Jô Drumond
Após exaustivo dia de turismo sob o sol escaldante do Rio de
Janeiro, decidi visitar o Palácio do Catete, antiga residência dos presidentes
da República. Como já passava das 17h00, o palácio estava fechado, mas os
jardins se descortinavam com palmeiras imperiais, árvores frondosas, lagos e
gruta com cascata. Logo na entrada, fui atraída pela cadência de samba de uma
roda composta exclusivamente de idosos, todos eles de cabelinhos de algodão. A
cada momento chegava novo músico, instrumento à mão, e se alojava junto aos
demais.
Após cansativas andanças, nada melhor poderia acontecer.
Tomei assento para apreciar o som e o frescor da tarde. Ao término de cada
música um dos presentes se levantava e puxava outra, no que era prontamente
acompanhado pelos instrumentistas de plantão. Percebi que todos se conheciam.
Parecia amizade antiga. A chegada de cada um era motivo de júbilo para os
demais. A faixa etária ultrapassava a casa dos setenta. Alguns, apesar de bem
velhinhos, com dificuldade de locomoção, pareciam voltar no tempo. Arriscavam
gingados e passinhos de samba.
Conversei com um deles. Soube que se reúnem
diariamente no mesmo local e no mesmo horário, com a única finalidade de passar
o tempo cantando e ouvindo música. Fiquei encantada com a ideia. Em vez de
ficarem em casa remoendo as dores e os achaques da idade diante de um
televisor, optam por algo que faz bem à alma, em todas as idades. As amizades
me pareciam sólidas, oriundas de antigos carnavais.
O repertório variava
segundo o participante da vez, que puxava a música de sua preferência: serestas,
chorinhos, mas, sobretudo samba. Afinal estávamos em plena cidade maravilhosa.
“Eu sou o samba, (puxou um o pandeirista) natural daqui do Rio de Janeiro...
sou eu quem leva a alegria, para milhões de corações brasileiros.”
No dia seguinte, estando próxima ao palácio do Catete no
final da tarde, resolvi conferir se estavam lá. Como era de se esperar, as
mesmas pessoas da véspera “batiam o ponto” na roda musical com a mesma alegria
e descontração. Porém, o grupo estava bem maior. Cerca de cinquenta ou sessenta
participantes. Puxei uma cadeira e fiquei um bom tempo observando as expressões
e as reações de cada um. Pareciam estar todos de bem com a vida.
Quando chegar à idade deles, gostaria de participar de algo similar. Bom seria se a ideia desse grupo se espalhasse pelo mundo, “levando a alegria para milhões de corações” cansados, combalidos ou descompassados. Cada minuto dessa “vida besta”, que pode ser bela, vale a pena ser bem vivido.
*Jô Drumond (Josina Nunes Drumond)
Membro de 3 Academias de Letras (AFEMIL, AEL, AFESL)e do Instituto
Histórico (IHGES)