*Jô Drumond
Há algum tempo, nas pequenas aglomerações e vilarejos espalhados pelo
coração do Brasil havia pouca circulação de dinheiro vivo. Parte do comércio
funcionava na base da troca de mercadorias. Serviços prestados eram quitados
pelo que se tinha para pagar: cachos de bananas, sacos de mantimentos
(polvilho, farinha, feijão, arroz, entre outros), galináceos, suínos, bovinos
ou terrenos, dependendo da vultuosidade do negócio.
Jesuíno Badão, morador da zona rural, deslocou-se até o lugarejo mais
próximo, para contrair núpcias com sua amada Filomena, bem mais velha que ele,
mas ainda bem “sacudida”. Levou consigo uma pequena manada vacas leiteiras,
para oferecer à paróquia, em troca do ministério sacramental. O pároco não
poderia recusar tão vultosa doação, bem acima dos honorários normais dos
ministros de Deus. Daria para cobrir a tão desejada reforma da igrejinha, já
quase ruindo pela mão do tempo.
A primeira providência do pároco foi o preenchimento de uma ficha com os
dados dos nubentes: ambos lavradores, brasileiros, domiciliados na Fazenda do
Angico, perto da encruzilhada da Tronqueira.
̶ Nome completo, por favor!
̶ Jesuíno Badão dos Reis.
̶ Idade?
̶ 23 anos
̶ O nome da noiva, por favor!
̶ Jesuína Badão dos Reis
̶ Idade?
̶ 40 anos
̶ Vocês são parentes?
̶ Sim sinhô, seu padre, ela é minha mãe.
̶ O quê? Sua mãe? Você está louco? Isso é um sacrilégio!
̶ O que é sacrilégio?
̶ É um pecado muito grave! Gravíssimo! Não haverá casamento
algum. Podem voltar pra casa.
Cabisbaixo, Jesuíno coçou a cabeça timidamente e disse:
̶ Oh Mãe! Vamo tê que levá de vorta a manada de vaca que nois
trouxe pra igreja.
Ao ouvir o “abre-te sésamo”, o pároco decidiu voltar atrás. Porém, não
ficaria bem aceitar a doação em troca de um sacrilégio. Pediu aos noivos que
pacientassem um pouco. Foi à sacristia e voltou com um livro grosso e pesado.
Colocou-o sobre a mesa, folheou-o atentamente, como se estivesse procurando
algo. Os dois analfabetos, recolhidos à ignorância, só faziam observar. Nunca
haviam imaginado um livro com tantas letras. Dentro de uma batina preta, grande
crucifixo no peito, o entendido em letradices parecia-lhes o dono da verdade. A
palavra escrita era lei. Após meio quarto de hora, o veredicto final:
̶ Ah! Finalmente, achei o que estava procurando. Jesuíno, aqui diz
o seguinte: pelas leis naturais, você não pode se casar com outro homem.
Portanto, você não pode ser casar com seu pai, mas com sua mãe, tudo indica que
sim! E não carece de testemunhas.
*Jô Drumond (Josina Nunes Drumond)
Membro de 3 Academias de Letras
(AFEMIL, AEL, AFESL) e do Instituto Histórico (IHGES
Membro de 3 Academias de Letras
(AFEMIL, AEL, AFESL) e do Instituto Histórico (IHGES