Jô Drumond |
O mundo todo teve a oportunidade de acompanhar pela televisão, na tarde de 07 de julho de 2009, as exéquias do maior ídolo pop da contemporaneidade. Michael Jackson, o compositor e cantor mais performático de todos os tempos, criou, na década de 80, o moonwalk, um estilo próprio e inconfundível de dançar, inspirando-se no break (dança de rua). Seu visual excêntrico, com brilhantes e ouro na indumentária, virou moda na alta-costura. Vendeu 750 milhões de discos e teve o grande mérito de ter derrubado a barreira musical entre negros e brancos, fazendo a fusão dessas duas tradições. Pode-se dizer que esse ícone da música pop, altamente ambíguo, viveu e morreu barrocamente, envolto no fausto e no enigma. Baseando-nos no teórico Eugenio D’Ors, que considera o Barroco como uma constante universal de ruptura, que aflora de tempos em tempos ao longo dos séculos, podemos considerar esse ídolo como uma caricatura neobarroca do homem contemporâneo. Entenda-se aqui por Neobarroco não apenas a retomada de uma corrente estética, mas de um estilo de vida. Trata-se de um gosto dominante que se alastra pelos diversos fenômenos culturais em todos os campos do saber. Nas artes, houve a retomada do gosto pelo horripilante, pelo grotesco e pelo espantoso. Nota-se isso até mesmo nos brinquedos e nos filmes infantis repletos de figuras monstruosas. Veja-se, como exemplo, o videoclipe baseado em Thriller, de Michael Jackson, álbum de maior sucesso da discografia mundial, com 100 milhões de cópias vendidas. Trata-se da dança de um bando de mortos-vivos, figuras nauseabundas e assustadoras, que faz grande sucesso, sobretudo entre os jovens. Além da estética do feio, podemos detectar outras características neobarrocas nesse ídolo, como por exemplo, o enigma e a mudança. Sua vida sempre esteve envolta por uma cortina de mistérios, o que o torna ainda mais instigante perante os fãs. Não se sabe exatamente como se deu a mudança fisionômica, nem o clareamento da pele. Não se sabe quase nada sobre sua sexualidade. Opiniões divergentes rotulam-no, ao mesmo tempo de heterossexual, de homossexual, de pedófilo e até mesmo de assexuado. Pai de três filhos, deixa em suspense a enigmática questão dos casamentos de conveniência, da paternidade biológica, e, até mesmo, da maternidade do caçula, cujo nome da mãe não consta nos registros. Sua própria morte ainda está envolta em mistérios, pois, pelo que se vê no clipe gravado dois dias antes, morreu aparentemente gozando de plena forma física. Podemos ainda salientar outros traços neobarrocos, como a extravagância, o exagero, a teatralidade, e a turbulência de seus espetáculos; o gosto pelo fausto e pelo brilho, tanto nas vestimentas quanto no estilo de vida; o jogo do “ser” e do “parecer”, com o qual mascara sua personalidade; a desmesura e o desequilíbrio, na sucessão de cirurgias plásticas, no excesso do uso de medicamentos e na vultosa dívida de 500 milhões de dólares; a distorção (dos traços fisionômicos); o erotismo (passo de dança com a mão na genitália); a magnificência, ou seja, o gosto pelo brilho, pela ostentação, pela riqueza e pela suntuosidade, entre outros. No Brasil Colônia, o espetáculo lutuoso era usual para as exéquias fúnebres dos ricos e poderosos. A morte era um ato dramático, recoberto de requinte e ostentação. Por exemplo, as barroquíssimas exéquias de Dom João V, em 1750, foram ostensivamente celebradas nas “Minas Geraes”, sobretudo em São João del Rei, Vila Rica e Mariana. O pretexto fúnebre se transformou em requintado espetáculo dramático e se estendeu no tempo e no espaço, demonstrando o gosto de então pela morbidez. O evento fúnebre de antanho, tal qual o de Michael Jackson nada mais é que a teatralização da morte, montada com esmero e adequada à natureza do espetáculo. No ginásio do Staples Center, em Los Angeles, uma pompa fúnebre com mais de duas horas de duração foi transmitida diretamente para os mais diversos países. Em torno de um ataúde banhado a ouro (símbolo do poder e da riqueza), avaliado em 25.000 dólares, cerca de 20.000 pessoas acompanharam o evento, seja de longe, pelos telões, ou de perto, num espaço privilegiado, mais próximo ao palco. As cercanias do ginásio foram isoladas para evitar a aproximação de curiosos e eventuais tumultos. Dentro do Staples Center, todos se levantaram com a chegada do cortejo. Ao som de um coral, o rico caixão dourado, coberto de flores vermelhas (símbolo da paixão), foi colocado no centro, entre o palco e a plateia, e iluminado por um canhão de luz. O caixão se manteve fechado, sobre um tablado branco, em formato elíptico, bordejado de arranjos florais, ao fundo, e de arranjos de folhagens, em primeiro plano. O branco do tablado se destacava sobre o carpete azul cobalto do piso. Ao lado do esquife postou-se toda a família Jackson, de preto, em luto fechado: os pais, os dois filhos maiores e os oito irmãos, sendo que estes usavam óculos escuros, terno preto, gravata dourada, rosa vermelha na lapela e luva prateada em uma das mãos, o mesmo tipo de luvas com que Michael costumava se apresentar. Durante todo o evento ouve uma intercalação de cerca de 10 falas e 10 músicas. Além de amigos, parentes e religiosos, apresentaram-se a atriz Brooke Shilds, ex-namorada do astro, a cantora Jennifer Hudson, o músico Steve Wonder, entre outros. Todos estavam visivelmente emocionados e alguns não resistiram às lágrimas. Todos eles, após cada apresentação, cumprimentaram os membros da família Jackson. Uma sequência de imagens, referentes ou não ao que estava sendo apresentado, era projetada no fundo do palco. A cerimônia foi encerrada com vários artistas no palco, cantando “We are the World”, música composta por M.Jackson e Lionel Richie, para ajudar as vítimas da fome na Etiópia. Jackson se imortalizou como rei da música pop e continuará na morte o que foi em vida: um ícone envolto por uma névoa de mistérios.
Jô DrumondMembro de 3 Academias de Letras (AFEMIL, AEL e AFESL)Membro do Inst. Hist. e Geográfico do ES (IHGES)