MOMENTO EXATO DO ATENTADO EM SUZANO |
Em Minas Gerais, alertas preocupantes circularam nas redes sociais. Um aluno, reprovado no sistema de cotas, ameaçava metralhar professores, estudantes e funcionários da UFMG. Instalou-se um clima de tensão na Universidade e aumentou-se a segurança dentro do campus.
No Rio Grande do Sul, descobriu-se troca de mensagens de um suposto grupo de extermínio, que planejava estuprar e matar estudantes brancas que se relacionavam com negros, na Universidade. Um deles chegou a sugerir que começassem pelo Campus do Vale da Universidade, ao qual a PM não tem acesso e onde os seguranças seriam menos preparados. Uma festa estudantil, que aconteceria nesse Campus, foi cancelada, por precaução.
No primeiro caso, o ataque foi feito de surpresa; no segundo, houve ameaça via e-mail; no terceiro, a troca de mensagens foi detectada na rede.
Uma pergunta fica no ar. Qual seria o objetivo desses malfeitores? Político? Religioso? Simples subversão à ordem social? Desejo de celebridade? No caso do RS, em uma das mensagens consta o seguinte “você vai entrar para a história do nosso estado”. Tal grupo não poderia planejar uma maneira honrosa de entrar para a história, sem prejudicar quem quer que seja?
Essas recentes notícias ligadas à violência no ambiente estudantil remeteram-me à minha primeira experiência como professora, décadas atrás, interrompida abruptamente por uma ameaça de morte por parte do pai de um aluno.
Não guardo boas lembranças de minha fracassada entrada para o mercado de trabalho, aos 18 anos, recém-diplomada pela Escola Normal de Patos de Minas, onde havia passado os três últimos anos de estudos com intensa preparação didática, metodológica, psicológica e com estágios pedagógicos. As “normalistas”, como éramos chamadas, atuavam nas quatro séries iniciantes do Ensino Fundamental, chamadas, na época, de Curso Primário. Logo após a festa de formatura, mudei-me, com minha família para Belo Horizonte. Em 69, cheia de idealismo e de disposição para começar a alfabetização de pimpolhos, assumi uma classe, na periferia da capital mineira. Morava no Alto Sion, bairro nobre situado no extremo oposto do local de trabalho. Fazia, de lotação, um trajeto de 30 a 40 minutos até a área central. Atravessava o centro a pé para pegar outro coletivo. Após quase uma hora de sacolejos, parava no ponto final de um bairro periférico e subia, a pé, um longo morro, ainda sem habitações, em direção a uma casinha pequenina, transformada em escola. A casa indiciava pobreza absoluta, assim como a aparência dos alunos.
Não havia instalações sanitárias. Foi construído, no quintal, um pequeno cômodo sobre uma fossa, com piso de madeira, tendo um orifício ao centro, para as necessidades. Esse WC improvisado se chamava “casinha”. O cheiro era insuportável. Para entrar naquele fétido cubículo, o usuário tinha que pedir licença às moscas, que infestavam o ambiente bosteiro.
Fui brindada com uma turma muito especial. Tão especial que estava repetindo o primeiro ano pela quinta vez. O corpo docente não tinha nenhum preparo para atendimento a alunos especiais. Decidiu-se então que eles repetiriam a primeira série ad aeternum.
Como a classe a mim destinada era pequena, foi instalada no menor cômodo da casa, uma antiga cozinha, sem janelas, com apenas uma báscula, no alto de uma das paredes, insuficiente para ventilação. Os alunos tinham um cheiro nauseabundo de urina velha. Não se davam o luxo de ter uniforme escolar. Iam para a escola com a mesma roupa com que dormiam e em que faziam o pipi noturno. Não adiantava insistir que se lavassem e se trocassem diariamente.
Eles tinham diferentes níveis de deficiência mental. Tive que jogar meu idealismo de alfabetização para o alto e encarar a realidade. Preparava muito material didático, visando mais ao lado lúdico que ao pedagógico. O objetivo, no caso, seria passar o tempo de forma agradável e proveitosa. As crianças não tinham noção do certo/errado. Eu tinha que ficar atenta o tempo todo. Lembro-me de que, na época, não se usava apontador de lápis. Todos levavam de casa uma lâmina de barbear, que era chamada pelo nome da marca: Gilette. Com elas apontavam os lápis e, eventualmente, agrediam os colegas. Nos primeiros dias de aula, um menino deu um grande talhe no braço do que estava sentado a seu lado. Eu o repreendi, com energia, mas em momento algum o toquei. No dia seguinte, durante a aula, alguém veio me advertir de que não saísse da sala porque o pai do aluno ofendido estava do lado de fora, armado, à minha espera, para me matar. Disseram-me isso calmamente, como se fosse algo trivial. Do alto dos meus inexperientes dezoito anos, fiquei perplexa. Nunca me havia imaginado em uma situação daquelas. Permaneci entre quatro paredes, sem saber o que fazer. Em um dado momento, o plantonista teve se afastar para resolver alguma necessidade básica, talvez para beber ou comer algo. Naquele instante, aconselharam-me a para botar o pé na estrada. Saí receosa, olhando para os lados, certificando-me de que não havia ninguém me seguindo. Desci a ladeira deserta quase voando. Nunca mais botei os pés naquele lugar fétido. Desisti da vida de normalista e entrei para a faculdade.
