quinta-feira, 6 de outubro de 2016

O ALPINISTA ESCALAFOBÉTICO

 Jô Drumond

Distraidamente abro o jornal A Gazeta (ES), e deparo, na primeira página, com um desenho de um dorminhoco roncando no topo de uma pedra. À primeira vista, pensei que se tratasse de uma charge. O título era assaz sugestivo: “Sono na rocha; mistério em Rio Bananal”.

Na pequena nota, que remetia o leitor à matéria completa da página 13, constava, em poucas palavras, que o pedreiro Odair Berti, de 35 anos, após uma repousante noite de sono, acordara a 300 metros de altura, no topo inacessível de uma pedra, sem saber como fora parar naquele local.
Mais que depressa, folheei o jornal em busca da matéria citada. É incrível como o mistério aguça a curiosidade do leitor; fenômenos inexplicáveis atraem e ao mesmo tempo atordoam. Após ter lido a matéria completa, minha curiosidade aguçou-se ainda mais.

Segundo consta, ao se dar conta de que estava no alto de um penhasco rodeado por verdejante mata, o cidadão se desesperou. Pôs-se a gritar aos quatro ventos, e, com o braço erguido agitava nervosamente sua camisa, tal qual bandeira desfraldada, para que alguém o acudisse. Um morador da região o teria avistado e acionado o corpo de bombeiros. Segundo os  bombeiros que participaram do resgate, o acesso ao topo da pedra é extremamente difícil até mesmo com uso de equipamentos. Afirmaram que é praticamente impossível escalar a pedra sem recursos técnicos. O árduo trabalho de resgate, usando técnica de rapel, durou 12 horas.

Sem explicação lógica, Odair, apenas de bermuda e chinelos, não apresentava nenhum arranhão no corpo. Depois de esperar 17 horas nas alturas, o alpinista escalafobético mantinha-se no ápice do atordoamento. A insensatez do destino o havia colocado não se sabe como nem por que, no cume do penhasco. Seria loucura? A família assegura que não. Ele nunca havia apresentado sintoma de distúrbio mental. Seria sonambulismo? Mesmo que fosse, como teria galgado os 300 metros do paredão vertical apenas com os recursos que a natureza lhe deu, sem ferramenta alguma? Mistéeeerio...
Segundo o escritor Guimarães Rosa, “a lógica é a corda com a qual, o cidadão, um dia, há de se enforcar”. Situações inusitadas, como essa, desafiam todo e qualquer raciocínio lógico e suscitam as mais contraditórias especulações. Sem nenhuma explicação plausível, o fato veiculado na mídia acabou criando um clima de atordoamento. Cada um, à sua maneira, empenha-se em desvendar o enigma. Estudiosos e especialistas em alpinismo perdem-se num emaranhado de elucubrações. Ovniólogos apressam-se em buscar marcas da aproximação de alguma nave interplanetária. Os carolas, mais que depressa, atribuem o milagre ao santo de sua devoção. As comadres bisbilhoteiras põem-se a trançar uma rede de fuxicos. Místicos das mais variadas tendências louvam o poder do sobrenatural em detrimento das leis da física. Os lógicos queimam seus neurônios, na tentativa de desvelar o enigma.

Enquanto todos se apoquentam com a bizarria do “sono na rocha”, o poeta embarca no devaneio, alça voo até o cume do penedo, onde a inspiração o aguarda, e, com uma leva de maviosos versos, aproveita o ensejo para esculpir novos poemas.


*Jô Drumond (Josina Nunes Drumond) Membro de 3 Academias

de Letras (AFEMIL, AEL, AFESL) e do Instituto Histórico (IHGES)