domingo, 24 de novembro de 2019

PARATY PARA TI

                                         RUA DO FOGO
Uma das curiosidades de Paraty (RJ) é a Rua do Fogo. Trata-se de uma das poucas ruas da cidade que preservam o nome original. Antes de existir iluminação elétrica, a cidade de Paraty era totalmente iluminada por tocheiros, espalhados pelas ruas. Em determinada hora da noite, as tochas eram apagadas, com exceção das que iluminavam a Rua do Fogo, frequentada 24 horas por dia. Daí a razão de seu nome. Tratava-se da zona boêmia, ao lado do cais e de uma igreja.
Os marinheiros chegavam sedentos de prazer, após longa estada no mar e encontravam próximo ao porto o refrigério de suas agruras: mulheres belas, perfumadas e sedutoras para uma sessão de chamego e de descarrego da libido em troca de algumas moedas a mais no bolso para o pão cotidiano. Ao sair do meretrício, os pecadores tinham a chance de pedir perdão pelos pecados ali cometidos, na igreja Santa Rita de Cássia, estrategicamente construída junto à zona boêmia. Como sempre, os trocistas dão outra razão para a denominação de Rua do Fogo. Segundo eles, era ali que os marinheiros apagavam seu fogo, após longa abstinência sexual.
Tal rua hoje toda florida é uma das mais charmosas da cidade. Deveria se chamar de Rua das Flores.

Planejamento das ruas em forma de canaletas

As ruas, em pedras brutas, inicialmente abaixo do nível do mar, foram projetadas em forma de canaletas. Como só existia transporte equino, elas ficaram sujas de urina e de estrume de animal. A preamar lavava-as, e as canaletas escoavam a sujeira para o mar. Para atravessar as ruas, eram colocadas pinguelas feitas de largas tábuas ligando um meio-fio ao outro. Próximo ao porto isso ainda acontece. No centro da cidade, para evitar a invasão da maré, o nível da rua foi elevado. Mesmo assim, em muitos locais, há dois degraus à entrada das residências, para evitar inundação durante as altas marés que acontecem, eventualmente, dependendo da posição dos astros.
(foto) Igreja Santa Rita de Cássia – rua com pinguela

O tráfego de automóveis é proibido no centro histórico.

As irregularidades do calçamento obrigam os passantes a um vagaroso caminhar, para evitar quedas, principalmente em época de chuvas, quando as pedras ficam escorregadias. As pedras do calçamento das ruas, vinham de Portugal, como lastro, nos porões dos navios. As pedras brutas eram aqui substituídas por lastro infinitamente mais valioso: ouro e pedras preciosas

Cidade plana com ruas curvas

Paraty não teve crescimento espontâneo, nem caótico como muitas cidadezinhas brasileiras. Foi uma cidade projetada no papel. Como é plana, as ruas deveriam, logicamente, ter sido traçadas em linha reta. No entanto, todas elas são curvas ou parcialmente interrompidas por uma construção, como na segunda foto, de modo que o raio de visão seja curto.
Segundo informações turísticas, recebidas in loco, isso foi propositado, para facilitar a fuga dos moradores, em caso de invasão. Entretanto, há outras explicações para o mesmo fato. Uma delas seria para evitar o vento encanado; outra seria para otimizar a distribuição de sol nas residências; uma terceira opção também plausível do “entortamento” da ruas estaria ligada à maçonaria pelo fato de serem encontrados, em algumas esquinas, os três cunhais de pedra lavrada, que poderiam estar relacionados ao triângulo maçônico.

