sábado, 29 de dezembro de 2018

NICHO DE CORNICHOS (CORNOS E REGA-BOFES)

Pelos idos de 1950, nos recônditos do sertão mineiro, na região da Charneca, Jacintho, chamado afetivamente de Jacintim, andava de chamego com a mulher de seu compadre José Manoel, conhecido também como Zé Mané, vulgo Manezim. Desconfiado da infidelidade dos dois, o marido traído disse que ia viajar. Arreou seu cavalo baio e partiu. Amarrou-o no tronco de uma árvore, na primeira capoeira, voltou a pé, e se escondeu na tulha. O esperado aconteceu. Se bem o pensou, melhor o fez. Quando o infiel compadre entrou para o quarto de casal, ele aguardou um pouco mais e saiu da tulha, com o intuito de pegar os dois em pleno pecado da luxúria. Desprevenido, Jacintim saiu em disparada, como veio ao mundo. Zé Mané pegou suas roupas e disse à mulher que as devolvesse ao fujão. O dia do casal transcorreu na santa Paz, como se nada houvesse acontecido.

No dia seguinte, Jacintim recebeu um recado de seu compadre, convidando-o para uma prosa. Receoso, ficou em dúvida se atendia ao chamado ou se fugia. Esperava o pior. Carregou seu 38, colocou-o na cintura e partiu apreensivo, com um pé atrás. Imaginava mil cenas possíveis. O que faria se estivesse no lugar de seu compadre? Com certeza, boa coisa não seria. Era caso de vida ou morte. Em tempos de antanho, seria motivo de duelo. No meio do caminho, resolveu arrepiar carreira. Puxou o cabresto, a rédea, e virou o cavalo de volta para casa. Não cometeria uma asneira daquelas. Era situação deveras complicada. Marchou meia légua e parou à sombra de um ingazeiro, para matutar. Apeou e acendeu um pito de palha. Tinha que organizar as ideias. Caso não atendesse ao chamado, seria considerado medroso e covarde ad aeternum. Era homem de brios. Não poderia tornar-se motivo de chacotas, na região. O melhor seria enfrentar o que viesse pela frente. Se era para morrer ou matar, fazer o quê? O trintaeoitão carregado e a excelente pontaria que sempre tivera o tranquilizavam, em parte.

- Com tanta mulher no mundo, meu Deus, por que fui bulir logo com a comadre? - perguntava a si próprio - Não sou o único culpado. Ela sempre me deu trela: olhares de soslaio, sorrisos brejeiros, ares maliciosos, o balanço das ancas, da cozinha para a sala de visitas. Era mais graciosa comigo que com os demais. Estou certo disso. Gostava de exibir seu decote recheado de predicados, ao me servir cafezinho. Puxa vida! Não tenho sangue de barata!

Num rompante, jogou fora o pito, montou o bainho e cavalgou até o temido destino. Chegando lá, foi muito bem recebido pelo compadre. Engataram conversa sobre amenidades campesinas: a beleza dos pastos na invernada, a produção leiteira, a última safra, a comercialização dos produtos... jogaram conversa fora até a chegada do balanço das ancas, do decote e do cafezinho. Comadre Mariinha os serviu toda acanhada, sem olhar enviesado, sem sorrisinho zombeteiro. Seu semblante demonstrava um misto de medo, apreensão e interrogação. Olhava ora para um, ora para outro, sem dizer palavra. Servido o café, fez menção de sair. Quando ela pediu licença, o marido lhe determinou que tomasse assento e ouvisse a prosa. Dirigiu-se a Jacintim, que se mostrava muito tenso, cruzando e descruzando os dedos.

- Meu caro compadre, tenho muito apreço por sua pessoa e não quero ingresia consigo. De modo que, como você se enrabichou por minha Mariinha, a partir de agora ela é sua. Vou-me embora desta terra e aqui não volto mais. A casa e o terreno são dela. O telhado é meu. Você me paga o telhado, se não quiser vê-la exposta ao tempo. Só exijo uma coisa. Você vai ter que cuidar muito bem de minha Mariinha pelo resto da vida. Apesar de distante, vou ficar de olho. Se pisar na bola, será homem morto.

Jacintim não se encontrava em condições de recusar nada. Isaura, sua mulher, aperreada com o acontecido, não fez escândalo algum. Mineiramente, a artimanhosa esposa traída viabilizou um estratagema para se vingar do marido. Solicitamente, fez questão de ajudá-lo a cumprir o prometido. Preparava latas de carne conservada na banha de porco, rapaduras, queijos, polvilho, farinha de beiju, compotas variadas e demais víveres. Enviava-os à comadre Mariinha, por meio de Salustiano, um jovem vaqueiro de sua fazenda, viril e muito bem-apessoado. Para alegria e alívio da patroa, o esperado aconteceu. Em pouco tempo, Salustiano se engraçou pela dita cuja e acabou tomando o lugar de Jacintho no coração da traidora. Cada vez mais amiúde, a patroa o encarregava da aprazível tarefa de levar até à amada, ao cair da noite, alguns ingredientes da baixa gastronomia, para o jantar dos deuses, preparado por sua Maricotinha (era assim que ele a chamava, na intimidade), com direito a pernoite e usufruto da deleitosa anfitrionagem.

A estratégia previamente estudada e posta em prática por Isaura, para propiciar o novo relacionamento de sua comadre, funcionou a contento. O jovem Salustiano, mais bonito e mais atraente que o descaído e alquebrado Jacintim, conseguiu tirar do caminho da esposa traída o estorvo capaz de revirar os miolos do marido e de perturbar sua insossa vida familiar. Tendo atingido o objetivo proposto, Isaura parou, por completo, a solicitude na preparação dos víveres.

Como penitência pelo desairoso ménage à trois, Jacintho teve que bancar, sozinho e pelo resto da vida, não apenas a comadre, mas também seu novo companheiro, que trocou a vida de vaqueiro pela doce vida de teúdo e manteúdo da vitalícia teudice e manteudice custeada por seu ex-patrão.


Jô Drumond