segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

A DESCONSTRUÇÃO DE UM MITO

Jô Drumond

“O martírio de Tiradentes” – Óleo sobre
 tela, de Francisco Aurélio Figueiredo
 e Melo (1854 – 1916) 
Tudo que se aprende nos livros escolares de História corresponde à visão oficial do poder constituído. O livro de autoria de Júlio José Chiavenato, As várias faces da Inconfidência Mineira, foi concebido com o intuito de desmitificar a Inconfidência Mineira. Faz parte da coleção “Repensando a História”, coordenada por Jaime Pinsky e Paulo Miceli. Tal coleção tem como objetivo desmitificar visões consagradas, ao desenvolver a visão crítica, a análise e a reformulação de temas históricos.

A leitura do livro soou, para mim, como advertência: cuidado com o que se ouve e com o que se aprende nos bancos escolares! A verdade tem muitas faces!

Chiavenato faz um retrato irônico, muito bem fundamentado, do aspecto consuetudinário da antiga Vila Rica, com suas mazelas sociais, políticas e financeiras.

Focalizaremos aqui apenas a figura do mártir da Inconfidência. O autor começa abordando a embromação ideológica da historiografia oficial, ao forjar heróis como exemplo de boa conduta. Foi o caso de Tiradentes, herói criado no ensejo da Proclamação da República, como símbolo da luta pela liberdade e pela dignidade republicana. A ditadura militar de 1964 oficializou o herói e tornou-o patrono da nação brasileira, pela lei 4897. A partir de então, por meio do decreto 58.168, sua imagem passou obrigatoriamente a representá-lo de barba longa. Sabe-se que ele, como alferes, não podia usar barba. Sabe-se também que morreu careca, pois os prisioneiros tinham a cabeça raspada. Sua imagem oficial, de túnica, barba e cabelos longos, assemelha-se a uma santidade qualquer, não à imagem de um beberrão que falava pelos cotovelos e que gritava “Viva a República!” pelas ruas de Vila Rica. Alvo de chacotas, passava pelas boticas de Vila Rica falando da rebelião (que deveria ser mantida em segredo). Tanto é que o governador Cunha de Menezes não deu atenção à primeira denúncia do levante, ao ser informado que tais boatos procediam de Tiradentes.

– Só se for um levante de putas! – disse ele.

Tiradentes foi considerado também homem de caráter duvidoso, por ter engravidado a menor Antônia Maria do Espírito Santo, que o processou por ter sido seduzida com promessas de casamento. Segundo consta, aos quarenta anos, usou da violência para retirar a menina de casa, o que não caracteriza “arroubo de juventude”. Com ela teve uma filha de nome Joaquina. Segundo o autor, uma “fraqueza moral” o fazia cair de amores pelas mulatinhas faceiras de Vila Rica. Na historiografia oficial consta que ele teria tido com Eugênia Maria de Jesus um filho chamado João de Almeida Brandão.

Tiradentes era também considerado meio louco devido a planos mirabolantes e inviáveis para o Rio de Janeiro, como, por exemplo, a solução para o problema de abastecimento de água, a construção de moinhos populares, movidos a água, e também a construção de armazéns para guardar mercadorias desembarcadas.

Tinha dois apelidos: o de “Gramaticão”, pelo fato de andar sempre com dois livros debaixo do braço: um dicionário de francês e a tradução francesa da Constituição dos Estados Unidos; e o de “O República”, pela mania de gritar “Viva a República!” a qualquer momento.

Chiavenato retrata o lado torpe de Tiradentes, não para denegrir o herói, mas para mostrar que ele era simplesmente um homem “demasiadamente humano”, sujeito a todas as vicissitudes dos simples mortais. Por outro lado, afirma que Tiradentes pode ser considerado, sim, herói da Inconfidência, pelo fato de ter enfrentado tudo com dignidade e por ter-se apresentado como único culpado, para inocentar seus companheiros. Além de não se defender, clamou para si toda a culpa do levante.

Segundo o autor, a Inconfidência é considerada por alguns como um movimento libertário relevante, e por outros, como movimento de pouca importância, pelo fato de não ter modificado a estrutura política. Apesar de não ter modificado a estrutura política, ela foi importante porque a repressão fortaleceu o domínio de Portugal e criou novas relações políticas entre a colônia e a metrópole.

Os inconfidentes podem ser considerados tanto idealistas quanto sonegadores oportunistas. De todos eles Tiradentes era o mais frágil. Não era rico, não tinha latifúndio, nem família importante. Era apenas um idealista inconsequente e um ótimo “bode expiatório”. Sua morte serviria de exemplo, sem causar nenhum problema aos poderosos.

O autor pinta os três célebres poetas Alvarenga Peixoto, Tomás Antônio Gonzaga e Cláudio Manoel da Costa, grandes nomes em prol de uma causa heroica, como conspiradores da República, mas também como corruptos. Além de sonegar impostos, eram traidores da coroa portuguesa. Contrabandeavam riquezas e atuavam como intermediários para negociatas com o governo colonial.
Atualmente circula na internet um texto assinado por Guilhobel Aurélio Camargo, que pode despertar o interesse dos pesquisadores quanto à suposição de um (falso) enforcamento.
Sabe-se que Tiradentes era maçom assíduo às reuniões e que há evidências documentais, nos Autos da Devassa, da participação da Maçonaria na Inconfidência. Segundo consta, os maçons brasileiros foram encorajados, na tentativa de libertação, pela história dos Estados Unidos da América, onde saíram vitoriosos George Washington, Benjamin Franklin e Thomas Jefferson.  Alega-se que a Maçonaria, muito forte naquela época, provavelmente não admitiria que um de seus membros fosse enforcado em praça pública, o que seria uma indignidade para a entidade. Com base nisso, afirma-se que quem foi enforcado, no lugar de Tiradentes, foi um ladrão comum, condenado à forca.

Em 21 de abril de 1792, com a ajuda de companheiros da Maçonaria, foi trocado por um ladrão, o carpinteiro Isidro Gouveia. O ladrão havia sido condenado à morte em 1790 e assumiu a identidade de Tiradentes, em troca de ajuda financeira à sua família, oferecida a ele pela Maçonaria. Gouveia foi conduzido ao cadafalso e testemunhas que presenciaram a sua morte se diziam surpresas porque ele aparentava ter bem menos que seus 45 anos. No livro, de 1811, de autoria de Hipólito da Costa ("Narrativa da Perseguição") é documentada a diferença física de Tiradentes com o que foi executado em 21 de abril de 1792. O escritor Martim Francisco Ribeiro de Andrada III escreveu no livro "Contribuindo", de 1921: "Ninguém, por ocasião do suplício, lhe viu o rosto, e até hoje se discute se ele era feio ou bonito..." (Informação extraída da internet. Acesso em 13/12/15 http://spfc.terra.com.br/comunidade2.asp?nID=371 ) 

 Tiradentes era pouco conhecido no Rio, onde foi enforcado, de modo que não seria difícil montar a farsa. Sua cabeça, que deveria ficar exposta na praça central de Vila Rica desapareceu misteriosamente na primeira noite, o que teria impossibilitado o reconhecimento por parte dos amigos e familiares.

Há quem acredite tê-lo visto na Europa, após a Inconfidência. Não há nada de concreto nessas especulações. Não se faz história com suposições, mas, de qualquer forma, elas incitam a busca de novas descobertas que possam mudar os registros históricos.

*Jô Drumond (Josina Nunes Drumond)
Membro de 3 Academias de Letras (AFEMIL, AEL, AFESL)e do Instituto Histórico (IHGES)