Com o recrudescimento da pandemia, calou-se o riso. Após um ano de confinamento domiciliar, sinto falta de nosso Clube do Riso, que acontecia eventualmente nos fins de semana, na Mata Atlântica. Alguns sitiantes vizinhos confluíam para nosso sítio com a finalidade de, como se diz popularmente, “desopilar o fígado”, ou “rir a bandeiras desfraldadas”. Isso afastava, mesmo que momentaneamente, todo e qualquer tipo de preocupações, tensões e problemas. Eram bons momentos de alegria e de convivialidade. A condição para participar dos encontros era a de contar anedotas, piadas ou casos engraçados, reais ou fictícios.
A meu ver, as reuniões para rir são mais saudáveis que aquelas para se encharcar de bebida alcoólica, para falar da vida alheia, para ouvir latumias de hipocondríacos, discutir política ou assuntos profissionais.
Essa ideia não surgiu do nada. Durante cinco anos, graças a diversas leituras feitas sobre a teoria dos mecanismos do riso, para uma pesquisa acadêmica, acabei descobrindo diversas curiosidades culturais concernentes à derrisão. Vejamos algumas delas:
Entre os chineses, quando alguém é convidado a jantar em casa de amigos, é de bom tom levar consigo canções e histórias cômicas ou anedotas, para provocar o riso. Na China, há a crendice de que a pessoa deve rir fragorosamente 12 vezes por dia, para atingir a sabedoria.
Na chegada da primavera, os esquimós se reúnem para contar casos. Segundo consta, tais relatos devem provocar boas gargalhadas. Acredita-se que eles riem para esquecer o frio e a grande solidão da noite polar. O ritual do riso nessa época do ano está seguramente vinculado aos rituais antigos concernentes à fecundação da terra. Outro dado interessante é que o riso é usado entre eles para resolver conflitos pessoais dentro de suas comunidades, por meio de simulação de lutas cômicas. Serve também para incitar ao amor. Entre os esquimós, a expressão "rir juntos" significa "fazer amor".
Em regiões da Índia e da África, a hilaridade é signo de liberação e de sabedoria. Alguns povos contam anedotas ou farsas e selecionam na plateia, segundo a reação de cada um, os discípulos que merecem receber ensinamentos. Há espectadores que gargalham antes dos outros pelo fato de captarem mais rapidamente a comicidade da cena.
O riso é reconhecidamente contagiante. Muitas vezes ele é provocado pela gargalhada do vizinho e não pela cena. O contágio do riso coletivo é notório. Normalmente, uma pessoa sozinha lendo um livro ou vendo televisão não ri escandalosamente, nem aplaude calorosamente.
Existem lendas referentes ao riso, como a da bela princesa que nunca ria. O rei teria oferecido sua mão àquele que a fizesse rir.
No Paquistão, acredita-se que há um tipo de veneno muito raro. Se alguém o ingerir está arriscado a morrer de rir.
Na primeira metade do século XVI, a escola de medicina de Montpellier, França, empenhava-se na virtude curativa do riso. Faziam-se estudos sobre a importância do "médico alegre" no tratamento das doenças e sobre o relacionamento entre médicos e pacientes. Estudava-se a possibilidade de usar o riso para melhorar a qualidade de vida e de amenizar o sofrimento.
No Brasil, uma ONG chamada “Doutores do Riso”, formada por pessoas fantasiadas de palhaço, treinadas em oficinas de clowns, atua em hospitais, asilos, orfanatos e instituições afins, com essa mesma finalidade.
Dizem que os ocidentais riem menos que os orientais. Acredita-se que a cultura ocidental tende a privilegiar o hemisfério esquerdo do cérebro, responsável pela lógica e pela razão. Mas isso varia de país para país. Os povos de língua latina, por exemplo, são considerados mais alegres que os de língua anglo-saxônica ou germânica. Os europeus são unânimes em considerar o brasileiro um povo alegre e descontraído.
A exemplo disso, os restaurantes e bares franceses são silenciosos. Todos falam em voz baixa. Sabe-se que na França não é de bom tom falar em voz alta, em público. Não se ouvem falatórios ou gargalhadas em bares, em restaurantes, nem nos meios de transporte. Certa vez ouvi de um francês que, quando se vê um grupo falar alto e rir fragorosamente em um ambiente desse tipo, automaticamente os demais sussurram com ares de reprovação: sûrement, ce sont des brésiliens. (com certeza, são brasileiros)
Talvez a alegria latente do brasileiro seja a razão do sucesso de nosso Clube do Riso. Lamentamos sua desativação temporária, durante a pandemia. Se não houvesse o distanciamento social compulsório, esse tipo de encontro seria muito salutar nesse longo e tenebroso período de sofrimento, de tristeza, de luto e de choro, que estamos atravessando. As estatísticas desse início de abril computam mais de 330.000 mortes no Brasil e quase três milhões em todo o mundo. Como a vacina tarda a chegar e como ainda não há remédio contra o vírus corona, continua valendo o ditado popular: “rir é o melhor remédio”.
