Nesta manhã, ao abrir os olhos, recebi a triste notícia de que meu amigo Gabriel havia fechado os dele para sempre. Foi levado pela mão da Covid 19, na viagem sem volta, para a qual somos todos candidatos involuntários.
Outras epidemias existiram, ao longo dos séculos, mas, na época em que os transportes eram movidos a capim, não se disseminavam com tanta rapidez. Na virada deste decênio, a Covid 19 (Corona Virus Disease 2019) poderia ter ficado restrita à cidade de Wuhan, na China, mas obteve o efeito metafórico de “bola de neve”, avolumando-se numa velocidade vertiginosa, e tornando-se potencialmente desastrosa para a saúde pública e para a economia do mundo todo. De janeiro a abril de 2020 infectou mais de cinco milhões e matou cerca de trezentas mil pessoas em todo o mundo. O vírus viaja clandestinamente de um continente a outro, de avião ou de navio, sem pagar passagem e sem pedir licença. A pandemia veio para “balançar o galho”, como se diz no interior de Minas. Seria como se estivéssemos todos sobre um mesmo galho, balançado freneticamente por ela, com o sadismo de se deleitar com o “despencamento”. Nessa brincadeira, os frutos mais maduros (acima de 60 anos) caem com maior facilidade.
Dizem que para toda doença há uma cura, no entanto há que encontrá-la. Como ainda não existe vacina, nem tratamento para essa pandemia, o melhor que se faz é o isolamento social, sobretudo dos idosos e de pessoas vulneráveis (com doenças pré-existentes). Apesar do confinamento, para se contagiar basta que um intermediário transporte, em si ou nas compras de víveres, o maldito vírus para um grupo de risco. Caso um confinado se infecte, todos se infectarão, não por solidariedade, evidentemente. Acontece o que se chama “efeito curral”. Por infelicidade, isso tem ocorrido em asilos.
O chamado lockdown não pode ser duradouro. Seus efeitos são também devastadores. A classe rica se “desenrica”; a média se empobrece; a pobre se “miserabiliza” e morre de inanição.
Em pouco tempo, a Covid ganhou todos os continentes, todas as metrópoles, disseminou-se invisível e silenciosamente até chegar aos nossos vizinhos, aos nossos amigos, à nossa família.
Certa mãe, inconsolável pela morte de uma filha de 15 anos, declarou nas redes sociais ter perdido o fervor religioso que a havia acompanhado desde sempre. Não foi por falta de oração, disse ela. Centenas de joelhos se calejaram, de tanto orar por seu restabelecimento, em vão. Revoltada, a mãe declarou: “Se Deus existe, deve estar de férias ou está de sacanagem conosco.”
Outro internauta respondeu jocosamente que talvez ele tenha se cansado de esperar pela Terceira Guerra Mundial e tenha resolvido criar o coronavírus para diminuir o índice populacional do planeta, que ultrapassa os sete bilhões.
Uma terceira pessoa pegou o bonde andando e questionou: “Mas e o ‘crescei-vos e multiplicai-vos’ da Bíblia?”
A segunda retrucou: “Isso é conversa mole! Ordena a multiplicação e, ao mesmo tempo, cria o pecado original? Onde já se viu? kkkkkkkkkk”
Não entrei na conversa. Evito temas polêmicos. Sabe-se que desde a antiguidade, o Ser humano sente necessidade de crer em alguma divindade. Talvez sua pequenez, sua vulnerabilidade diante da morte e a incompreensão do sentido de existir tenham engendrado um sem-número de religiões e de seitas, todas elas com o afã de ajudar o Ser a ser feliz, ou, pelo menos, a aceitar o inexplicável com tranquilidade e resignação. A pessoa crê ou não crê. Ponto final. Os politeístas acreditam em vários deuses; os monoteístas em um só; os ateus em nenhum. Deus criou a criatura ou foi por ela criado? Que diferença faz? Para alguns, faz toda a diferença; para outros, nenhuma. É inútil discutir tema tão polêmico.
Voltemos ao que desencadeou tudo isso: a morte de meu amigo Gabriel. Ele era um dos leitores mais assíduos de minha coluna do jornal virtual www.acontecendoonline.com.br. Pedia-me que lhe enviasse todos os meus escritos, pela internet. Sempre me dava um retorno carinhoso, a cada nova leitura. Perdi um amigo e um grande incentivador.
Estou abalada e triste com a perda. Há quem acredite em vida após a morte e/ou em outras vidas. Quem sabe, mais dia, menos dia, reencontremos em outra dimensão as pessoas queridas que partiram antes de nós? Na impossibilidade disso, há, pelo menos, o consolo de se ter essa esperança. Ela não “é a última que morre”? Filosofia e metafísica andam de mãos dadas sobre um precipício de profundezas abissais.
Jô Drumond – 21-05-2020