sábado, 15 de agosto de 2020

ATÉ QUANDO ?


Em agosto de 2020, o gráfico do luto registra mais de cem mil mortes no Brasil, pelo vírus corona. Durante a pandemia, o bordão mais repetido, a título de consolação, é: “TUDO PASSA.” A questão repetida incessantemente dentro de cada um de nós é: “ATÉ QUANDO?” Estaremos vivos para presenciar a euforia do período pós-pandêmico? O medo, a insegurança, a falta de perspectiva, a prisão domiciliar compulsória e o distanciamento social não ajudam em nada a melhoria dos ânimos, sobretudo nas pessoas com tendências depressivas, que mais sofrem nessa situação. Felizmente a “santa internet” afugenta, de certa forma, a ameaça da solidão. Podemos contatar parentes e amigos nos quatro cantos do mundo. Todavia não podemos sentir seu calor nem seu cheiro no aconchego de um abraço. Menos mal.

Nestes tempos pandêmicos, optei pelo confinamento no Viveiro do Silêncio, condomínio rural onde plantei minha “Charneca”, há quase duas décadas. Trata-se de um silente recanto da Mata Atlântica, nas montanhas capixabas, onde só se ouvem as vozes da natureza. Água límpida e cristalina (de nascente própria), poluição zero, clima de montanha, sossego absoluto, conforto citadino, incluindo conexão digital.

Nas caminhadas matutinas mata adentro, pode-se cruzar com tatus, gambás, jaguatiricas, veados, bichos-preguiça, serpentes, preás... toda sorte de animais típicos dessa Mata. Diferentemente de nós, eles existem por existir, sem angústias existenciais, sem questionamentos metafísicos nem ontológicos, em sintonia com o meio ambiente, mas eles também são vítimas de epidemias. Os macacos, aqui encontrados em grande quantidade dois anos atrás, antes da nova epidemia da febre amarela, praticamente desapareceram. Sobraram parcos remanescentes para perpetuar a espécie. Os pequenos macacos-prego estão começando a voltar, em bandos, mas continuam desaparecidos os grandes macacos-bugios, que sempre nos visitavam para apanhar frutas no pomar e para afanar quaisquer comestíveis que encontrassem do lado de fora da casa. Sinto falta dos meus audaciosos larápios de estimação.

Esse refúgio serrano, longe do  corona vírus e dos riscos de contágio, seria um paraíso tropical se não fosse compulsório. A permanência indefinida, sem previsão de retorno, é entediante. Um lugar como esse, propício ao descanso da faina cotidiana e salutar para feriados prolongados, torna-se fastidioso, nesse caso. A privação da liberdade é dolorosa em quaisquer circunstâncias.

Cada visitante oriundo da cidade é motivo de alegria, para uma boa prosa e, ao mesmo tempo, é motivo de apreensão: será mais um contaminado assintomático? Estes, sim, representam real perigo. Até mesmo uma criancinha pode repassar o vírus para os pais, avós, bisavós e dizimar as gerações imediatamente anteriores à sua, mais vulneráveis à covid 19. O perigo a todos ronda, o tempo todo.

Concordo que é mais agradável viver tendo uma espessa mata verdejante que tendo espigões no entorno. No entanto quem desfruta do sossego da floresta, sendo habituado à vida urbana, sente falta justamente do que abomina no dia a dia metropolitano: barulhos, ronco de motores de automóveis, aviões cruzando os céus, filas, festas, aglomerações, burburinhos... e pode sentir falta até mesmo  do detestável pó de minério oriundo das chaminés das duas grandes usinas siderúrgicas da capital capixaba.

Até quando permaneceremos sem poder circular livremente, sem viajar, sem rever amigos e sem abraçar os familiares?  Continuamos de luto, na luta. Temos que nos adaptar e preencher de alguma forma coerente e equilibrada o “hiato” que estamos vivenciando. Na visão de Santo Agostinho,

Somos viajantes do tempo [...] Somos o próprio reflexo que vemos no espelho e além dele. Somos a vida e a morte. O tudo e também o nada. Somos idealizadores. Sonhadores. Propagadores. Feitos de inocência num mundo de regras. Maldosos ou bondosos - no tempo exato...  Ora oferecemos riscos, ora somos a mais perfeita das ternuras. O ponto de encontro está em cada um de nós. Encontrar-se é o desafio.”

Destarte, entre o ponto de partida e o de chegada, entre o início e o fim da pandemia, entre a vida e a morte, tudo passa... Durante essa passagem, é mister que cada um encontre seu ponto de equilíbrio. Como dizem os franceses,  “il faut trouver le juste milieu”.