Jô Drumond
Há momentos de grande
apreensão, misto de inquietação, receio e temor, que, às vezes, beira as raias
do pânico. Foi a sensação que experimentei num voo entre Belo Horizonte e
Vitória, no dia 25 de dezembro de 2015, após uma magnífica festa de Natal com a
grande família reunida.
Decolamos de
Confins às 22h10. O voo transcorreu normalmente até nos aproximarmos do litoral
capixaba. Uma forte tempestade impedia o pouso. Aeroporto fechado. O piloto
resolveu ficar sobrevoando a cidade à espera do término do temporal. Raios,
raios e mais raios rabiscavam o céu, iluminando tudo à nossa volta. A aeronave
se sacudia fortemente, como se fosse se desintegrar a qualquer instante. Eu
nunca havia presenciado tamanha turbulência. O medo de raios, associado ao medo
de voar, deixou meus nervos em frangalhos. Tentava aparentar calma para não
apavorar minha filha nem meu genro, ao meu lado, com minhas netinhas gêmeas.
Meu marido parecia, ou tentava parecer, tranquilo. Três fileiras atrás de nós,
outra filha, outro genro e mais dois netinhos. Meu Deus! — pensei com
meus botões. — Acaba aqui minha imortalidade genética. Todos os meus
descendentes podem se desintegrar juntamente comigo, a qualquer momento.
Quanto maior o clarão
da descarga elétrica, maior a turbulência. Eu trincava os dentes, cerrava os
punhos e fechava os olhos para fugir do medo. Fazia pensamento positivo com
toda força de meu ser, para que saíssemos sãos e salvos da tormenta. O martírio
dos sobressaltos e do desassossego durou cerca de uma hora, em torno da ilha do
mel. O piloto nos avisou que tentaria mais uma aproximação do aeroporto. Caso
não fosse possível, se dirigiria a outra pista de pouso.
Que outra
pista? — me perguntei. Não há segunda opção, por aqui!
Após alguns minutos,
o pouso foi autorizado. Respirei aliviada e prometi a mim mesma jamais viajar
de avião, sabendo, de antemão, que tal promessa não seria cumprida.
O avião se aproximou
da cidade, voando baixo. Sem quê nem por quê, arremessou-se até atingir
altitude de cruzeiro. Ficamos sabendo então que estávamos voltando para Belo
Horizonte. Um senhor, em pânico, contido a tempo pelos passageiros, havia se
levantado dizendo que daria “umas porradas” no piloto. Uma grávida vomitou,
enojando seus vizinhos de assento. Diversos bebês choravam ao mesmo tempo. Um
garoto de cerca de nove anos se aproximou de nós, dizendo a seu pai que estava
faminto. Dei-lhe um pacote de biscoitos que carregava na bolsa. Finalmente
aterrissamos em Confins, madrugada adentro. Não nos foi permitido sair da
aeronave. Trezentos passageiros fizeram fila para os três minúsculos banheiros,
enquanto a aeronave era reabastecida. Ainda havia filas nos banheiros
malcheirosos, e transbordantes de papel usado, quando foi anunciada nova
decolagem. Já estávamos todos famintos. Uma comissária de bordo se escusou
dizendo que, como o setor de reabastecimento de bebidas e de comestíveis ficava
desativado durante a madrugada, não foi possível fazer tal reabastecimento.
Minhas netinhas de colo choravam e esperneavam, com toda razão, não sei se de desconforto,
de sono ou de fome. Minha gastrite reclamava, também com razão. Nada no
estômago, desde o almoço, para acalmá-la. Necas de providenciais biscoitinhos
de bolsa, doados ao menino desconhecido. Teríamos que controlar a sede a e fome
até a chegada. O melhor remédio seria dormir para tapear o tempo.
Já eram cerca
de duas horas da manhã. Nova decolagem. Acabei adormecendo no voo de volta. Na
reaproximação do litoral, novas turbulências me despertaram. Decididamente, o
céu estava raivoso nessa noite, mas, felizmente, “entre mortos e feridos”,
todos se salvaram: ninguém se machucou.
Ouvi dizer que numa
situação de pânico, durante um voo em que viajava o humorista Millor Fernandes,
ele se mostrava muito ansioso. Uma aeromoça lhe perguntou se estava com falta
de ar.
̶ Não,
senhorita! Estou com falta de terra!
Ao pisar em terra
firme, com a família salva, respirei aliviada. Em época de
tempestades — pensei com meus botões — é melhor deixar o
céu para os pássaros e o mar para os peixes. Bom mesmo é ter os pés no chão,
deixando apenas a cabeça nas nuvens, de quando em vez.
*Jô Drumond (Josina Nunes Drumond)
Membro de 3 Academias de Letras (AFEMIL, AEL, AFESL)e do Instituto
Histórico (IHGE