A marca da Maçonaria em Paraty

Casa com abacaxis e trombetas. Os abacaxis simbolizam o poder (com suas coroas); as trombetas, além de decorativas, serviam para o escoamento de água
Perseguidos na Europa, os maçons começaram a migrar para o Brasil, no século XVIII. No ciclo do ouro, foi fundada uma loja maçônica em Paraty (1833). Como eles                     não eram perseguidos aqui no Brasil, ousavam exibir   seus símbolos nas fachadas das residências. No centro histórico veem-se desenhos com simbologia maçônica nas fachadas, assim como esquinas, como foi dito acima, cunhais em pedra, em forma de triângulo, símbolo importante da maçonaria.
Com o progresso econômico de Paraty, os maçons resolveram demarcar a vila com seus símbolos característicos, para se fazerem reconhecer por confrades vindos de outras partes do mundo. Supõe-se que, por meio da simbologia nas fachadas, o forasteiro iniciado saberia distinguir o grau no morador, em sua confraria. Muitas outras simbologias maçônicas encontram-se na construção das casas, como, por exemplo, no posicionamento das janelas e na estrutura urbana da cidade. A forte referência do número 33, grau máximo da ordem, encontra-se presente na escala das plantas das casas (1:33:33) e na quantidade de quarteirões da cidade.  Antigamente havia o cargo de fiscal de quarteirão. Havia, portanto, 33 fiscais, para 33 quarteirões.
No século XVIII as portas e janelas em Paraty eram pintadas de branco e azul-hortênsia (cor da maçonaria). Pressupõe-se, portanto, que Paraty tenha sido urbanizada por maçons.
Sabe-se que a maçonaria surgiu entre pedreiros que construíam catedrais e igrejas  na Europa, durante a Idade Média. O termo maçon (“pedreiro”, em francês) esteve ligado à arte de construir, até o final de 1600, e influenciou a arquitetura mundial. Com o passar do tempo, houve crescente interesse na área social e beneficente. A ordem passou a receber pessoas ligadas à beneficência, sem nenhuma ligação com a construção. Com isso ampliou-se o leque de atuação da maçonaria moderna, que continua secreta. Sabe-se que ela influenciou fatos históricos e culturais em todo o mundo. No Brasil, teria influenciado na independência do País, na proclamação da República, na abolição da escravatura e até mesmo na criação da bandeira nacional. D. Pedro I era maçom, assim como José Bonifácio, tutor de D. Pedro II.
Paraty histórica
 A cidade Paraty (RJ) começou como simples entreposto comercial na época da colonização. Foi tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico Nacional, em 1958,  e em julho de 2019, foi declarada Patrimônio Histórico da Humanidade, pela Unesco, por sua mescla única de riquezas naturais e históricas.
Paradoxalmente, a falência comercial e o êxodo da população que salvaram a cidade.  O desenvolvimento inicial se deveu, sobretudo, à sua posição estratégica, no fundo da baía da Ilha Grande. Por terra, o Caminho do Ouro da Piedade ligava a vila litorânea às minas de ouro, em Minas Gerais. O porto de Paraty chegou a ser o 2º mais importante do país.
No século XVIII, com a decadência da extração de ouro, Paraty decai comercialmente. No século XIX, com o ciclo do café, a cidade vive dias gloriosos. Todo o café, oriundo do Vale do Paraíba, era transportado pela trilha dos burros na Serra do Mar, e embarcado para a Europa, no porto de Paraty. Além do café, para burlar a proibição do tráfico de escravos, o desembarque de africanos era feito pelo Porto de Paraty.
Em 1870, a construção da linha férrea no Vale do Paraíba (1864), ligando Rio a São Paulo afetou intensamente a atividade econômica da região. Outro fator agravante foi a abolição dos escravos, em 1888. Na época, houve um êxodo em massa da população. Dos 16.000 habitantes, restaram apenas 600, entre eles, velhos, mulheres e crianças.
Com a criação de novas estradas de rodagem entre as cidades maiores, o lugarejo ao qual já era difícil o acesso ficou isolado. As trilhas restantes dos áureos tempos eram intransitáveis em períodos chuvosos. Felizmente, o isolamento de Paraty e sua decadência comercial possibilitaram a preservação da Mata Atlântica, do sistema ecológico, da estrutura arquitetônica da cidade, assim como de seus usos e costumes. Isso acabou gerando o terceiro ciclo comercial, ancorado no turismo.
Com a abertura da BR 101 (Rio/Santos) nos idos de 1980, a cidade recebeu novo impulso, com o turismo. Como atração turística, além da preservação arquitetônica, da beleza da paisagem e das florestas, há 65 ilhas e mais de 300 praias, na região.
Paraty atual
O turismo representa hoje sua grande fonte de renda. Para que a cidade se mantenha movimentada o ano todo, além das festas tradicionais e das festas religiosas, que não são poucas, há uma série de eventos fora de temporada, sendo os mais conhecidos a Flip (Feira Literária Internacional de Paraty) e o Festival da Cachaça ou Festa da Pinga. Festividades diversas agitam a cidade, ao longo do ano, como o festival de Jazz, o festival de cinema, o encontro de ceramistas e o encontro internacional de aquarelistas. Foi este último que me atraiu para a charmosa cidade. No mês de agosto, aquarelistas de todo o Brasil e do exterior afluem para pintar as belezas naturais da região, sob a batuta de grandes mestres do pincel. Passam uma semana desligados da rotina e ligados ao Belo que se apresenta o tempo todo diante de seus olhos, como se pedisse para ser registrado por suas palhetas multicoloridas.
(foto)  Professores do Encontro Internacional de Aquarelistas, em 2019
Jô Drumond - 2019

