A
última crônica, postada neste blog no dia seis de dezembro, intitulada “Natal
2020”, referente à charge sobre os Reis Magos, suscitou a seguinte questão: Por
que três reis? Por que não 2 ou 4? Isso me levou a refletir sobre a incidência
do número três na mitologia religiosa, na literatura infantil, nos ditos
populares...
Comecei
a fazer mentalmente um levantamento da recorrência dele no cristianismo:
Santíssima Trindade;1 Ressurreição de Cristo (no terceiro dia); o três é o número das moradas do Além, na
mitologia católica (céu, inferno e purgatório); as três cruzes no Calvário; as
três virtudes teologais (Fé, Esperança e Caridade); o apóstolo Pedro renegou
Jesus três vezes no jardim das Oliveiras... Quanto às Três Marias alinhadas no céu estrelado, cada cultura lhes dá um diferente
significado. Na tradição cristã, podem estar associadas tanto às três
mulheres que visitaram o túmulo de Jesus, na ressurreição, quanto aos Reis
Magos, a caminho de Belém.
Em nosso imaginário, o “três” é sedimentado desde tenra
idade, por meio de historinhas infantis. É intrigante a incidência dele nos
Contos de Fadas: Os três porquinhos tentam escapar do lobo; Chapeuzinho
Vermelho faz três perguntas ao lobo que queria devorá-la; o gênio da lâmpada de
Aladim permite-lhe satisfazer três desejos; a bruxa faz três tentativas para
matar Branca de Neve; os mosqueteiros (um por todos; todos por um) eram também
em número de três.
Além das historinhas, nossos ouvidos infantis foram
habituados a ouvir certos provérbios concernentes ao número três: "Um é
pouco, dois é bom, três é demais"; "Três vezes na cadeia é sinal de
forca"; "O hóspede e o peixe aos três dias aborrecem";
"Fortuna de lobo três dias dura"; "Três coisas mudam o homem:
Vinho, estudo e mulher"; "Quem vai à festa três dias não
presta." ... pode-se encontrar um extenso rol de ditos desse tipo.
Simples
coincidência ou não? Tal
incidência na religião, na literatura infantil e nos ditos populares incitou
minha curiosidade e levou-me a uma pequena incursão pelas trilhas dessa
simbologia triádica.
Sabe-se que as
pirâmides do Egito eram projetadas a partir de uma base triangular. Tais
construções com o vértice para o alto podiam simbolizar a ascensão e a conexão
com o divino.
Três eram as classes
básicas da sociedade – clero, nobreza e povo; três
é também o número chave da democracia. Para se tomar uma decisão em
grupo, são necessárias, no mínimo, três pessoas. Nesse regime, há os três poderes (executivo legislativo e judiciário).
Existe um código mundial de três elementos, para pedido de socorro.
Basta fazer, por exemplo, três fogueiras no deserto ou em qualquer lugar para
que o SOS (3 letras) seja captado.
Antigamente,
na Índia, na Grécia e em Roma, o “três”
representava o órgão genital feminino. Havia também uma ligação da
figura da mulher com esse número. Simbolicamente, a trindade feminina podia
representar manhã, tarde e noite, assim como nascer, amadurecer e morrer.
Na cabala, o número três faz referência à comunicação, à
criatividade, à expansão e à expressão. Ele representa o movimento de
sociabilização.
Para o filósofo e matemático Pitágoras, ele representa a
perfeição, pelo fato de ser a soma do um, que significa unidade, e do dois, que
significa diversidade.
As
três graças, filhas de Zeus, na mitologia grega, lindamente pintadas por
Botticelli, eram cultuadas como deusas do encantamento, da beleza, da natureza
e da fertilidade.
O triângulo equilátero, simples figura
geométrica de três lados, além de simbolizar a perfeição e a unidade, tem uma
enorme gama de significados, tais como início, meio e fim; corpo, alma e
espírito; homem, mulher e criança, entre outras. No cristianismo, tal figura,
acrescida de um olho em seu interior, simboliza o “olho de Deus”, aquele que
tudo vê. Lembro-me de que, na infância, isso me
apavorava. Além de estar em todas as
partes, já que Ele era onipresente, tinha também ciência de tudo: era
onisciente. Sabia até mesmo o que se passava em nossos pensamentos. Eu me
sentia espionada o tempo todo, como se estivesse participando do “big brother”.
