O clima da Copa, em 2018, remeteu-me a lembranças de Copas
passadas. A primeira, bem nítida em minha memória, foi a de 1970, no México. O
Brasil, em plena ditadura militar, conquistou o tricampeonato. Os ânimos se
exaltaram sobremaneira no dia da vitória, justamente devido ao regime
ditatorial. Era a válvula de escape de que todo brasileiro precisava para sair
às ruas, aos brados. Não havia risco de repressão, pois a manifestação não
tinha nuances subversivas. Pelo contrário, demonstrava o ufanismo, em rede
nacional. Isso era bom para os governantes.
Recém-chegada do interior à capital mineira, eu nunca havia
imaginado a comoção popular de uma grande cidade, em dia de finalíssima, e,
além do mais, em dia de jogo tenso e de inesperada vitória. Lembro-me de que
fui convidada por amigos a assistir ao jogo decisivo em casa de um
desconhecido, que gostava de assistir à peleja em grande estilo, com a casa
repleta de convidados e cerveja a rodo. Ironicamente, o dono da casa não podia
ter grandes emoções. Como sempre há riscos de colapso cardíaco durante os jogos
da Copa, ele tomou as devidas precauções. Contratou um cardiologista munido de
todo o aparato necessário para os primeiros socorros. A cada gol ou ameaça de
gol, ele realmente passava mal e dava muito trabalho ao pobre médico, que se
desdobrava para salvá-lo. No primeiro tempo, a Itália vencia de 1 X 0.
A equipe
brasileira, ancorada em Pelé, Rivelino, Gérson, Jairzinho e no capitão Carlos
Alberto Torres, reagiu e derrotou o adversário por 4 X 1, numa vitória
histórica, que culminou com o recebimento da taça Jules Rimet. A explosão de
alegria após cada gol era seguida do hino da Copa, que ficou também na
história, cantado a plenos pulmões por todos, ao mesmo tempo.”Noventa milhões
em ação/ pra frente Brasil / do meu coração / todos juntos vamos / pra frente
Brasil, / salve a seleção / de repente é aquela corrente pra frente/ parece que
todo o Brasil deu as mãos/ todos ligados na mesma emoção / tudo é um só coração
/ todos juntos vamos/ pra frente Brasil, salve a seleção!”
Após o término do jogo, nós nos dirigimos ao “bochicho
noturno” de Belo Horizonte, na região da Praça da Savassi, para o prolongamento
da comemoração, noite adentro.
COPA DE 1998 NA FRANÇA |
Naquele dia, a equipe brasileira, bem superior à francesa,
foi marcada por um acontecimento nebuloso que até hoje me intriga. Foi
noticiado que, pouco antes do jogo, Ronaldo, estrela do time, teve uma
convulsão. Foi levado ao hospital e liberado, sem diagnóstico preciso. Seria
substituído por Edmundo, mas fez questão de entrar em campo. O técnico Zagallo
aquiesceu. Fiasco total de nossa equipe. Ronaldo, com atuação completamente
decepcionante, às vezes, parecia um sonâmbulo correndo atrás da bola. Os anfitriões, contando com a
atuação espetacular de Zinedine Zidane, conquistaram o título por 1 a 0.
Ao final do jogo, desapontamento geral, tristeza e choro.
Preferi sair daquele ambiente de velório. Decidi procurar os amigos franceses
para as devidas felicitações. Ao chegar à casa deles, havia cerca de dez
pessoas brindando e festejando. Entrei no clima de festa e comemorei a vitória
da França, já que não podia comemorar a nossa. Em frente ao prédio, havia um
barzinho, repleto de gente desapontada com o a que acabara de assistir. Um dos
franceses sugeriu que nos deslocássemos para o bar, visto que a cerveja havia
acabado. Fiquei apreensiva e avisei-os do risco que correriam. Poderiam ser
maltratados, ouvir palavrões e até mesmo ser atacados por algum fanático. Fui
voto vencido. Lá fomos nós. Quando lá chegamos, houve uma reação inusitada. Um
vizinho, que os conhecia, se levantou e os felicitou, alto e bom som, para que
todos ouvissem. Acrescentou que a atuação da seleção brasileira naquele dia
havia sido um fiasco e que a seleção francesa era merecedora do título. Ao
terminar, começou a cantar La Marseillaise, o hino nacional da França. Todos se
levantaram e cantaram juntos. Pelo menos parte do refrão, a maioria sabia de
cor. “Allons enfants de La patrie / Le jour de gloire est arrivé / contre nous
de la tiranie / l’étandard sanglant est levé... ». Depois, os clientes fizeram
um brinde à equipe francesa. Eu jamais imaginaria tal confraternização por
parte dos capixabas.
A última Copa do Mundo, a de 2014, deve ser esquecida para
sempre, ou melhor, deve ser bem lembrada para que o malogro não se repita. No
estádio do Mineirão, apagou-se a chama da torcida brasileira com a goleada de 7
x 1 da seleção alemã sobre a nossa, o que a eliminou da esperada finalíssima.
Segundo comentários, à boca pequena, no intervalo entre os dois tempos, a
seleção alemã combinou de desacelerar o jogo e de não aumentar a goleada, para amenizar
o constrangimento dos anfitriões, conhecidos mundialmente como “bons de bola”.
Melhor esquecer tamanha derrota e mudar de assunto.
Jô Drumond
Junho 2018