segunda-feira, 3 de setembro de 2018

ANGLICISMOS


Chama-se “anglicismo” ou “galicismo” o empréstimo de termos das línguas inglesa e francesa, incorporados ao léxico de nosso idioma, com adaptação gráfica e, às vezes, fônica. Temos, por exemplo, os termos franceses abajur (abat jour) e chofer (chauffeur), que ganharam roupagem própria em português. Chamam-se “estrangeirismos”  termos que são adotados por outra língua,  sem adaptação. Por exemplo, outdoor, do inglês, e rendez-vous, do francês.

Em meados do século XX, inventou-se o termo “franglais” (français/anglais) com a publicação do livro do prof. Étiemble “Parlez-vous franglais?” A invasão de terminologia inglesa naquele país era tamanha, que o governo houve por bem sancionar a lei Toubon (nº 94-665 de 04/08/1994) para proteger o patrimônio linguístico francês. Tal Lei visava a garantir a primazia de termos da língua oficial. Os organismos públicos deviam respeitar o vernáculo local em todas as circunstâncias. Houve até mesmo punições severas, como no caso da GE Medical System, que foi multada em 570.000 Euros, em 2006, pelo fato de ter transmitido documentos em inglês, sem tradução, a seus empregados.

No Brasil, a presença de anglicismos sempre existiu sem incomodar a ninguém.  No país no futebol, usa-se uma forma aportuguesada do inglês “football”. Para substituir  a palavra “futebol”, Castro Lopes inventou os termos eruditos “ludopédio” e “balípodo”, que felizmente não foram aceitos pelos falantes do português.

Atualmente, a presença da língua inglesa em tudo que se refere à tecnologia é praticamente automática no Brasil, visto o grande fluxo lexical sem correspondentes em nossa língua. Evidentemente, é bem mais simples adotar um termo estrangeiro que criar um neologismo.

Há pouco tempo, ao me aproximar da Central de Cópias de uma Universidade Federal do ES, vi uma placa na qual se lia: copy center. Caso se tratasse de um curso de idiomas, seria plausível, mas, dentro de uma universidade, não deixa de haver um pouco de exagero. No mesmo dia, fiquei indignada pela exarcebação do uso do inglês, ao percorrer um shopping, em Vitória. Deparei com uma grande placa divulgação imobiliária, na qual mais de 50% das palavras eram em língua inglesa ou dela oriundas:

 Kit automação. Bike sharing. Wifi nas areas comuns. Lounge office. Home office. Laundrywifi. Fechadura biométrica. Lazer completo na cobertura”.

Por que não usar termos do nosso vernáculo? Suponhamos que um rico matuto, sem nunca ter tido acesso à língua inglesa, venha da zona rural para comprar imóveis na capital. A agência imobiliária certamente não atingirá tal cliente, pelo fato de ele não dominar aquele código verbal.

Seria muito prático se todos os terráqueos falassem a mesma língua.  Diversas línguas universais foram criadas. O Esperanto, criado pelo polonês Ludwig Lazar Zamenhof, no final do século XIX, teve muita repercussão. O esperanto não foi adotado universalmente, mas ainda é estudado e existem muitos adeptos espalhados pelo mundo, formando uma espécie de rede esperantista. Tenho um amigo que tem contato contínuo com falantes dessa língua, originários de diversos países. Em suas viagens internacionais ele é muito bem recebido e alojado por esperantistas participantes de tal rede. Destarte, economiza muito em suas andanças mundo afora.

Segundo o filólogo e linguista prof. José Augusto Carvalho, o esperanto tem raízes em várias línguas: polaco, hebraico, alemão, latim, grego, russo e francês, ao contrário das outras línguas inventadas cujo vocabulário e regras gramaticais estavam bem próximos da língua nativa ou materna de seus inventores. A seu ver, o esperanto não vigorou, porque não tem vitalidade, isto é, não há comunidade que tenha o esperanto como língua oficial, e não tem historicidade, isto é, não tem lastro cultural. 

