Não há dúvidas quanto às qualidades nutricionais1 dessa
fruta. Bastam alguns cliques e o internauta terá, diante de si, um enorme leque
de seus poderes curativos. O ditado inglês “uma única maçã por dia mantém o
médico longe” tem respaldo científico. Pesquisas comprovam que seu consumo
diário reduz o risco de diversas doenças.
Surge então uma pergunta que não quer calar: se a maçã é uma
fruta tão benéfica, tão salutar, por que foi escolhida como fruto proibido, na
mitologia religiosa? A tradição popular a considera fruto do pecado, embora não
haja especificação do tipo do fruto da Árvore do conhecimento no Livro do
Gênesis. De qualquer forma não poderia ter sido maçã, pois tal fruta inexistia na
época da criação do mundo. Ela surgiu bem depois de Adão e Eva, no Cazaquistão
e na Turquia. Seus frutos foram melhorados com técnicas de cultivo ao longo dos
tempos. A mitologia diz que o diabo, em forma de serpente, induziu Adão e Eva a
comerem do único fruto proibido. Por isso foram expulsos do paraíso. Os
humoristas de plantão dizem que um pedaço de maçã ficou entalado na garganta de
Adão. Por isso os homens têm uma proeminência laríngea, logo abaixo da
garganta, o popular gogó, que se chama “pomo de Adão”.
O interessante é que a maçã pode simbolizar, por um lado, o mal, o pecado, a escolha errada, e, por outro lado, a escolha certa, a liberdade, a sabedoria. Ao ingerir o fruto da árvore proibida, Adão e Eva perderam as facilidades do paraíso, mas ganharam a busca do conhecimento do bem e do mal. Perderam o farto e gratuito cardápio edênico e, como castigo, tiveram que trabalhar para ganhar “o pão cotidiano”. Donde se conclui que o trabalho não é uma oração, como se ensina no catecismo: é um castigo. Conclui-se também que a serpente não prestou nenhum desserviço à humanidade. Pelo contrário, abriu-lhe os horizontes do conhecimento.
Eu sempre me perguntei por que o imaginário humano teria
configurado a maçã como fruta do mal? Encontrei duas explicações plausíveis:
segundo pesquisadores, os tradutores da Bíblia podem ter optado por
“pomum” (no francês pomme = maçã) talvez
por influência das línguas modernas, mas poderiam ter traduzido por pera, figo ou qualquer fruta
com formato semelhante ao da maçã. Uma outra versão, teria advindo também de um
problema de tradução: um quiproquó entre as palavras malus - do latim (mal)
e malum - do grego antigo (maçã). Nunca saberemos ao certo, mas mito que
se preze prescinde de comprovação.
Além de vasta simbologia,2 há diversas curiosidades a
respeito dessa fruta. Vejamos algumas delas: consta, embora sem comprovação,
que Newton, sentado sob uma macieira, descobriu a lei da gravidade, quando uma
das maçãs lhe caiu sobre a cabeça.
Dizem que a mordida da maçã foi acrescentada no design da
marca Apple para que não fosse
confundida com uma cereja. Dizem também que o nome Macintosh é inspirado no
tipo de maçã McIntosk Red, variedade comum nos Estados Unidos.
A banda The Beatles escolheu a maçã como o ícone de seu selo
discográfico. Muitos anos depois, um relançamento da discografia da banda foi
colocado em um pen drive em forma de maçã.
Na mitologia, Hércules colhe três maçãs de ouro na Árvore da
Vida, no jardim das Hespérides, após ter matado o dragão de cem cabeças que o
guardava.
Na história de Robin Hood, uma pequena maçã é colocada sobre
a cabeça de um amigo fiel de Robin. Com os olhos vendados, o arqueiro a divide
ao meio com uma flechada.
Na obra do pintor Magritte, intitulada “O Filho do Homem”,
considerada uma das obras mais importantes do surrealismo, o elemento principal
é a maçã, posta na frente do rosto de um homem pintado em óleo sobre tela.
Na Literatura infantil, ela surge como fruto enfeitiçado
pela bruxa, que faz com que Branca de Neve adormeça até ser despertada pelo
beijo de um príncipe.
Há um romance de meu conterrâneo e contemporâneo, José
Roberto Amorim, intitulado “O vermelho
da maçã”. No prólogo ele diz o seguinte: “O prazer é vermelho [... como a
maçã...] mas ao cortá-lo em partes, descobrimos que, ao contrário da fruta de
Adão e Eva, as metades são diferentes: uma metade é o amor e a outra é o
desejo.”
Na contemporaneidade, surgiu também um livro intitulado
“Minha pátria era um caroço de maçã” da romena Herta Müller, prêmio Nobel de
Literatura (2009). Título deveras estranho, considerando que a autora aborda a
destruição de vidas e de sonhos pela ditadura comunista romena. Ela registra
lembranças dos sucessivos interrogatórios a que foi submetida, dos
desaparecimentos de estudantes, dos suicídios forjados dos opositores ao
regime... enfim, o caroço da maçã simbolizaria algo nefasto. Isso aguçou minha
curiosidade. Por que teria ela usado, com conotação negativa, o caroço de uma
fruta tão saudável e tão apreciada? Soube que as sementes dessa fruta devem ser
descartadas, pois contêm cianeto e podem causar mal-estar e, em casos mais
raros, até a morte por envenenamento. Em pequena quantidade não causa problema
aos humanos, mas pode matar pássaros. Talvez isso explique o motivo (que
desconheço) da escolha do insólito título da obra.
Como vimos, a maçã tem, em si, o dom de vida e morte, assim
como a mandioca, alimento bem popular no Brasil. Apesar de ser mansa e
saudável, pode se transformar em mandioca brava e matar. O fato é que o bem e o
mal coexistem pacificamente (ou não), em tudo e em todos.
“Somos a vida e a morte. O tudo e também o nada [..]
Maldosos ou bondosos - no tempo exato [...] O ponto de encontro está em cada um
de nós. Encontrar-se é o desafio.” (Santo Agostinho)
PÉ DE PÁGINA
Qualidades nutricionais:1 Sabe-se que a maçã regula os
níveis de colesterol, previne problemas cardíacos, intestinais, obesidade,
reumatismo, gota, diabetes, arteriosclerose, enfermidades da pele, do sistema
nervoso e possui muitos outros poderes curativos. É provado cientificamente que
seu consumo reduz o risco do câncer de cólon, de próstata e de pulmão. Pouca
gente sabe que a casca também deve ser ingerida, pelo fato de conter vitamina
C, cálcio, fósforo, potássio, além de fibras e de ser poderoso antioxidante.
Simbologia:² A maçã simboliza a vida, o amor, a
imortalidade, a fecundidade, a juventude, a sedução, a liberdade, a magia, a
paz, o conhecimento, o desejo, a amizade. Seu formato esférico representa o
símbolo do mundo. Para os celtas, a maçã é um símbolo da magia, da ciência, da
revelação, do além e da espiritualidade. Para os gregos, a maçã representa o
símbolo do amor (associada à Afrodite, deusa do amor, da beleza e da
sexualidade).