(O olho que tudo
vê)
Minha mãe era quituteira de mão cheia. Em uma das prateleiras
da despensa da fazenda onde morávamos, havia grandes latas enfileiradas,
contendo apetitosas guloseimas. Em cada uma delas, uma especialidade:
Chimanguinhos, pães de queijo, cascudos, biscoitos de goma, broas, bolos,
roscas, cajuzinhos, bolinhas de queijo cristalizadas... Essas delícias eram
reservadas para a merenda, servida entre o almoço e o jantar. Minha voracidade
infantil muitas vezes sofria com a longa espera. Eu entrava sorrateiramente na
despensa para afanar alguma gulodice, mas me lembrava do “olho de Deus”
vigiando meus passos. Saía de lá como havia entrado: com fome. Desolada,
assentava em uma banqueta próxima à despensa, aguardava a lerdeza do passar do
tempo e aguentava o clamor do estômago.
O
triângulo
se faz presente em diferentes circunstâncias e em diversas culturas. Sabe-se
que cada um dos elementos da natureza é representado por um triângulo
equilátero:
FOGO
(vértice para cima) AR,
(vértice para cima, cortado horizontalmente) ÁGUA
(vértice para baixo) TERRA
(vértice para baixo, cortado horizontalmente)
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Ele é também um símbolo significativo para
a Maçonaria. O tridente, objeto de três pontas,
considerado símbolo solar e mágico de poder e de força foi muito utilizado
por gladiadores na Antiguidade. A Igreja católica distorceu sua
simbologia, colocando-o na mão de Lúcifer, como arma do mal, do satanismo.
(Psi)
O
tridente está também presente no símbolo da Psicologia representado pela
vigésima terceira letra do alfabeto grego denominada “Psi”. Na concepção de
Freud (1856-1939), o significado do tridente remete a forças do
inconsciente, que representam a tríade: id (inconsciente), ego (pré-consciente)
e superego (consciente). Há quem diga que as pontas do tridente
representam as três principais teorias da psicologia: comportamentalismo,
humanismo e psicanálise, assim como as três
pulsões humanas: sexualidade, autoconservação e espiritualidade.
Para o filósofo alemão Ernst Cassirer (1874-1945), o ser
humano é, antes de tudo, um animal simbólico. Em vez de perceber o mundo por
meio dos instintos, como os outros animais, sua percepção da realidade
(linguagem, mito, religião e ciência) acontece por meio de um universo simbólico,
criado por ele mesmo.
Como se
vê, a charge dos Reis Magos rendeu “pano pra manga” e renderá muito mais aos
pesquisadores que porventura enveredarem pelas sendas dessa tríade numérica.
Deixamos aqui registradas apenas algumas curiosidades dessa extensa simbologia
que certamente perdurará per omnia saecula
saeculorum nas diversas culturas.
NOTAS
1 - SANTÍSSIMAS TRINDADES: A Santíssima Trindade para os cristãos (Pai,
Filho e Espírito Santo) A Trindade hindu: Brahma,
Vishnu e Shiva. A Trindade egípcia: Ísis,
Osíris e Hórus. As Trindades greco-romanas:
Júpiter e Netuno, Plutão e Zeus, Poseidon e Hades, respectivamente.
2 - O OLHO DE DEUS No cristianismo, o olho que tudo vê ou o
“Olho da Providência” ou “Olho de Hórus” tem sido usado como símbolo desde
cerca do século 16. O olho, dentro de um triângulo, é cercado por raios de
luz. Trata-se do olho do criador cuidando de sua criação. O olho de
Hórus era um dos amuletos mais importantes no Egito Antigo, usado como
representação de força, vigor, segurança e saúde. Hórus era o Deus egípcio do
sol nascente. |