Durante muito tempo, a língua francesa foi usada pela diplomacia internacional.  Hoje em dia, há a primazia do inglês. Sabe-se que uma língua de comunicação internacional se faz necessária. Senti isso na pele, recentemente, ao visitar a Hungria, cujo idioma é totalmente diferente do nosso. A língua húngara não tem nenhuma semelhança com as línguas às quais temos acesso mais frequente: francês, alemão, inglês, espanhol, português, italiano... ela é totalmente ininteligível para nós, brasileiros. Todas as pessoas abordadas por mim só falavam o idioma local. Apesar de estar em uma cidade turística, que deveria primar pelo contato com estrangeiros, encontrei grande dificuldade.

Minha salvação era justamente a presença, embora tímida, de alguns termos em inglês nas placas do espaço público. Por meio deles eu podia identificar se se travava de um restaurante, de uma lanchonete, de um museu ou de uma casa comercial. Minha salvação, na Hungria, estava, portanto, relacionada ao mesmo motivo de minha indignação, aqui no Brasil: os anglicismos.

sexta-feira, 3 de agosto de 2018

30.000 MORTES CAUSADAS POR FAKE NEWS


Uma longa, penosa e custosa guerra civil desencadeada em Canudos, no final do século XIX, no sertão da Bahia, foi provocada por boatos infundados e por equívocos militares. O conflito foi desencadeado devido à fake new de um representante da justiça (juiz de Direito) quanto à hipótese de uma iminente invasão de uma determinada cidade, pelos seguidores do beato Antônio Conselheiro. O estopim do conflito foi um simples entrevero relacionado à compra de um madeirame adquirido pelos conselheiristas. A represália dos compradores pela não entrega do produto desencadeou um conflito noticiado erroneamente na capital do país como levante monarquista para desestabilizar a jovem República, de apenas oito anos de idade.

 Esse foi o motivo da primeira expedição do governo contra Canudos. A cada fracasso do exército, nova expedição era enviada. Os jagunços se apoderavam do mantimento, do armamento e da munição enviados pelo governo. O restante do país, distante do conflito e com parcos meios de comunicação, não entendia o motivo do fracasso das expedições. Acreditava-se que os sertanejos recebiam ajuda bélica, quiçá internacional, de monarquistas. Até mesmo Euclides da Cunha, antes de vivenciar o conflito, acreditava nessa hipótese. Tanto é que escreveu dois artigos para o jornal, intitulados “A nossa Vendeia”, uma referência explícita à histórica “Revolta da Vendeia”, na França, em 1793. Juntamente a um reforço à 4ª expedição, o engenheiro Euclides da Cunha foi enviado à Bahia por um jornal Paulistano, para fazer a cobertura jornalística da guerra de Canudos. Foi então que ele concebeu sua obra Os sertões, a partir das crônicas de campanha.

Em Canudos 25.000 habitantes foram massacrados pela força governamental. Somam-se a esse número 5.000 baixas do lado do exército invasor, o que dá um total de cerca de trinta mil mortos, num infundado conflito fratricida. Ao conhecer de perto o conflito, o enviado especial se deu conta do engano de toda a imprensa nacional e internacional. Não existia levante algum em Canudos. O rude sertanejo era tão ignorante que não tinha noção conceitual de Monarquia nem de República; tais termos não passavam de palavras ocas, de simples abstrações, no universo sertanejo. O que lhes interessava, além da sobrevivência imediata, eram as pregações do messias Antônio Conselheiro e a fé religiosa. Aqueles que eram considerados inimigos do governo não passavam de um bando de carolas ignorantes que seguiam cegamente seu líder espiritual. Atacados pelas tropas governamentais, eles se defendiam como podiam, numa guerra, que, para eles, era santa. O que estava em jogo era a defesa do grande pastor Antônio Conselheiro e de seu rebanho contra os invasores.

