RUA DO FOGO
Uma das curiosidades de Paraty (RJ) é a Rua do Fogo. Trata-se de uma das poucas ruas da cidade que preservam o nome original. Antes de existir iluminação elétrica, a cidade de Paraty era totalmente iluminada por tocheiros, espalhados pelas ruas. Em determinada hora da noite, as tochas eram apagadas, com exceção das que iluminavam a Rua do Fogo, frequentada 24 horas por dia. Daí a razão de seu nome. Tratava-se da zona boêmia, ao lado do cais e de uma igreja.
Os marinheiros chegavam sedentos de prazer, após longa estada no mar e encontravam próximo ao porto o refrigério de suas agruras: mulheres belas, perfumadas e sedutoras para uma sessão de chamego e de descarrego da libido em troca de algumas moedas a mais no bolso para o pão cotidiano. Ao sair do meretrício, os pecadores tinham a chance de pedir perdão pelos pecados ali cometidos, na igreja Santa Rita de Cássia, estrategicamente construída junto à zona boêmia. Como sempre, os trocistas dão outra razão para a denominação de Rua do Fogo. Segundo eles, era ali que os marinheiros apagavam seu fogo, após longa abstinência sexual.
Tal rua hoje toda florida é uma das mais charmosas da cidade. Deveria se chamar de Rua das Flores.
Planejamento das ruas em forma de canaletas
As ruas, em pedras brutas, inicialmente abaixo do nível do mar, foram projetadas em forma de canaletas. Como só existia transporte equino, elas ficaram sujas de urina e de estrume de animal. A preamar lavava-as, e as canaletas escoavam a sujeira para o mar. Para atravessar as ruas, eram colocadas pinguelas feitas de largas tábuas ligando um meio-fio ao outro. Próximo ao porto isso ainda acontece. No centro da cidade, para evitar a invasão da maré, o nível da rua foi elevado. Mesmo assim, em muitos locais, há dois degraus à entrada das residências, para evitar inundação durante as altas marés que acontecem, eventualmente, dependendo da posição dos astros.
(foto) Igreja Santa Rita de Cássia – rua com pinguela
O tráfego de automóveis é proibido no centro histórico.
As irregularidades do calçamento obrigam os passantes a um vagaroso caminhar, para evitar quedas, principalmente em época de chuvas, quando as pedras ficam escorregadias. As pedras do calçamento das ruas, vinham de Portugal, como lastro, nos porões dos navios. As pedras brutas eram aqui substituídas por lastro infinitamente mais valioso: ouro e pedras preciosas
Cidade plana com ruas curvas
Paraty não teve crescimento espontâneo, nem caótico como muitas cidadezinhas brasileiras. Foi uma cidade projetada no papel. Como é plana, as ruas deveriam, logicamente, ter sido traçadas em linha reta. No entanto, todas elas são curvas ou parcialmente interrompidas por uma construção, como na segunda foto, de modo que o raio de visão seja curto.
Segundo informações turísticas, recebidas in loco, isso foi propositado, para facilitar a fuga dos moradores, em caso de invasão. Entretanto, há outras explicações para o mesmo fato. Uma delas seria para evitar o vento encanado; outra seria para otimizar a distribuição de sol nas residências; uma terceira opção também plausível do “entortamento” da ruas estaria ligada à maçonaria pelo fato de serem encontrados, em algumas esquinas, os três cunhais de pedra lavrada, que poderiam estar relacionados ao triângulo maçônico.
A marca da Maçonaria em Paraty
Casa com abacaxis e trombetas. Os abacaxis simbolizam o poder (com suas coroas); as trombetas, além de decorativas, serviam para o escoamento de água
Perseguidos na Europa, os maçons começaram a migrar para o Brasil, no século XVIII. No ciclo do ouro, foi fundada uma loja maçônica em Paraty (1833). Como eles não eram perseguidos aqui no Brasil, ousavam exibir seus símbolos nas fachadas das residências. No centro histórico veem-se desenhos com simbologia maçônica nas fachadas, assim como esquinas, como foi dito acima, cunhais em pedra, em forma de triângulo, símbolo importante da maçonaria.
Com o progresso econômico de Paraty, os maçons resolveram demarcar a vila com seus símbolos característicos, para se fazerem reconhecer por confrades vindos de outras partes do mundo. Supõe-se que, por meio da simbologia nas fachadas, o forasteiro iniciado saberia distinguir o grau no morador, em sua confraria. Muitas outras simbologias maçônicas encontram-se na construção das casas, como, por exemplo, no posicionamento das janelas e na estrutura urbana da cidade. A forte referência do número 33, grau máximo da ordem, encontra-se presente na escala das plantas das casas (1:33:33) e na quantidade de quarteirões da cidade. Antigamente havia o cargo de fiscal de quarteirão. Havia, portanto, 33 fiscais, para 33 quarteirões.
