Jô Drumond
Distraidamente abro o jornal A Gazeta (ES), e deparo, na
primeira página, com um desenho de um dorminhoco roncando no topo de uma pedra.
À primeira vista, pensei que se tratasse de uma charge. O título era assaz
sugestivo: “Sono na rocha; mistério em Rio Bananal”.
Na pequena nota, que remetia o leitor à matéria completa da
página 13, constava, em poucas palavras, que o pedreiro Odair Berti, de 35
anos, após uma repousante noite de sono, acordara a 300 metros de altura, no
topo inacessível de uma pedra, sem saber como fora parar naquele local.
Mais que depressa, folheei o jornal em busca da matéria
citada. É incrível como o mistério aguça a curiosidade do leitor; fenômenos
inexplicáveis atraem e ao mesmo tempo atordoam. Após ter lido a matéria
completa, minha curiosidade aguçou-se ainda mais.
Segundo consta, ao se dar conta de que estava no alto de um
penhasco rodeado por verdejante mata, o cidadão se desesperou. Pôs-se a gritar
aos quatro ventos, e, com o braço erguido agitava nervosamente sua camisa, tal
qual bandeira desfraldada, para que alguém o acudisse. Um morador da região o
teria avistado e acionado o corpo de bombeiros. Segundo os bombeiros que participaram do resgate, o
acesso ao topo da pedra é extremamente difícil até mesmo com uso de
equipamentos. Afirmaram que é praticamente impossível escalar a pedra sem
recursos técnicos. O árduo trabalho de resgate, usando técnica de rapel, durou
12 horas.
Sem explicação lógica, Odair, apenas de bermuda e chinelos,
não apresentava nenhum arranhão no corpo. Depois de esperar 17 horas nas
alturas, o alpinista escalafobético mantinha-se no ápice do atordoamento. A
insensatez do destino o havia colocado não se sabe como nem por que, no cume do
penhasco. Seria loucura? A família assegura que não. Ele nunca havia apresentado
sintoma de distúrbio mental. Seria sonambulismo? Mesmo que fosse, como teria
galgado os 300 metros do paredão vertical apenas com os recursos que a natureza
lhe deu, sem ferramenta alguma? Mistéeeerio...
Segundo o escritor Guimarães Rosa, “a lógica é a corda com a
qual, o cidadão, um dia, há de se enforcar”. Situações inusitadas, como essa,
desafiam todo e qualquer raciocínio lógico e suscitam as mais contraditórias
especulações. Sem nenhuma explicação plausível, o fato veiculado na mídia
acabou criando um clima de atordoamento. Cada um, à sua maneira, empenha-se em
desvendar o enigma. Estudiosos e especialistas em alpinismo perdem-se num
emaranhado de elucubrações. Ovniólogos apressam-se em buscar marcas da
aproximação de alguma nave interplanetária. Os carolas, mais que depressa,
atribuem o milagre ao santo de sua devoção. As comadres bisbilhoteiras põem-se
a trançar uma rede de fuxicos. Místicos das mais variadas tendências louvam o
poder do sobrenatural em detrimento das leis da física. Os lógicos
queimam seus neurônios, na tentativa de desvelar o enigma.
Enquanto todos se apoquentam com a
bizarria do “sono na rocha”, o poeta embarca no devaneio, alça voo até o cume
do penedo, onde a inspiração o aguarda, e, com uma leva de maviosos versos,
aproveita o ensejo para esculpir novos poemas.
*Jô Drumond (Josina
Nunes Drumond) Membro de 3 Academias
de Letras
(AFEMIL, AEL, AFESL) e do Instituto Histórico (IHGES)