“Ser
feliz sem motivo é a mais autêntica forma de felicidade.”
Carlos
Drummond de Andrade
Jô Drumond |
Nas terras da
fazenda Morro Feio, juntamente com Anatildes, percorri de carro alguns
quilômetros, num milharal a sumir de vista, à procura de espigas granadas para
o almoço. Plantios feitos em diferentes épocas vicejavam na irregular magnitude
da lavoura. Em cada eito, o milharal tinha diferente porte. Procurávamos
espigas com cabelos escuros e ressecados. As louras e ruivas, de cabelos
brilhantes e sedosos, ainda eram muito tenras para o consumo. Num determinado
ponto, quebrava-se a homogeneidade do cultivo, por uma sucessão de estacas,
como se vê nos tomatais. Aproximamo-nos para verificar do que se tratava. Era
um extenso pepinal, cujas ramas verdolengas, estacadas, exibiam belas flores
amarelas e pepinos de dimensões variadas.
Avistamos um
camponês, encarregado do eito. Paramos o carro e nos aproximamos, para
perguntar onde encontraríamos espigas de milho ao ponto. O ancião, de cerca de
70 ou 80 anos, com a pele toda enrugada e tostada pelo sol, usava roupas largas
e sujas de terra, botina marrom e chapéu de abas. Veio todo solícito, pronto
para um dedo de prosa, como bom mineiro. Um sorriso contido estampava-se em seu
rosto, na tentativa de demonstrar contentamento sem revelar as falhas
dentárias. Era um senhor magro e de baixa estatura, com voz
esganiçada. Ao ouvi-lo, pensei que se tratasse de uma mulher, mas reparei que,
sob a camiseta, não se viam proeminências de seios femininos. Fiquei em dúvida
se o chamava de senhor ou senhora. Na dúvida, preferi evitar qualquer
constrangimento, mas Anatildes foi logo perguntando:
─ Como o senhor se
chama?
─ Maria, mas aqui na
lavoura sou João.
Era patente que a
aparência franzina não condizia com o necessário vigor para o pesado trabalho
de capina. Aquela mulher aparentava ser minha avó, mas era mais jovem que eu.
Percebendo minha surpresa, ao saber sua idade, alegou:
─ Tá me achando
véia, né? É por causa do cigarro e das pingaiadas.
Demorei
alguns segundos para entender que “pingaiada” se referia a excesso de pinga.
Tive pena daquele fiapo de gente, pela condição sub-humana de vida: trabalho
árduo, má remuneração, alcoolismo, subnutrição e, certamente, más acomodações.
No entanto, uma coisa me intrigou. Dona Maria (ou Seu João) parecia-me alegre,
feliz e de bem com a vida.
Lembrei-me de outra
Maria, minha ex-colega de faculdade. Oriunda de uma família de alto poder
aquisitivo, podia se dar o luxo de ter tudo que quisesse, mas encontrava-se
sempre depressiva. Nos finais de semana, às vezes dirigia-se a praias mais
populares ou vagava por bairros periféricos, para tentar descobrir como e por
que os pobres eram felizes. Parava em botecos sujos e mal frequentados,
escolhia uma mesa próxima a um grupo que ria a não mais poder, por qualquer
motivo fútil. Observava-os longamente, na esperança de aprender a ser feliz,
sem atentar para o fato de que a felicidade depende mais do que se tem na
cabeça do que no bolso. Não sei se minha ex-colega conseguiu encontrar a
alegria de viver. Quem sabe, algum dia, eu possa apresentar Maria alegre à
Maria triste? Talvez, com alguns dedos de prosa, “esta” consiga descobrir
“naquela” a magia do bem-viver.
*Jô Drumond (Josina Nunes Drumond)
Membro de 3 Academias de Letras
(AFEMIL, AEL, AFESL) e do
Instituto Histórico (IHGES)