sexta-feira, 30 de julho de 2021

A poética de Jô Drumond

Ester Abreu Vieira de Oliveira

(Presidente da Academia Espírito-santense de Letras)

    


  Há muitos poetas no Espírito Santo. Para esta afirmação atestam diversas obras individuais e antológicas nas várias academias do ES, como a Academia Feminina Espírito-santense de Letras e a Academia Espírito-santense de Letras.

                Dessas duas instituições relatarei em uma síntese a poética de Josina Nunes Drumond (Jô Drumond), Vice Presidente da Academia Feminina Espírito-santense de Letras, 3ª. Vice-Presidente da Diretoria 2019-2021 da AEL, ocupante da cadeira 32, que tem como patrona a poetisa citada na obra de 1934, de José Vitorino, Maria Antonieta Tatagiba, a primeira mulher capixaba a publicar um livro de poema, no RJ.

                Jô Drumond, além de ensaísta e contista, é uma poeta nata. Em 2005, em Charneca, conheci sua arte poética nos 57 poemas de temas diversos, sejam os relacionados com a sua infância, ou os pertinentes à vida familiar na fazenda, ou na região mineira de sua origem.

                O poema “CAPÃO CHATO” (p. 15) dá abertura à Charneca.  Nele renascem: casa, família e entorno, num arquétipo adormecido no fundo do inconsciente: “Com memória lacunar,/ ressuscito tempos idos/[...]”. Em DIVAGAÇÕES (p. 280) o eu poético dirá na introdução do poema “Mergulho em infindos devaneios/ Palmilho do tempo a vastidão/ Àvida por novas sensações”.  Nesse mundo onírico, Jô relembra pessoas e situações e obras literárias. Mas, como vem se dedicando a estudos críticos, ela se preocupa com o fazer poético e, no metapoema AGRURAS DA POESIA (p. 31), questiona em um jogo do não saber: “Por onde começar?/ Como se expressar?/ Lápis em riste/ papel em branco/ Grafite em franco ataque/ Amargura do poeta/ Risca e rabisca o papel/ [...]”. E em ALEGORIA DA CAVERNA (p.71), presta um tributo a Platão: “A caverna é meu mundo/ O prisioneiro sou eu [...] ”.

 Em 2009, Jô publicou Filigranas poéticas/ Filigranes poétique, com 66 poemas de pensamentos filosóficos poéticos, em português e francês. Em curtos poemas a poeta refletirá sobre a dor, o absoluto, as lembranças, o sonho, enfim sobre vários sentimentos humanos. Cito O avarento II, (L´avare II) (“Com manias  de avareza/ chora/ uma lágrima de cada vez/ por precaução/”/ “Ayant des manies d`avarice/ Il pleure/ Une larme à chaque fois/ par précaution”) e “Dédalo (Dédale)” (“No labirinto da vida/ Em cada caminho,/ Um minotauro nos espreita./ Em qualquer direção/ [...]”//  «  Dans le labyrinthe de la vie,/ à chaque chemin,/ un mionotaure nous guête./ dans toutes les directions,/[...] » (pp. 14 e 15). Esses poemas nos oferecem, com uma intertextualidade com o avarento, da obra teatral L`Avaré, de, Jean-Baptiste Poquelin (Molière), a mácula da usura humana, e com Dédalo, o arquiteto do labirinto, o mito do minotauro, acentuado na obra poética de Ovídio, as perigosas surpresas em nosso trilhar. 

                Jô Drumond é Graduada em Letras e Artes Plásticas e Doutora em Comunicação e Semiótica. Em 2021, em plena pandemia, nos presenteia com o livro POÉMÁQUA Poemas e Aquarelas, dividido em três partes: Diversos, Reflexões e Amores. Nessa obra, trinta aquarelas acompanham trinta poemas em português//francês reforçando a mensagem lírica na contemplação da natureza e da vida. Há nos poemas uma estrutura espiritual sem um arcabouço lógico.

                O poema VentaniaLa bourrasque (p. 59-60), que vem depois de uma aquarela, numa paisagem onde se movimentam as palmas de sete palmeiras, predominando o verde, é um exemplo de pulsão poética de Jô. “Observo a ventania/ recriando nuvens em céu varrido/ espalhando incertezas vida adentro/ tecendo dores em meu peito [...]”/  “J´observe la bourrasque/ qui récrée des nuages dans un ciel balayé/ qui répand des incertitudes dans ma vie/ et tisse des douleurs dans ma poitrine [...]”.  As firmes palmeiras com suas palmas balançantes são como nuvens em movimento. Esta comparação leva o eu poético a se descobrir, a ter coragem para enfrentar um oculto temor. “É preciso apagar a luz/ para enxergar as trevas”//Il faut éteindre la lumière/ pour voir les ténèbres”. E no metapoema Caminho literário Chémin littéraire (p. 22-23), antecedido pela aquarela de uma paisagem, cortada por um caminho sinuoso entre árvores, os versos tecem uma biografia poética da autora. As três estrofes são tituladas em negritos pelos versos 1- “Meu caminho é heterodoxo”, 2- “Meu caminho é poético”, 3- “Meu caminho é literário”. A conclusão do poema está nos versos em negrito: “No desvão das entrelinhas/ encontro o sentido da vida”


                 Em POÉMÁQUA... sentimos o escritor diante da realização de sua obra, compartilhamos seus anseios e observamos seus objetivos, enriquecemo-nos com o saber que transmite nas imagens verbais e visuais. Muitos poemas trazem dedicatórias, afirmando a afetividade, a admiração ou o reconhecimento de Jô a poetas franceses, como Rimbaud, ou a escritores brasileiros, como Guimarães Rosa, a obras brasileiras ou estrangeiras como Dom Quixote, e Grande sertão, a amigos como o seu cardiologista, Jorge Elias e, gentilmente, me inclui nas dedicatórias com ERRÂNCIA/ ERRANCE (p. 28-31)depois de uma aquarela, em homenagem a Cervantes com a figura de dois cavaleiros, alegoricamente representando Sancho Panza e Dom Quixote, um no seu burrinho e o outro no seu cavalo o Rocinante, numa paisagem onde se encontram moinhos de vento.

                Heidegger, em a Arte e poesia, afirma que a essência da arte é colocar a verdade do ser e esta é o belo. E em POÉMÁQUA..., a verdade da arte poética de Jô está em ilustrar a mensagem de dois aspectos: o poético da pintura e o do poema. Em cada aquarela encontra-se a essência poética e, nesse jogo, entre a palavra e a imagem, Jô brinca com as letras, colore um mundo de formas e técnicas.  Ler os poemas contidos nessa obra é viajar por um campo cultural rico e sensível.

                Enfim, a arte poética não é só confissão do artista. É onde ele encontra ecos de sinceridade de todos os homens, onde se torna, com sua arte, o porta voz da humanidade nos destaque que dá aos arquétipos humanos. Como o intérprete de cada um de nós, Jô Drumond diz, de uma maneira admirável e autêntica, o que nos falta para a manifestação de nossa emoção, não porque nos quer ensinar nada, mas porque procura apresentar-nos o objeto de sua revelação.