quinta-feira, 27 de agosto de 2015

JOAQUIM FUBÁ

*Jô Drumond
Em meados do século passado, Joaquim Fubá tinha um monjolo, no Córrego do Monjolo, em Patos de Minas. Dizem que ele era arredio a transações comerciais. Todo o dinheiro arrecadado com a venda do fubá e com outras negociações era colocado debaixo do colchão. Seus filhos, já crescidos, insistiam para que ele não guardasse dinheiro em casa. − Lugar de dinheiro é no banco, diziam.

Certo dia, ele encheu de dinheiro três sacos de 60 kg, colocou-os num carrinho de pedreiro e dirigiu-se ao banco mais próximo. Apresentou-se no estabelecimento bancário para falar com o gerente. Estava malvestido, sujo, de sandálias havaianas e chapéu de palha.

De longe, o gerente avistou a figura pobretona e pensou que fosse algum pedinte. Deu-lhe uns trocados, na esperança de que ele se fosse. Seu Joaquim agradeceu, colocou as moedas no bolso e continuou pacientando. Alguns funcionários abordaram-no, querendo saber do que se tratava. Ele batia pé dizendo que só falaria ao gerente e que não arredaria pé enquanto não lhe falasse. Findo o expediente, após horas de espera, foi finalmente atendido. Disse então ao gerente que seus filhos não queriam que ele guardasse dinheiro em casa. Portanto gostaria de abrir uma conta.
 Quando lhe perguntaram sobre o montante a ser depositado, o futuro cliente se embaraçou. Não sabia o que significava “montante”, e muito menos qual seria. O velho não tinha a mínima ideia de quanto dispunha. Pegou os três sacos e despejou a dinheirama sobre a mesa. O gerente ficou tão nervoso com a inusitada situação, que teve que sair às pressas, com dor de barriga. Dois funcionários passaram horas contando as cédulas. Era tanto, tanto dinheiro... muito acima da quantia que constava nos caixas do banco, naquela data.
Nem sempre se pode fiar nas aparências. Um engano, às vezes, causa situações constrangedoras. O caso do Joaquim Fubá, a mim narrado por Marcão, em minha última ida a Patos de Minas, remeteu-me a uma situação embaraçosa, acontecida comigo em Vitória (ES), devida ao mesmo tipo de engano.

Certa noite, estava eu sozinha, ao volante, num movimentado cruzamento, quando percebi a aproximação de um tipo mal-encarado e molambento, de cerca de 30 anos, com péssima aparência. Olhou-me fixamente e veio em minha direção. Temendo um assalto, acabei de fechar o vidro do carro, que se encontrava semiaberto. Ao perceber minha reação, ele começou a me destratar.

̶ Qualé, madame? Tá achando que sou bandido? Só porque sou pobre?

Continuou a dirigir-me um monte de impropérios. Fiquei estática. O semáforo não abria. Todos me olhavam. O homem não parava de vociferar aos quatro ventos. Eu me sentia culpada, sem ter culpa alguma. Não via a hora de dar o fora dali, mas o semáforo continuava fechado. Demorou uma eternidade para abrir.

Ao me ver livre daquele embaraço, pus-me a pensar no temor disseminado nas grandes metrópoles. Com o perdão do trocadilho, vivemos sobressaltados temendo ser assaltados. Todas as pessoas estranhas, sobretudo de má aparência, são suspeitas até prova em contrário. Como viver em paz com tanta insegurança?

Sinto saudades da pacata Patos de Minas da época do Joaquim Fubá, na década de sessenta. Patos de hoje não é mais a mesma. Tomou ares de cidade grande e abarcou todos os atributos do novo estilo de vida, inclusive o da insegurança. Por toda parte veem-se grades, cercas elétricas e alarmes, aparatos inexistentes na minha juventude. Não há mais córrego, não há mais monjolo, não há mais Joaquim Fubá.

*Jô Drumond (Josina Nunes Drumond)
Membro de 3 Academias de Letras (AFEMIL, AEL, AFESL)e do Instituto Histórico (IHGES