No século XVIII as portas e janelas em Paraty eram pintadas de branco e azul-hortênsia (cor da maçonaria). Pressupõe-se, portanto, que Paraty tenha sido urbanizada por maçons.
Sabe-se que a maçonaria surgiu entre pedreiros que construíam catedrais e igrejas na Europa, durante a Idade Média. O termo maçon (“pedreiro”, em francês) esteve ligado à arte de construir, até o final de 1600, e influenciou a arquitetura mundial. Com o passar do tempo, houve crescente interesse na área social e beneficente. A ordem passou a receber pessoas ligadas à beneficência, sem nenhuma ligação com a construção. Com isso ampliou-se o leque de atuação da maçonaria moderna, que continua secreta. Sabe-se que ela influenciou fatos históricos e culturais em todo o mundo. No Brasil, teria influenciado na independência do País, na proclamação da República, na abolição da escravatura e até mesmo na criação da bandeira nacional. D. Pedro I era maçom, assim como José Bonifácio, tutor de D. Pedro II.
Paraty histórica
A cidade Paraty (RJ) começou como simples entreposto comercial na época da colonização. Foi tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico Nacional, em 1958, e em julho de 2019, foi declarada Patrimônio Histórico da Humanidade, pela Unesco, por sua mescla única de riquezas naturais e históricas.
Paradoxalmente, a falência comercial e o êxodo da população que salvaram a cidade. O desenvolvimento inicial se deveu, sobretudo, à sua posição estratégica, no fundo da baía da Ilha Grande. Por terra, o Caminho do Ouro da Piedade ligava a vila litorânea às minas de ouro, em Minas Gerais. O porto de Paraty chegou a ser o 2º mais importante do país.
No século XVIII, com a decadência da extração de ouro, Paraty decai comercialmente. No século XIX, com o ciclo do café, a cidade vive dias gloriosos. Todo o café, oriundo do Vale do Paraíba, era transportado pela trilha dos burros na Serra do Mar, e embarcado para a Europa, no porto de Paraty. Além do café, para burlar a proibição do tráfico de escravos, o desembarque de africanos era feito pelo Porto de Paraty.
Em 1870, a construção da linha férrea no Vale do Paraíba (1864), ligando Rio a São Paulo afetou intensamente a atividade econômica da região. Outro fator agravante foi a abolição dos escravos, em 1888. Na época, houve um êxodo em massa da população. Dos 16.000 habitantes, restaram apenas 600, entre eles, velhos, mulheres e crianças.
Com a criação de novas estradas de rodagem entre as cidades maiores, o lugarejo ao qual já era difícil o acesso ficou isolado. As trilhas restantes dos áureos tempos eram intransitáveis em períodos chuvosos. Felizmente, o isolamento de Paraty e sua decadência comercial possibilitaram a preservação da Mata Atlântica, do sistema ecológico, da estrutura arquitetônica da cidade, assim como de seus usos e costumes. Isso acabou gerando o terceiro ciclo comercial, ancorado no turismo.
Com a abertura da BR 101 (Rio/Santos) nos idos de 1980, a cidade recebeu novo impulso, com o turismo. Como atração turística, além da preservação arquitetônica, da beleza da paisagem e das florestas, há 65 ilhas e mais de 300 praias, na região.
Paraty atual
O turismo representa hoje sua grande fonte de renda. Para que a cidade se mantenha movimentada o ano todo, além das festas tradicionais e das festas religiosas, que não são poucas, há uma série de eventos fora de temporada, sendo os mais conhecidos a Flip (Feira Literária Internacional de Paraty) e o Festival da Cachaça ou Festa da Pinga. Festividades diversas agitam a cidade, ao longo do ano, como o festival de Jazz, o festival de cinema, o encontro de ceramistas e o encontro internacional de aquarelistas. Foi este último que me atraiu para a charmosa cidade. No mês de agosto, aquarelistas de todo o Brasil e do exterior afluem para pintar as belezas naturais da região, sob a batuta de grandes mestres do pincel. Passam uma semana desligados da rotina e ligados ao Belo que se apresenta o tempo todo diante de seus olhos, como se pedisse para ser registrado por suas palhetas multicoloridas.
(foto) Professores do Encontro Internacional de Aquarelistas, em 2019
Jô Drumond - 2019