Jô Drumond
04.04.2021
RETORNO DOS LEITORES
M. AVANI B. ROYSTER - SÃO PAULO
Jô, por alguma razão não consigo fazer o comentário direto no blog, então faço para vc, aqui. Parabéns, mais uma vez. Vc fez um ótimo expoente do que vivemos no momento. Vc, pessoalmente, teve razões imperiosas para derramar as lágrimas de março, abril, maio... mas deu a volta por cima e continua a compartilhar suas crônicas que expressam também os sentimentos de muitos nesses tempos tenebrosos de pandemia. Admiro sua coragem. Continue assim. Quem sabe conseguimos continuar a enganar a morte e voltar aos tempos de risos que estão ainda escondidos no futuro?
GILSON NUNES TEIXEIRA – UBERABA - MG
Nesses tempos difíceis, ainda que o número de mortes seja tão alto, sinto-me privilegiado por pertencer a esta nação que faz o riso contagiar. Nunca o riso fez tanta falta como agora. O riso continua essencial para a vida e lamento ser “o melhor remédio”.
TEREZINHA NUNES SILVEIRA – UBERLÂNDIA _ MG
Muito bem. Infelizmente nesse tempo de pandemia o riso está contido, enquanto a tristeza se expande.
Abração.
MARIA DA PENHA FRANZOTTI DONADELLO – MATHILDE - ES
Adorei a crônica sobre o riso. Eu não sabia que, em certos países, as pessoas se reúnem para rir. Sempre pensei em reunir amigos em minha casa, para rirmos juntos, a partir de piadas. Achei genial. Depois, gostaria de conversar pessoalmente com você sobre isso.
Você tem essas crônicas em livro? Gostaria de tê-las em mãos. É melhor que ler na telinha do celular
JÚLIA MARIA RIBEIRO DE CARVALHO – VITÓRIA - ES
Jô, muito querida, mais uma vez você nos presenteia nessa fase de tanta dor, com um tema tão bem colocado, que a saudade e a espera por um riso solto se tornam mais leves.
Somando, meu lado cultural está ficando vaidoso.
REGINA MENEZES – VITÓRIA - ES
Rir, desopilar o fígado para chegar à sabedoria.
Sabe, amiga! Adorei o texto. Se fosse possível, poderia dizer que achei até melhor que os outros.
Sabe? Ri até, com as lembranças que tive. Acho mesmo que desopilei o fígado, como dizíamos em nossos encontros fraternos com familiares e amigos.
Sua escrita é agradável e o registro de suas lembranças é feito com maestria. O leitor se envolve no ritmo e na música de sua criatividade.
ÍTALO CAMPOS – VITÓRIA - ES
Rir é necessário. Freud tem reflexões sobre o assunto.
MARIA JOSÉ NUNES – PATOS DE MINAS - MG
Completando, o riso é o melhor remédio para não chorar.
Certa vez, fui com um dos filhos levar a neta para vacinar. A pobre Ana Clara com seus 5 anos, começou a chorar. Aí, eu comecei a fazer graça diante dela, macaquices. Então, ela começou a rir. Naquele momento a moça inseriu a vacina. Ela sentiu a picada e fez cara de choro. Forcei a risada, ela entrou na brincadeira e acabou a tensão.
MARIA DA CONSOLAÇÃO ROSA – PATOS DE MINAS - MG
Mais um artigo de grande relevância, que nos informa e faz rir! Parabéns! seu texto ficou ótimo! E como sempre, enquanto não chega ao final da leitura, a gente não consegue parar de ler! Muito obrigada por mais um artigo!!!
BEATRIZ NUNES – PATROCÍNIO - MG
Jô, a pandemia trouxe o medo. As pessoas estão se sentindo tolhidas de liberdade, mas sofrimento não é ter que ficar em casa; é lutar contra um inimigo invisível, possivelmente criado em laboratório chinês, um vírus que está levando embora tanta gente. Abs.
VANDA LUÍZA – VITÓRIA - ES
Ótimo texto, Jô! Lembra coisas antigas... confesso que estou sem jeito para rir, me sinto culpada em meio a tanta tristeza. Será que algum poderemos voltar ao normal?
MARIA LUCIA TEIXEIRA DE SOUZA - VITÓRIA - ES
Maravilhoso!!! Como sempre. Um grande abraço. 💕
MARIA DE LOURDES PEREIRA – BRASÍLIA - DF BSB
É...rir é realmente o melhor remédio. Chorar de...RIR!
DENISE MORAES – VITÓRIA – ES
Jo, li as duas últimas crônicas, estava em falta com a penúltima.
Generalizando o sentido das temáticas, pensei em quem nunca deixo de lembrar, minha mãe. Ela, apesar de ter apreço por seus bens materiais, não os valorizava quando se tratava em ser solidária com alguém necessitado, e sempre dizia que não se pode ignorar o próximo necessitado, mesmo que seja desconhecido. Hoje entendo sua filosofia de vida. Ela vivia em paz consigo mesma e com o coração leve. Esse isolamento tem me feito lembrar o quanto é importante viver, ter liberdade e paz.
Quanto aos franceses, minha prima que mora na França, diz que só pode ser “brazuca” (na linguagem dos familiares de seu marido).
Lamento muito pelas perdas.
Que Deus nos proteja.
JAÇANAN – VITÓRIA - ES
Interessante essa aldeia indígena com esse amor livre, não tinha ouvido falar nada sobre eles.