Jô Drumond
“O martírio de Tiradentes” – Óleo sobre
tela, de Francisco Aurélio Figueiredo
e Melo (1854 – 1916)
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Tudo que se aprende nos
livros escolares de História corresponde à visão oficial do poder constituído.
O livro de autoria de Júlio José Chiavenato, As várias faces da
Inconfidência Mineira, foi concebido com o intuito de desmitificar a
Inconfidência Mineira. Faz parte da coleção “Repensando a História”, coordenada
por Jaime Pinsky e Paulo Miceli. Tal coleção tem como objetivo desmitificar
visões consagradas, ao desenvolver a visão crítica, a análise e a reformulação
de temas históricos.
A leitura do livro
soou, para mim, como advertência: cuidado com o que se ouve e com o que se
aprende nos bancos escolares! A verdade tem muitas faces!
Chiavenato faz um
retrato irônico, muito bem fundamentado, do aspecto consuetudinário da antiga
Vila Rica, com suas mazelas sociais, políticas e financeiras.
Focalizaremos aqui
apenas a figura do mártir da Inconfidência. O autor começa abordando a
embromação ideológica da historiografia oficial, ao forjar heróis como exemplo
de boa conduta. Foi o caso de Tiradentes, herói criado no ensejo da Proclamação
da República, como símbolo da luta pela liberdade e pela dignidade republicana.
A ditadura militar de 1964 oficializou o herói e tornou-o patrono da nação
brasileira, pela lei 4897. A partir de então, por meio do decreto 58.168, sua
imagem passou obrigatoriamente a representá-lo de barba longa. Sabe-se que ele,
como alferes, não podia usar barba. Sabe-se também que morreu careca, pois os
prisioneiros tinham a cabeça raspada. Sua imagem oficial, de túnica, barba e
cabelos longos, assemelha-se a uma santidade qualquer, não à imagem de um
beberrão que falava pelos cotovelos e que gritava “Viva a República!” pelas
ruas de Vila Rica. Alvo de chacotas, passava pelas boticas de Vila Rica falando
da rebelião (que deveria ser mantida em segredo). Tanto é que o governador
Cunha de Menezes não deu atenção à primeira denúncia do levante, ao ser
informado que tais boatos procediam de Tiradentes.
– Só se for um
levante de putas! – disse ele.
Tiradentes foi
considerado também homem de caráter duvidoso, por ter engravidado a menor
Antônia Maria do Espírito Santo, que o processou por ter sido seduzida com
promessas de casamento. Segundo consta, aos quarenta anos, usou da violência para
retirar a menina de casa, o que não caracteriza “arroubo de juventude”. Com ela
teve uma filha de nome Joaquina. Segundo o autor, uma “fraqueza moral” o fazia
cair de amores pelas mulatinhas faceiras de Vila Rica. Na historiografia
oficial consta que ele teria tido com Eugênia Maria de Jesus um filho chamado
João de Almeida Brandão.
Tiradentes era também
considerado meio louco devido a planos mirabolantes e inviáveis para o Rio de
Janeiro, como, por exemplo, a solução para o problema de abastecimento de água,
a construção de moinhos populares, movidos a água, e também a construção de
armazéns para guardar mercadorias desembarcadas.
Tinha dois apelidos:
o de “Gramaticão”, pelo fato de andar sempre com dois livros debaixo do
braço: um dicionário de francês e a tradução francesa da Constituição dos
Estados Unidos; e o de “O República”, pela mania de gritar
“Viva a República!” a qualquer momento.
Chiavenato retrata o
lado torpe de Tiradentes, não para denegrir o herói, mas para mostrar que ele
era simplesmente um homem “demasiadamente humano”, sujeito a todas as
vicissitudes dos simples mortais. Por outro lado, afirma que Tiradentes pode
ser considerado, sim, herói da Inconfidência, pelo fato de ter enfrentado tudo
com dignidade e por ter-se apresentado como único culpado, para inocentar seus
companheiros. Além de não se defender, clamou para si toda a culpa do levante.