quinta-feira, 14 de novembro de 2019

Jô Drumond recebe mais um prêmio literário


 AGÊNCIA ANVA

A escritora Jô Drumond, colunista deste portal, acaba de ser agraciada com o prêmio literário “Livraria Asabeça & Bignardi Papéis 2019”, referente ao poema  “Desassossego”.  Jô Drummond e a Scortecci Editora estão convidando para o lançamento da Antologia de Poesias “Asabeça Cabeça que Voa.
Lançamento será no próximo dia 07 de dezembro de 17h às 19h no Espaço Scortecci, na rua Deputado Lacerda Franco, 96, bairro de Pinheiros, São Paulo/SP.

Sobre Jô Drumond

Josina Nunes Drumond – Pós doutora em Literatura Comparada, pela UFMG,Doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP e Mestre em Estudos Literários, pela UFES. É Pós-graduada (latu sensu) em Arte e Cultura Barroca pela Universidade Federal de Ouro Preto e em Literatura de Língua Portuguesa, pela UFES. Tem três graduações: Letras pela UFMG, Lingua, Literatura e Civilização Francesas, pela Université de Nancy (França) e Artes Plásticas pela UFES.
Autora de vários livros, Jô Drumond tem artigos, contos, crônicas, poemas e ensaios publicados em antologias, jornais, revistas de pós graduação, anais de congressos e na internet.
É tradutora juramentada do Estado do Espírito Santo. Membro da diretoria da Academia ES de Letras e da Academia Feminina de Letras do ES. É membro também do Instituto Histórico e Geográfico do espírito Santo, da Academia Feminina Mineira de Letras, do Conselho Estadual de Cultura e do Comitê da Aliança Francesa de Vitória.

PRÊMIO LITERÁRIO

Abaixo, o Poema que deu o prêmio a Jô Drumond
DESASSOSSEGO
Minha ampulheta se esvazia
a verdade se torna vária
minha certeza se enche de dúvidas
meus versos se descompassam
na arritmia do meu coração
Quanto tempo me resta, doutor,
para descobrir o mundo?
Como dissipar meu desassossego?
Prenderei meus anseios dentro do espelho
viajarei na linha sinuosa do horizonte
atravessarei os lindes do imponderável
largarei as amarras do viver
antes que o nada se apodere de meu ser
No leito do rio seco
viceja a saudade
No leito da morte
desponta a eternidade
VISITE O LINK:

sexta-feira, 1 de novembro de 2019

A MULHER NA ÉPOCA DA GUILHOTINA


Pergunta-se por que há mais homens que mulheres nas Letras, na Filosofia e nos demais ramos do conhecimento. A resposta é muito simples. Desde a Antiguidade até o século passado, a mulher não tinha acesso ao ensino formal.  Literatura e Filosofia eram atividades reservadas aos homens. Evidentemente há exceções, pois as famílias abastadas tinham o privilégio de inserir suas filhas no mundo das Letras, por meio de tutores. Algumas delas chegaram a ter certa notoriedade.

No período da Revolução Francesa, no século XVIII, muitas mulheres se insurgiram contra a desigualdade dos sexos. Aquelas que clamavam por seus direitos políticos de cidadãs pagaram um alto preço. Algumas foram poupadas da guilhotina, mas foram parar no manicômio pelo resto da vida, simplesmente por lutarem pela igualdade de direitos entre homens e mulheres, o que era considerado loucura ou histeria.

Naquele período de terror, entre 350 e  400 mulheres foram guilhotinadas. A mais célebre entre elas, que lutou contra a injustiça, a violência e a desigualdade dos sexos, perdeu literalmente a cabeça em nome da liberdade, da igualdade e da fraternidade, segundo o lema da Revolução Francesa. Trata-se de Olympe de Gouges, pseudônimo de Marie Gouze (1748 – 1793). Uma de suas frases mais célebres é a seguinte: “Se a mulher tem o direito de subir ao cadafalso, deve ter também o direito de subir à tribuna.”

Sua prisão se deveu à autoria da peça de teatro, As três urnas, que demandava a realização de um plebiscito para escolher uma das três formas de governo: República Indivisível, Governo Federalista ou Monarquia Constitucional. Suas peças de teatro eram representadas na Comédie Française, teatro conservador apoiado pelo rei.

