domingo, 20 de dezembro de 2020

SIMBOLOGIA TRIÁDICA

 


 (As Três Graças, de Botticelli)

A última crônica, postada neste blog no dia seis de dezembro, intitulada “Natal 2020”, referente à charge sobre os Reis Magos, suscitou a seguinte questão: Por que três reis? Por que não 2 ou 4? Isso me levou a refletir sobre a incidência do número três na mitologia religiosa, na literatura infantil, nos ditos populares...

Comecei a fazer mentalmente um levantamento da recorrência dele no cristianismo: Santíssima Trindade;1 Ressurreição de Cristo (no terceiro dia); o três é o número das moradas do Além, na mitologia católica (céu, inferno e purgatório); as três cruzes no Calvário; as três virtudes teologais (Fé, Esperança e Caridade); o apóstolo Pedro renegou Jesus três vezes no jardim das Oliveiras... Quanto às Três Marias alinhadas no céu estrelado, cada cultura lhes dá um diferente significado. Na tradição cristã, podem estar associadas tanto às três mulheres que visitaram o túmulo de Jesus, na ressurreição, quanto aos Reis Magos, a caminho de Belém.

Em nosso imaginário, o “três” é sedimentado desde tenra idade, por meio de historinhas infantis. É intrigante a incidência dele nos Contos de Fadas: Os três porquinhos tentam escapar do lobo; Chapeuzinho Vermelho faz três perguntas ao lobo que queria devorá-la; o gênio da lâmpada de Aladim permite-lhe satisfazer três desejos; a bruxa faz três tentativas para matar Branca de Neve; os mosqueteiros (um por todos; todos por um) eram também em número de três.

Além das historinhas, nossos ouvidos infantis foram habituados a ouvir certos provérbios concernentes ao número três: "Um é pouco, dois é bom, três é demais"; "Três vezes na cadeia é sinal de forca"; "O hóspede e o peixe aos três dias aborrecem"; "Fortuna de lobo três dias dura"; "Três coisas mudam o homem: Vinho, estudo e mulher"; "Quem vai à festa três dias não presta." ... pode-se encontrar um extenso rol de ditos desse tipo.

Simples coincidência ou não?  Tal incidência na religião, na literatura infantil e nos ditos populares incitou minha curiosidade e levou-me a uma pequena incursão pelas trilhas dessa simbologia triádica.

Sabe-se que as pirâmides do Egito eram projetadas a partir de uma base triangular. Tais construções com o vértice para o alto podiam simbolizar a ascensão e a conexão com o divino.

Três eram as classes básicas da sociedade – clero, nobreza e povo; três é também o número chave da democracia. Para se tomar uma decisão em grupo, são necessárias, no mínimo, três pessoas. Nesse regime, há os três poderes (executivo legislativo e judiciário).

Existe um código mundial de três elementos, para pedido de socorro. Basta fazer, por exemplo, três fogueiras no deserto ou em qualquer lugar para que o SOS (3 letras) seja captado.

Antigamente, na Índia, na Grécia e em Roma, o “três” representava o órgão genital feminino. Havia também uma ligação da figura da mulher com esse número. Simbolicamente, a trindade feminina podia representar manhã, tarde e noite, assim como nascer, amadurecer e morrer.

Na cabala, o número três faz referência à comunicação, à criatividade, à expansão e à expressão. Ele representa o movimento de sociabilização.

Para o filósofo e matemático Pitágoras, ele representa a perfeição, pelo fato de ser a soma do um, que significa unidade, e do dois, que significa diversidade.

As três graças, filhas de Zeus, na mitologia grega, lindamente pintadas por Botticelli, eram cultuadas como deusas do encantamento, da beleza, da natureza e da fertilidade.