Segundo o autor, a
Inconfidência é considerada por alguns como um movimento libertário relevante,
e por outros, como movimento de pouca importância, pelo fato de não ter
modificado a estrutura política. Apesar de não ter modificado a estrutura
política, ela foi importante porque a repressão fortaleceu o domínio de
Portugal e criou novas relações políticas entre a colônia e a metrópole.
Os inconfidentes
podem ser considerados tanto idealistas quanto sonegadores oportunistas. De
todos eles Tiradentes era o mais frágil. Não era rico, não tinha latifúndio,
nem família importante. Era apenas um idealista inconsequente e um ótimo “bode
expiatório”. Sua morte serviria de exemplo, sem causar nenhum problema aos
poderosos.
O autor pinta os três
célebres poetas Alvarenga Peixoto, Tomás Antônio Gonzaga e Cláudio Manoel da
Costa, grandes nomes em prol de uma causa heroica, como conspiradores da
República, mas também como corruptos. Além de sonegar impostos, eram traidores
da coroa portuguesa. Contrabandeavam riquezas e atuavam como intermediários
para negociatas com o governo colonial.
Atualmente circula na
internet um texto assinado por Guilhobel Aurélio Camargo, que pode despertar o
interesse dos pesquisadores quanto à suposição de um (falso) enforcamento.
Sabe-se que Tiradentes
era maçom assíduo às reuniões e que há evidências documentais, nos Autos da
Devassa, da participação da Maçonaria na Inconfidência. Segundo consta, os
maçons brasileiros foram encorajados, na tentativa de libertação, pela história
dos Estados Unidos da América, onde saíram vitoriosos George Washington,
Benjamin Franklin e Thomas Jefferson. Alega-se que a Maçonaria, muito
forte naquela época, provavelmente não admitiria que um de seus membros fosse
enforcado em praça pública, o que seria uma indignidade para a entidade. Com
base nisso, afirma-se que quem foi enforcado, no lugar de Tiradentes, foi um
ladrão comum, condenado à forca.
Em 21 de abril de 1792, com a ajuda de companheiros da Maçonaria, foi trocado por um ladrão, o carpinteiro Isidro Gouveia. O ladrão
havia sido condenado à morte em 1790 e assumiu a identidade de Tiradentes, em
troca de ajuda financeira à sua família, oferecida a ele pela Maçonaria.
Gouveia foi conduzido ao cadafalso e testemunhas que presenciaram a sua morte
se diziam surpresas porque ele aparentava ter bem menos que seus 45 anos. No
livro, de 1811, de autoria de Hipólito da Costa ("Narrativa da
Perseguição") é documentada a diferença física de Tiradentes com o que foi
executado em 21 de abril de 1792. O escritor Martim Francisco Ribeiro de
Andrada III escreveu no livro "Contribuindo", de 1921: "Ninguém,
por ocasião do suplício, lhe viu o rosto, e até hoje se discute se ele era feio
ou bonito..." (Informação extraída da internet. Acesso em 13/12/15 http://spfc.terra.com.br/comunidade2.asp?nID=371 )
Tiradentes era
pouco conhecido no Rio, onde foi enforcado, de modo que não seria difícil
montar a farsa. Sua cabeça, que deveria ficar exposta na praça central de Vila
Rica desapareceu misteriosamente na primeira noite, o que teria impossibilitado
o reconhecimento por parte dos amigos e familiares.
Há quem acredite tê-lo visto na Europa,
após a Inconfidência. Não há nada de concreto nessas especulações. Não se faz
história com suposições, mas, de qualquer forma, elas incitam a busca de novas
descobertas que possam mudar os registros históricos.
*Jô Drumond (Josina Nunes Drumond)
Membro de 3
Academias de Letras (AFEMIL, AEL, AFESL)e do Instituto Histórico (IHGES)