Após o término da graduação em Letras, minha primeira experiência como professora não foi tampouco auspiciosa. Dava aulas em um grande colégio noturno, em um bairro afastado de Belo Horizonte. As instalações eram ótimas, mas o material humano deixava a desejar. No final do primeiro semestre, o diretor me fez uma proposta incorreta. Queria que eu aumentasse as notas de um rapaz, para que ele não se submetesse às provas finais. Tal aluno pretendia se mudar para a Bahia antes do final do semestre e queria ser aprovado sem provas. Como se tratava de um péssimo aluno, recusei prontamente a solicitação. Caberia a ele, como diretor e portanto superior a mim, alterar as notas, se fizesse questão de ajudar ao aluno. Felizmente, ele teve a hombridade de não ousar fazer isso.
No dia seguinte, ao sair da sala, durante um intervalo, alguns adolescentes cercaram-me, dizendo que iam fazer minha proteção. Disse-lhes que não precisava de proteção alguma, mas quis saber o que se passava. Contaram-me que aquele que queria ser aprovado indevidamente andava espalhando, no colégio, que ia me brindar com uma sessão de porradas para que eu deixasse de ser inflexível. Fiquei encabulada com aquilo, principalmente porque eu era extremamente vulnerável. Saía do colégio à noite, sozinha, sempre no mesmo horário, para pegar o coletivo de volta para casa. Era presa fácil.
No mesmo dia, rodeada pelo grupinho de guarda-costas, ao me aproximar da cantina, dei de cara com o grandão que andava me ameaçando. Num ímpeto de “cara de pau”, fingindo coragem (graças à escolta), parei diante dele, olhei para cima (ele era bem mais alto) e lhe perguntei alto e bom tom. É você que quer me espancar? Pois pode começar. O rapaz ficou branco e pasmado, sem saber o que fazer, nem o que dizer. Não disse nada. Ficou desarmado, com minha ousadia. Qualquer coisa que acontecesse comigo, doravante, ele seria o principal suspeito. Segui o rumo da sala de aula, continuei meu trabalho até o final do semestre e ponto final. Estava encerrada minha função de professora de ensino fundamental e médio.
Anos depois, como monitora do Mestrado em Letras, fui convidada a dar aulas na Universidade Federal do Espírito Santo. Ofereceram-me uma turma de Literatura Francesa, outra de Língua Francesa e uma terceira de produção escrita em Língua Portuguesa. Cada uma tinha cerca de 30 alunos. Minhas aulas eram sempre muito interativas. Seria impossível trabalhar sem conhecer o nome de cada um.
Pois bem. No final do terceiro mês do semestre letivo, que durava apenas 4 meses (de março a junho), apareceu em sala de aula uma moça muito bem apessoada e cheia de poses, dizendo-me.
- Professora, sou “fulana de tal”. Quero saber quantas faltas eu tenho.
- Você tem todas - Respondi-lhe calmamente.
- Como assim? Eu sempre estou por aqui!
- Pode ser, mas não em minha sala de aula. É a primeira vez que a vejo. Certamente já perdeu o semestre por frequência.
- Mas que absurdo! Não vou aceitar uma coisa dessas! Se estiver pensando que vai me reprovar, está muito enganada!
- Eu não reprovo ninguém, respondi-lhe. É o próprio aluno que se reprova, caso não consiga média ou frequência mínima.
Ela saiu esbravejando, gesticulando e me ameaçando... passou algum tempo no corredor tentando fazer um levante contra a injustiça (que jamais existiu) da professora.
Considerando tudo o que foi exposto, gostaria para responder às perguntas que faço a mim mesma, mas não disponho de dados estatísticos.
Os três casos citados inicialmente, ocorridos em março de 2019, seriam eventuais ou frequentes em nosso país?
Essas três experiências desagradáveis pelas quais passei, em épocas e lugares diferentes, seriam um denominador comum do ambiente escolar no Brasil?
Na era virtual, a violência é a mesma de antes, apenas mais evidenciada pelos canais de comunicação, ou está realmente mais ostensiva?
Seja como for, nos dias atuais não se respeita o professor, nem o ambiente estudantil, como antes. Há certa tensão no ar escolar.