 O triângulo equilátero, simples figura geométrica de três lados, além de simbolizar a perfeição e a unidade, tem uma enorme gama de significados, tais como início, meio e fim; corpo, alma e espírito; homem, mulher e criança, entre outras. No cristianismo, tal figura, acrescida de um olho em seu interior, simboliza o “olho de Deus”, aquele que tudo vê. Lembro-me de que, na infância, isso me apavorava.  Além de estar em todas as partes, já que Ele era onipresente, tinha também ciência de tudo: era onisciente. Sabia até mesmo o que se passava em nossos pensamentos. Eu me sentia espionada o tempo todo, como se estivesse participando do “big brother”. 

       (O olho que tudo vê)

Minha mãe era quituteira de mão cheia. Em uma das prateleiras da despensa da fazenda onde morávamos, havia grandes latas enfileiradas, contendo apetitosas guloseimas. Em cada uma delas, uma especialidade: Chimanguinhos, pães de queijo, cascudos, biscoitos de goma, broas, bolos, roscas, cajuzinhos, bolinhas de queijo cristalizadas... Essas delícias eram reservadas para a merenda, servida entre o almoço e o jantar. Minha voracidade infantil muitas vezes sofria com a longa espera. Eu entrava sorrateiramente na despensa para afanar alguma gulodice, mas me lembrava do “olho de Deus” vigiando meus passos. Saía de lá como havia entrado: com fome. Desolada, assentava em uma banqueta próxima à despensa, aguardava a lerdeza do passar do tempo e aguentava o clamor do estômago.

O triângulo se faz presente em diferentes circunstâncias e em diversas culturas. Sabe-se que cada um dos elementos da natureza é representado por um triângulo equilátero:

FOGO (vértice para cima)

AR, (vértice para cima, cortado horizontalmente)

ÁGUA (vértice para baixo)

TERRA (vértice para baixo, cortado horizontalmente)

 

Ele é também um símbolo significativo para a Maçonaria. O tridente, objeto de três pontas, considerado símbolo solar e mágico de poder e de força foi muito utilizado por gladiadores na Antiguidade. A Igreja católica distorceu sua simbologia, colocando-o na mão de Lúcifer, como arma do mal, do satanismo.


 

(Psi)

O tridente está também presente no símbolo da Psicologia representado pela vigésima terceira letra do alfabeto grego denominada “Psi”. Na concepção de Freud (1856-1939), o significado do tridente remete a forças do inconsciente, que representam a tríade: id (inconsciente), ego (pré-consciente) e superego (consciente). Há quem diga que as pontas do tridente representam as três principais teorias da psicologia: comportamentalismo, humanismo e psicanálise, assim como as três pulsões humanas: sexualidade, autoconservação e espiritualidade.

Para o filósofo alemão Ernst Cassirer (1874-1945), o ser humano é, antes de tudo, um animal simbólico. Em vez de perceber o mundo por meio dos instintos, como os outros animais, sua percepção da realidade (linguagem, mito, religião e ciência) acontece por meio de um universo simbólico, criado por ele mesmo.

Como se vê, a charge dos Reis Magos rendeu “pano pra manga” e renderá muito mais aos pesquisadores que porventura enveredarem pelas sendas dessa tríade numérica. Deixamos aqui registradas apenas algumas curiosidades dessa extensa simbologia que certamente perdurará per omnia saecula saeculorum nas diversas culturas.

 

NOTAS

 

1 - SANTÍSSIMAS TRINDADES:

A Santíssima Trindade para os cristãos (Pai, Filho e Espírito Santo)

A Trindade hindu: Brahma, Vishnu e Shiva.

A Trindade egípcia: Ísis, Osíris e Hórus.

As Trindades greco-romanas: Júpiter e Netuno, Plutão e Zeus, Poseidon e Hades, respectivamente.

 

2 - O OLHO DE DEUS

No cristianismo, o olho que tudo vê ou o “Olho da Providência” ou “Olho de Hórus” tem sido usado como símbolo desde cerca do século 16. O olho, dentro de um triângulo, é cercado por raios de luz. Trata-se do olho do criador cuidando de sua criação.

O olho de Hórus era um dos amuletos mais importantes no Egito Antigo, usado como representação de força, vigor, segurança e saúde. Hórus era o Deus egípcio do sol nascente.

 

                                                                        Jô Drumond   /  Dezembro 2020