nesse dia, em todo o país, muitas ruas são
fechadas para a instalação de palcos. As apresentações musicais, todas
gratuitas, acontecem por toda parte: logradouros, praças, bares, estádios de
esporte e outros espaços. As grandes salas de concertos abrem suas portas
gratuitamente. O Ministério da Cultura da França organiza para esse dia cerca
de dezoito mil concertos em todo o território. Milhões de espectadores são
brindados por milhares de músicos e cantores profissionais e amadores em todos
os cantos do hexágono francês.
Jô Drumond