quinta-feira, 16 de novembro de 2017

DUPLA PERTENÇA

Meu corpo e eu somos “um”. Formamos um todo mais ou menos ambíguo, interdependente. Posso acabar com ele, mas ele também pode acabar comigo. Isso nos faz cúmplices um do outro. Se uma enfermidade nele se instala, um terceiro (o médico) intervém entre o eu-sujeito, e o eu-corpo-objeto. Torno-me simples observadora de mim mesma. De legítima dona, passo a importuna testemunha, a acompanhar o desenrolar dos fatos.
Recentemente, ao dar entrada em um centro cirúrgico, como paciente, tive a sensação de perda de integridade. Temporariamente, meu eu-sujeito deixou de existir. Era um mero corpo desnudo, tocado por mãos desconhecidas, alvo de agulhas, barbitúricos, bisturis e do que mais se fizesse necessário.  Minha vida ficou (in)voluntariamente em mãos alheias.  Ao voltar a mim, tentei não atrapalhar aqueles que cuidavam da dor do meu “corpo-objeto”, da dor que também era minha.

Meu corpo e eu somos “um”. Através dele me relaciono com o mundo circundante. Estranha dobradiça de dupla pertença. O sensível e o inteligível, distintos e interdependentes, se mesclam: relação conjuntiva de elementos disjuntos, irremediavelmente presos um ao outro.

Meu corpo e eu somos “um”. Sem mim, nada é; sem ele, nada sou. Sinto, se sente; vivo se vive. Juntos, somos um ser pensante e passante.