domingo, 5 de janeiro de 2014

A Suspeição

*Jô Drumond
(baseado em fato real, acontecido no início do século XX)
A jovem Catarina casou-se com um viúvo rico, já com família constituída. Sendo muito mais jovem que o marido, despertava nas línguas de trapo uma teia de mexericos. Diziam ser ela interesseira, esperta e muito coquette. Havia rumores de que ela costumava fingir desmaios, nas pistas de danças dos pagodes, só para ser carregada em braços masculinos mais viris que os do marido ancião.
A iluminação naquela época era precária, proveniente de candeias, recipientes com azeite, no qual se embebia um pavio. Num desses bailes na roça, percebendo o fingimento do desmaio, um trocista colocou-a no colo e, em tons de caçoada, disse ao ansioso marido:
─ Não ponha a mão, seu Manoel. Eu sei curar isso. Basta pingar o azeite quente da candeia no umbigo dela.
A desmaiada pulou no chão e começou a estapear o sujeito, como se estivesse indignada por se ver em braços estranhos. Assim sendo, ficou livre do risco de queimadura e ainda ganhou pontos com o maridão, pela demonstração de fidelidade.
Certo dia, surpreendida com a notícia da morte súbita do marido, na cidade mais próxima, deslocou-se da fazenda até o perímetro urbano, para exéquias e devidos prantos. Após o funeral, recebeu visita de Marialva, amiga de longa data, com quem passou algumas horas proseando. Uma das enteadas de Catarina, tendo à mão seringa de injeção, interrompeu a prosa, dizendo que o farmacêutico havia lhe recomendado um calmante. Catarina recusou a injeção, alegando que estava muito bem e que não carecia de calmante algum. A enteada insistia dizendo que ela precisava descansar um pouco. Marialva, não querendo se intrometer no entrevero familiar, despediu-se e saiu. Parou na rua para conversar com pessoas amigas e, antes mesmo de chegar a casa recebeu, pasma, a notícia do falecimento da amiga, que minutos antes lhe parecia tão saudável. Indignada, alertou os familiares da falecida, relatando-lhes o último encontro com Catarina, minutos antes do óbito. Sua desconfiança, ou quase certeza do homicídio não foi levada em conta, pelo fato de ser considerada na região como fuxiqueira. Enterrou-se o fato juntamente com a falecida, ficando o dito pelo não dito. Naquela época não se fazia autópsia, mesmo porque nem médico existia naquelas redondezas.
A desconsolada amiga continuava a bater na mesma tecla, convicta de que o motivo do crime seria facilitação do inventário. A seu ver, não querendo dividir o latifúndio com a madrasta os herdeiros optaram por uma medida radical.
Num acidente assaz suspeitoso, chegou também a vez e a hora de Marialva. Acreditaram sepultar juntamente com ela toda e qualquer suspeita a respeito da morte de Catarina. Todavia o fantasma da suspeição ainda paira sobre seus descendentes. Tanto é que foi por meio de um deles que eu soube do ocorrido.
*Jô Drumond (Josina Nunes Drumond)
Membro de 3 Academias de Letras
 (AFEMIL, AEL, AFESL) e do 
Instituto Histórico (IHGES


quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

SIMBOLOGIA DO NATAL E IMPRECISÕES HISTÓRICAS

* Jô Drumond

O ser humano não é apenas um animal racional. Ele é, antes de tudo, um animal simbólico. Segundo o filósofo Ernst Cassirer, “o homem vive num universo simbólico constituído por uma rede de diversos fios que se tecem de maneira inextricável, como a linguagem, o mito, a arte e a religião. O homem não pode encarar a realidade de um modo imediato, não pode conhecê-la diretamente sem a intervenção deste universo simbólico.” Cassirer parte do princípio de que todos os animais possuem um sistema receptor (por meio do qual recebem estímulos externos) e um sistema efetor (por meio do qual reagem aos mesmos). No ser humano, entre esses dois sistemas há um intermediário; o sistema simbólico. Assim sendo, o termo “racional” não é suficiente para abarcar a amplitude da cultura humana. A racionalidade é apenas um dos traços do homo sapiens.
Todos os ritos de passagem são repletos de simbolismo. Os festejos de fim de ano trazem sempre mensagens de confraternização, de solidariedade, de paz, de harmonia, de amor e, sobretudo, de esperança num porvir auspicioso. Essa energia positiva envolve diferentes credos e raças, nos quatro cantos do mundo. A festividade do Natal traz, em seu bojo, uma enorme gama de mensagens positivas para toda a humanidade.
Cercado de mitos e de imprecisões históricas, esse evento ainda suscita controvérsias entre pesquisadores e historiadores. Segundo o grande intelectual Dr. José Augusto de Carvalho, devido a um erro no calendário romano-cristão, Jesus não teria nascido no ano I da era cristã, mas 4 ou 5 anos antes (a Santa Sé confirmou recentemente esse engano do calendário). Ele não teria tampouco nascido no dia 25 de dezembro (data que não consta na Bíblia), mas possivelmente em março, pois registra-se que era do signo de peixes. O estudioso afirma também que o dia 25 de dezembro foi fixado pela Igreja para celebrar o nascimento de Cristo, no ano 525, com o intuito de cristianizar as festas pagãs que se realizavam naquela época entre 22 e 25 de dezembro, em homenagem ao deus solar Mitra. Outra informação interessante é que os Reis Magos não eram reis, nem magos (mágicos). “Mago” era o nome que se dava aos sacerdotes da religião persa tidos por sábios e possuidores de dons divinos. Na verdade, os reis magos correspondem a uma bela metáfora mitológica. Representam simbolicamente as três raças humanas: Gaspar, da raça amarela, representa a Ásia, Melquior, da raça branca, representa a Europa, e Baltazar, da raça negra, representa a África. O 4º continente (Oceania) só foi descoberto bem depois, no século XVI.
As simbologias, as mitologias e as incertezas históricas não abalam o fervor dos fiéis. Eles continuam cultuando seus santos e cultivando seus sonhos, na esperança de melhores dias, no ensejo da troca de calendários. A cada novo ano, cada um segue sua via crucis em busca do “pássaro azul da felicidade”.  A cada ano, os “melhores votos” se renovam per omnia saecula saeculorum.

FELIZ NATAL PARA TODOS

Jô Drumond
Dezembro de 2014

*Jô Drumond (Josina Nunes Drumond)
Membro de 3 Academias de Letras
 (AFEMIL, AEL, AFESL) e do 
Instituto Histórico (IHGES)

terça-feira, 26 de novembro de 2013

A DOMÉSTICA PETULANTE

Jõ Drumond
Minha amiga Vicentina procurava por uma doméstica para serviços gerais, em sua residência. Publicou um anúncio no jornal e agendou algumas entrevistas. Uma das candidatas foi assaz impertinente. Com ares arrogantes, de “nariz em pé”, antes de saber quais seriam as tarefas diárias foi logo expondo suas exigências:
─ Veja bem minha senhora! Eu só trabalho oito horas por dia, nem meio minuto a mais, com uma hora de repouso para a sesta. Não faço serão, nem mesmo remunerado. Não trabalho aos sábados, domingos, feriados, nem em dias santos. Na manhã de segunda feira, não lavo vasilhas sujas, usadas no final de semana. Não me peça para cuidar de crianças; não é minha praia. Não gosto tampouco de lavar, nem de passar. Isso é serviço extra, para lavanderia. Posso me encarregar da cozinha e da casa, mas preciso de uma faxineira uma vez por semana para a limpeza pesada.
Impressionada com a petulância da candidata, Vicentina aguardou pacientemente o final da explanação, e com seu habitual bom humor lhe perguntou:
─ Minha filha, você sabe tocar piano?
─ Não, não sei!
─ Então você não poderá trabalhar em minha casa. Doméstica, aqui, tem que saber tocar piano.

Desconcertada, sem saber o que dizer, como se diz na roça “com cara de tacho”, a exigente candidata foi logo se dirigindo à porta de saída, sem nem mesmo se despedir.

*Jô Drumond (Josina Nunes Drumond)
Membro de 3 Academias de Letras
 (AFEMIL, AEL, AFESL) e do 
Instituto Histórico (IHGES)