segunda-feira, 20 de outubro de 2014

PRECONCEITO

Por Jô Drumond

(Baseado em fato ocorrido no maranhão)
Alba se interessou por um belo rapaz afro-descendente e engatou com ele um namoro sem grandes pretensões. A cada dia descobria novas qualidades no pretendente e cada vez mais se interessava por ele. Sua mãe, bastante preconceituosa, não via aquilo com bons olhos, mas não fazia nenhuma oposição, certa de que se tratava de um namorico passageiro.
Ao perceber que o relacionamento estava ficando sério, com possibilidades de futuros desdobramentos, começou a fazer críticas veladas. Como tempo essas críticas foram se desvelando. No dia em que Alba lhe disse que pretendia se casar, a máscara da futura sogra caiu por terra.
Sem pestanejar, deu-lhe a seguinte resposta:
─ Minha filha, veja bem! Se algum dia eu estiver com um lindo netinho loiro de olhos azuis no colo, e se você chegar com um mulatinho com cabelo pimenta do reino, não pense que vou preterir o filho de sua irmã, pelo seu. Depois não diga que eu não lhe avisei.
Alba decepcionou-se com o preconceito da mãe. Bateu pé, investiu ainda mais no relacionamento e acabou se casando. Os filhos da irmã nasceram loiros de olhos claros, porém desprovidos de beleza, ariscos e chorões. Já seus filhos híbridos, com pele cor de jambo, tinham uma beleza singular, além de grande simpatia, afetividade e muita vivacidade. A avó acabou se apaixonando pelos filhos de Alba. Descobriu que café com leite dá boa mistura. Desde então, aboliu todo e qualquer resquício preconceituoso que algum dia povoara sua mente. Além do mais, tornou-se ardente defensora do hibridismo étnico.

*Jô Drumond (Josina Nunes Drumond)
Membro de 3 Academias de Letras
(AFEMIL, AEL, AFESL) e do Instituto Histórico (IHGES

domingo, 28 de setembro de 2014

ESTELIONATO CLERICAL

*Jô Drumond

Há algum tempo, nas pequenas aglomerações e vilarejos espalhados pelo coração do Brasil havia pouca circulação de dinheiro vivo. Parte do comércio funcionava na base da troca de mercadorias. Serviços prestados eram quitados pelo que se tinha para pagar: cachos de bananas, sacos de mantimentos (polvilho, farinha, feijão, arroz, entre outros), galináceos, suínos, bovinos ou terrenos, dependendo da vultuosidade do negócio.
Jesuíno Badão, morador da zona rural, deslocou-se até o lugarejo mais próximo, para contrair núpcias com sua amada Filomena, bem mais velha que ele, mas ainda bem “sacudida”. Levou consigo uma pequena manada vacas leiteiras, para oferecer à paróquia, em troca do ministério sacramental. O pároco não poderia recusar tão vultosa doação, bem acima dos honorários normais dos ministros de Deus. Daria para cobrir a tão desejada reforma da igrejinha, já quase ruindo pela mão do tempo.
A primeira providência do pároco foi o preenchimento de uma ficha com os dados dos nubentes: ambos lavradores, brasileiros, domiciliados na Fazenda do Angico, perto da encruzilhada da Tronqueira.
̶  Nome completo, por favor!
̶  Jesuíno Badão dos Reis.
̶  Idade?
̶  23 anos
̶  O nome da noiva, por favor!
̶  Jesuína Badão dos Reis
̶   Idade?
̶  40 anos
̶   Vocês são parentes?
̶   Sim sinhô, seu padre, ela é minha mãe.
̶   O quê? Sua mãe? Você está louco? Isso é um sacrilégio!
̶   O que é sacrilégio?
̶   É um pecado muito grave! Gravíssimo! Não haverá casamento algum. Podem voltar pra casa.
Cabisbaixo, Jesuíno coçou a cabeça timidamente e disse:
̶  Oh Mãe! Vamo tê que levá de vorta a manada de vaca que nois trouxe pra igreja.
Ao ouvir o “abre-te sésamo”, o pároco decidiu voltar atrás. Porém, não ficaria bem aceitar a doação em troca de um sacrilégio. Pediu aos noivos que pacientassem um pouco. Foi à sacristia e voltou com um livro grosso e pesado. Colocou-o sobre a mesa, folheou-o atentamente, como se estivesse procurando algo. Os dois analfabetos, recolhidos à ignorância, só faziam observar. Nunca haviam imaginado um livro com tantas letras. Dentro de uma batina preta, grande crucifixo no peito, o entendido em letradices parecia-lhes o dono da verdade. A palavra escrita era lei. Após meio quarto de hora, o veredicto final:
̶  Ah! Finalmente, achei o que estava procurando. Jesuíno, aqui diz o seguinte: pelas leis naturais, você não pode se casar com outro homem. Portanto, você não pode ser casar com seu pai, mas com sua mãe, tudo indica que sim! E não carece de testemunhas.

