domingo, 15 de fevereiro de 2015

Glacial



* Jô Drumond

Jorge Elias Neto, membro da Academia ES de Letras, despontou no cenário literário capixaba em 2007, com o livro Verdes versos. Posteriormente, publicou Rascunhos do absurdo, Os ossos da Baleia e Glacial. A maior parte de sua produção poética ainda não se encontra à disposição dos leitores. Tem 4 livros inéditos (Breviário dos olhos; Breve dicionário poético do boxe; O ornitorrinco do pau oco; Quadras capixabas) e 3 em andamento: Cabotagem; A Folha; Breve dicionário poético da loucura.

De um modo geral, ele aborda temas universais. Na esteira de Nietzsche, Heigegger e Camus, ele tece seus versos calcado em questionamentos ontológicos. Trabalha mais com ideias que com palavras; busca a emoção da reflexão e não a musicalidade do poema. Seu conceptismo é marcadamente filosófico-existencialista. A maioria dos poemas não é destinada à declamação, mas à leitura e à reflexão. A polaridade vida/morte, recorrente em seus livros anteriores, sobretudo em Rascunhos do absurdo, perpassa também por Glacial, como tema central, em torno do qual giram os subtemas a ele interligados: branco eterno, gelo, nada, silêncio, inércia, infinito, imensidão, vastidão branca, insignificância da vida, Impossibilidade, morte em vida, efemeridade, absurdo da existência, absurdo da morte, tempo, entre outros.

Como cardiologista, em sua faina diária de tentar  estender ao máximo o ritmo e a vitalidade cardíaca dos pacientes, ele depara às vezes com a inexorabilidade da morte, na certeza de que, por mais que tente afastá-la, um dia ela sobrepujará seus esforços. Daí o caráter metafísico, oriundo talvez da ânsia de transcender a materialidade das coisas.

A morte é branca, o gelo é inóspito; ambiente propício para se pensar na morte. O eu lírico se despoja de toda e qualquer vaidade, e se desconstrói, para encontrar a insignificância relativa do ser. Glacial é o primeiro livro temático, inspirado numa viagem aos Andes. Seu hermetismo muitas vezes desnorteia o leitor, que se embrenha em sombras, com vislumbres de claro-escuro. Segundo o renascentista Pico della Mirandola, “as coisas divinas devem ser ocultas por enigmas e dissimulação poética”.

 Em Glacial, tanto os poemas quanto as instigantes ilustrações de Felipe Stefani entram em sintonia com o hermetismo da obra. Palavra e imagem se prestam a uma infinidade de leituras. Cada leitor recria o que lê, ancorado em sua experiência colateral, ou seja, baseado em suas vivências e no conhecimento acumulado ao longo de sua vida.
O poema “Do que prende os pés nos sonhos” (pg.35) se encerra com uma inclusão sentenciosa, entre parênteses: “a maior morte / em vida / é a impossibilidade”. A morte em vida é estar preso às amarras da religião, do mercado, da sociedade... é a morte do intelecto, do ser consciente. Como as formigas, do poema “A logística das formigas” (pg.37), é a morte de milhares de seres, agarrados à impossibilidade; seguem para o fim como carneirinhos, uns atrás dos outros, sem questionamentos, sem se descarregarem de suas insignificâncias.

No poema “Sujeito”,  o eu lírico “reinventa um céu de possibilidades”, a fim de sair do ostracismo. Recria um mundo possível sem religião (como homem absurdo, questionador), retoma a vida social e sexual, pretende se tornar homem, mas se esfacela novamente (porém conscientemente), ao despejar “um eu calidoscópico no gelo”. Segundo depoimento do autor, inicialmente Glacial teria como subtítulo “dos eu(s) ao(s) sujeito”.

Logo depois do poema “Sujeito”, vem “Celebração”, para celebrar o retorno mencionado. A vida continua. O ser volta-se à natureza, para a qual sua existência é irrelevante. Nesse poema, no qual se afirma que “o disfarce da órbita é desviar-se do óbvio”, há uma imagem literária que só pode ser desvendada com a ajuda do autor. Segundo ele, sua infância foi muito solitária. Comprazia-se em fazer helicópteros de papel, que desciam rodopiando ao serem jogados pela janela do nono andar. 

A maioria de seus poemas brota de imagens mentais ou de reflexões. Ele vê o poeta como “atleta do abismo”, que se equilibra entre a vida e a morte, e como “alpinista do nada”, que se pendura na fenda do portal do tempo (falta de sentido da vida). Ao deparar com o branco (a morte) o atleta/alpinista não mais se move (inércia).
 
É mister sublinhar que essa obra temática mantém uma lógica estrutural: começa com o poema “Compondo o sítio arqueológico”, desenvolve-se  numa composição em mosaico, na qual se agrupam fragmentos e centelhas (experiências de vida e reflexões), e termina com “tetelestai”Jo 19.30 (está consumado).
Mais não digo. Deixo ao leitor o comprazimento da leitura.



Jô Drumond é escritora e membro da: AEL (Academia Espírito-santense de Letras). AFESL (Academia Feminina Espírito-santense de Letras) AFEMIL (Academia Feminina Mineira de Letras) IHGES (Instituto Histórico e Geográfico do ES).