Na época do conflito, muitos boatos surgiram a respeito de Canudos. Diziam que Antônio Conselheiro contava com mais de vinte mil oficiais capazes, e que os monarquistas estariam ligados aos fanáticos do sertão. Ponderavam que, sem essa ajuda, estes não seriam capazes de enfrentar as tropas do Governo. Os monarquistas acabaram sendo injustamente responsabilizados pelas derrotas das forças governamentais. Por conseguinte, naquela época, três jornais monarquistas do Rio e um de SP foram depredados e fechados.

In loco, Euclides percebeu que os revezes sofridos até então pelas tropas eram explicados pelo fato de o Exército não ter uma linha contínua de piquetes que permitissem a marcha segura de comboios contendo víveres e munições, e pela ausência de um serviço garantido de transmissão regular e rápida de notícias. O escritor chegou a afirmar, em correspondência, que o governo não ganharia a guerra nem mesmo se enviasse mais de cem mil homens; poderia ganhá-la graças aos burros que transportassem alimentos e munições para os guerreiros.

Euclides demonstra, em seu livro, que o motivo de tantos fracassos por parte das tropas do Governo foi provocado, em parte, pelo desconhecimento do meio ambiente e, por conseguinte, pela falta de estratégia adequada àquele tipo de topografia, de clima e de vegetação. Os sertanejos, habituados às condições climáticas desfavoráveis ao homem da cidade, eram profundos conhecedores da região onde viviam. Usavam vestimentas de couro, próprias para o deslocamento entre pedregulhos, gravetos e espinhos, sob sol escaldante, o que lhes permitia muito mais agilidade. Além disso, conhecedores das trincheiras e tocaias naturais da topografia local, surpreendiam facilmente o inimigo ao longo do percurso para Canudos, em locais de difícil fuga. Pilhavam seus víveres e munições para abastecimento próprio. As forças do Governo, com uniformes inadequados (que se agarravam à vegetação espinhenta), deslocavam-se dificilmente na caatinga. Os que escapavam a caminho, durante os ataques, muitas vezes se perdiam, sem provisões, sem água e pereciam por inanição e desidratação.

A guerrra chegou ao fim, segundo o jornalista, por absoluta falta de combatentes inimigos.  Os sertanejos sitiados, já quase mortos de fome e de sede, em momento algum se entregaram. Na invasão do arraial, crianças, mulheres e velhos foram trucidados. Os que ainda tinham forças para a luta se mantiveram altivos e corajosos até à última chama de vida.

Concluindo, o massacre de Canudos teria sido apenas um infeliz episódio ocorrido no início da República, relegado providencialmente ao esquecimento, não fosse a força e a densidade do texto euclidiano que resgata o conflito, desnuda a realidade e leva o leitor a um posicionamento crítico. Em Os sertões, o autor faz um belíssimo relato dos motivos que engendraram o conflito, do desenvolvimento das campanhas do Exército brasileiro contra a pobre comunidade, e do trágico desfecho. Testemunha presencial da carnificina, o jornalista-escritor tem a humildade de reconhecer sua própria falta (e a de todo o Brasil), ao considerar erroneamente os conselheiristas como monarquistas rebelados contra a República. Além disso, tem a coragem de acusar o poder constituído (do qual fora representante, como militar) de crime contra a humanidade.

A cidade de Canudos foi duplamente extirpada da paisagem brasileira: trucidada e incendiada pelo exército, em 1987; afogada e inundada pelas águas do açude Cocorobó, em 1969. Submergiram juntamente com ela as três grandes vergonhas dos representantes do poder constituído: a infâmia de um representante da justiça, que desencadeou o conflito baseando-se em falsidade, o constrangimento da Igreja católica, cujo enviado local insuflou ataques contra o Conselheiro e o logro das expedições governamentais, apesar do poderio bélico, contra simples e despreparados sertanejos.

Jô Drumond   - Agosto 2018

sexta-feira, 27 de julho de 2018

FAKE NEWS E AS ELEIÇÕES DE 2018


JÔ DRUMOND 
As fake news podem influenciar as eleições de 2018? Infelizmente, sim. Tanto é que diversos veículos brasileiros de mídia se uniram para monitorar essa questão. As mentiras travestidas de verdades, assim como as desinformações veiculadas frequentemente nas redes sociais, com o objetivo de ocultar as verdades, confundem as pessoas; a manipulação de informações cria falsas convicções e pode mover o fiel da balança no período eleitoral.