O que foi alegado pela acusação seria hoje motivo de chacotas: foi acusada de “querer agir
como homem e de esquecer as virtudes próprias a seu sexo”. Por tão pouco foi guilhotinada no dia sete de novembro de 1793. Por por ironia ou zombaria, quis o destino lhe pregar uma peça. De Gouges, que clamava contra a pena de morte, justamente ela, que havia combatido a decisão da subida da rainha ao cadafalso, subiu tragicamente ao mesmo local 18 dias depois de Maria Antonieta. Sua cabeça rolou, mas seus ideais libertários não foram guilhotinados. Pelo contrário, engendraram manifestações que recrudesceram o movimento feminista mundo afora.
Em resposta à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789 ), na qual os direitos da mulher eram excluídos, ela escreveu a Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã (1791).

Considerando que a mulher e o homem deveriam ter igualdade de direitos, ela expõe o esquecimento do projeto revolucionário de incluir as mulheres na Declaração Universal de Direitos. Pretendia que seu texto fosse votado e aprovado na Assembleia Nacional. No entanto, ele foi ignorado pelos políticos. Só ganhou visibilidade mais de um século depois, a partir de 1896, ao ser publicado por Benoîte Groult.

O texto de De Gouges seguiu o mesmo modelo do texto revolucionário, mantendo os dezessete artigos, porém todos eles com modificações, de modo a incluir o sexo feminino. Por exemplo:

Artigo  1: “Os homens nascem e são livres e iguais em direitos...”
                 “A mulher nasce livre e permanece igual ao homem em direitos...”

Artigo  2: “O fim de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e 
                  imprescritíveis do homem...”
                “O  fim de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e
                  imprescritíveis da mulher e do homem...”

Artigo 3: “O princípio de toda soberania reside essencialmente na Nação...”
                “O princípio de toda soberania reside essencialmente na Nação,      
                  que nada mais  é que a reunião da mulher e do homem...”

Artigo 4: “...exercício dos direitos naturais de cada homem não tem por limites senão os que
                 asseguram aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. 
                 Estes limites apenas podem ser determinados pela Lei.”
               “...o exercício dos direitos naturais da mulher só tem limites na tirania perpétua
                que o homem exerce sobre ela. Esses limites devem ser reformados pelas leis
                da natureza e da razão.”

Como na Declaração original, os dezessete Artigos são precedidos de um preâmbulo, com as devidas interferências. Vejamos, por exemplo, o último parágrafo do preâmbulo, com as devidas modificações:

    “Por conseguinte, a ASSEMBLEIA NACIONAL reconhece e declara, na presença e sob        os auspícios do Ser Supremo, os seguintes direitos do Homem e do Cidadão.”

“Por conseguinte, o sexo superior tanto em beleza quanto em coragem, nos sofrimentos maternos, reconhece e declara, na presença e sob os auspícios do Ser supremo, os seguintes direitos da mulher e da cidadã.”


No final, diferentemente da Declaração original, os dezessete Artigos são seguidos de um epílogo de cerca de quatro páginas, conclamando as mulheres a acordarem com o toque do alarme da razão: “Mulheres! Mulheres! Quando deixareis de ser cegas?”

De Gouges reivindicava direitos que até hoje criam polêmicas, tais como o “direito à própria pessoa”, incluindo a autonomia de decisão sobre a gravidez; relações amorosas livres; direito dos filhos, independentemente de que pais provenham, ou seja, dentro e fora do casamento; dissolubilidade do matrimônio, entre outros.

Escreveu também Contrato social, propondo casamento com igualdade de condições para os parceiros. Uma de suas peças de teatro, intitulada A escravidão dos negros, que condenava a injustiça da escravidão e que acusava abusos do antigo e do novo regime, causou grande polêmica.

Para exemplificar sua veemência em prol da causa feminina, encerro estas breves considerações, com um excerto de uma carta de Olympe de Gouges à rainha Maria Antonieta, esposa do rei Luís XVI:

“A senhora nunca será incriminada por trabalhar na restauração dos costumes, por dar ao seu sexo toda a consistência da qual ele é susceptível. Infelizmente, para o novo regime, essa obra não é o trabalho de um dia. Essa revolução só acontecerá quando todas as mulheres tiverem consciência de seus destinos deploráveis e dos direitos que elas perderam na sociedade. Apoie, minha senhora, tão bela causa! Defenda esse sexo infeliz, e em breve a senhora terá a seu favor a metade do reino e pelo menos a terça parte da outra.” (In Rovere, p. 254)

Referência:
ROVERE, Maxime. Arqveofeminismo: mulheres filósofas e filósofos feministas séculos XVII-XVIII. São Paulo: n-1 edições, 2019. 271 p.