*Jô Drumond (Josina Nunes Drumond)
Membro de 3 Academias de Letras
(AFEMIL, AEL, AFESL) e do Instituto Histórico (IHGES

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

ESPERANÇA



(Uma das três virtudes teologais: Fé, Esperança e Caridade)

Por: Jô Drumond

Tive a oportunidade de acompanhar algumas voluntárias que promovem jogos de bingo e passa-tempos diversos nos ambulatórios de quimioterapia e de hemodiálise, de um grande hospital, com o intuito de alegrar os pacientes e amenizar o peso das horas.

 Entramos primeiramente na ala da quimioterapia, onde fomos muito bem recebidas pelos pacientes. Todos participaram animadamente da brincadeira, interagiram o tempo todo demonstrando contentamento. Antes de nossa saída, um deles chegou a fazer um pequeno discurso laudatório enfatizando os benefícios da presença das voluntárias.


De lá, passamos ao ambulatório de hemodiálise. A recepção foi quase nula. Poucos quiseram participar da brincadeira. Houve quem  recusasse abertamente, quem  demonstrasse desgosto pela nossa presença e houve também quem fizesse ouvidos moucos, fingindo ignorar o que se passava. Era como se fôssemos um bando de invasoras saudáveis e alegres  apoderando-se abusivamente de um ambiente doentio e triste. Nossa presença parecia ressaltar a contraposição entre saúde e doença. Senti-me assaz constrangida, como indesejável intrusa.


Saí do hospital sem entender a disparidade de acolhimento e de participação das duas alas. Soube então, por meio de uma voluntária veterana, que a diferença entre ambas se chama simplesmente ESPERANÇA. Na quimioterapia, os pacientes se submetem ao tratamento, na expectativa de recuperação e/ou de cura. 

Na hemodiálise, eles têm consciência da impossibilidade da realização de seus desejos. Terão que se submeter ao tratamento compulsório e vitalício, sem vislumbre de melhoras. Suas vidas dependem da filtragem do sangue por um rim artificial, três vezes por semana, num processo que dura cerca de 4 horas.

Segundo Santo Agostinho, “enquanto houver vontade de lutar, haverá esperança de vencer”. Eu inverteria a sentença: “enquanto houver esperança de vencer, haverá vontade de lutar”. Os pacientes renais crônicos, cientes da impossibilidade de cura, às vezes perdem a vontade de lutar e, quiçá, o prazer de viver.


Para Thomas Hobbes, “o desejo, acompanhado da idéia de satisfazê-lo, chama-se esperança; despojado de tal idéia, chama-se desespero.” No caso focalizado não se trata de desespero, mas de apatia. Tais doentes não precisam de outro remédio senão de esperança. Somente ela lhes trará o pássaro azul da felicidade. Com o avanço da medicina, espero que um dia ele pouse nesse ambulatório, traduzindo sonhos em realidade.


*Jô Drumond (Josina Nunes Drumond)

Membro de 3 Academias de Letras

 (AFEMIL, AEL, AFESL) e do Instituto Histórico (IHGES