A internet é recente, mas as fake news existem desde a Grécia antiga, porém sem esse rótulo anglicista da era digital. Com o advento das redes sociais, a rapidez da disseminação de notícias falsas nas mãos de pessoas inescrupulosas é realmente preocupante no jogo do “vale tudo” eleitoral.

No dia 22 de julho foi publicada uma reportagem especial no jornal A Gazeta (ES), intitulada “Boatos mudaram curso da história brasileira”, na qual se afirma que criar notícia falsa com interesse político não é novidade em nosso país; citam-se poderosos boatos que alteraram a história do Brasil. Neste período pré-eleitoral, é mister conscientizar o eleitor do acontecido e alertá-lo para o que poderá acontecer. Por isso tomo a liberdade de registrar, sucintamente, alguns efeitos nefastos da boataria nos rumos da política brasileira, registrados pela reportagem citada: 

Em 1889 a proclamação da República se deveu à revolta dos militares e, por conseguinte, à deposição do Imperador, por causa da divulgação da notícia, jamais confirmada, de que ele mandara prender militares republicanos.

Em 1921, foram publicadas cartas ofensivas dirigida aos militares e a Nilo Peçanha. Tais cartas eram falsamente atribuídas a Arthur Bernardes, para prejudicar sua candidatura à Presidência.

Em 1937 houve um golpe de Getúlio Vargas, com o intuito de permanecer no poder. Foi veiculada pelo rádio a descoberta, por parte do governo, de um plano comunista (plano Cohen), que tornaria reféns tanto os ministros de Estado quanto a Corte Suprema. As eleições foram suspensas e  Getúlio iniciou o Estado Novo.

Em 1945, a falsa notícia de que o candidato Eduardo Gomes teria dito que  dispensava os votos dos marmiteiros, ou seja, do pessoal de baixa renda, o que ocasionou a vitória a Gaspar Dutra.

Em 1964, a justificativa do golpe militar foi a ameaça comunista. O então presidente João Goulart foi rotulado de comunista a serviço de países considerados inimigos, o que também não era verdade.

Como se vê, o perigo das fake news não é falso. Ele paira sobre as próximas eleições. Por isso foi criado um curso online gratuito, sob a chancela da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), para alertar o público em geral. Tal curso encontra-se à disposição dos interessados no site www.firstdraftnews.org/learn.O facebook acaba de  desativar 196 páginas e 87 contas com o intuito de reprimir perfis enganosos, que tinham aparentemente o propósito de difundir desinformações, antes das eleições de outubro.  

O desejo do poder muitas vezes envereda por meios tortuosos: artimanhas, traições, assassinatos, batalhas e guerras. A expressão popular “os fins justificam os meios”, atribuída a Maquiavel (1469-1527), também é fake.  Maquiavel não era nenhum santo, mas a leitura apressada e descontextualizada de suas teorias leva muita gente a lhe atribuir erroneamente a falta de ética de suas verdades. Seu objetivo, no livro O Príncipe (1513), era analisar o governo do príncipe Lourenço de Médici e lhe oferecer uma forma de manter-se permanentemente no poder, sem ser odiado pelo público. 

Na era do iluminismo, Rousseau (1712-1778) lançou a teoria do “bon Sauvage”: “L’homme naît bon; c’est la société qui le corrompt.” (O homem nasce bom; é a sociedade que o corrompe.) O homem, na ótica de Maquiavel, seria justamente o contrário: ele nasce egoísta e mau; é a sociedade que o molda. Qual dos dois estaria certo? Nenhum dos dois? Talvez ambos? A sociedade tanto pode moldar o homem para o bem, quanto para o mal. O certo é que, como já foi dito, nos dias de hoje, o perigo do fake não é falso. 

Jô Drumond
26/07/17