quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

O MENINO QUE VIROU PAPAI NOEL


Zequinha era menino de frágil compleição, franzino, porém ladino. Nada passava despercebido a seus olhos vivazes. Por vezes, acompanhava sua mãe, Maria Abadia, no trabalho de diarista, para não passar o dia sozinho. Nas casas das patroas, via uma infinidade de brinquedos que gostaria de ter. Abadia dizia que não os podia comprar. Ele não conseguia entender. Ela trabalhava como todo mundo. Por que outros podiam, e ela não? O dinheiro de todos não era igualzinho ao dela? Pois então!
Zequinha ainda não tinha entendimento para questões monetárias. Seus brinquedos não eram tão atraentes quanto os que via nas vitrines e nas casas das patroas de sua mãe. Já os recebia usados, muitas vezes estragados ou quebrados.

Todo ano, no final da tarde do dia 25 de dezembro, a praça mais próxima de sua casa ficava repleta de crianças, com brinquedos trazidos pelo Papai Noel. O Bom Velhinho conhecia os endereços das outras crianças e não o dele. Caso o encontrasse, lhe explicaria como chegar até seu barraco, no Morro do Pintassilgo. O acesso não era muito fácil. Talvez ele não tivesse mais idade para subir ladeira como aquela. Combinariam um esconderijo em lugar plano e seguro, próximo à praça. Na manhã do dia 25, ele se levantaria bem cedinho e pegaria o mimo de Natal antes que um aventureiro lançasse mão dele. No entanto só via o Papai Noel na televisão. Onde seria sua residência? Certo dia pediu à mãe que o levasse até à casa do Bom Velhinho. Meio aturdida, ela lhe disse que ele morava em um lugar muito distante. Seria impossível ir até lá a pé, de bicicleta ou de lotação. Teria que fazer uma longa viagem de navio ou de avião. Ah! - exclamou o menino – para caber tantos presentes, ele deve ter um baita navio, um “navião”!

Quando Zequinha começou a ser alfabetizado, deixou de acompanhar a mãe. Passava as manhãs na
escola e, na parte da tarde, passava o tempo à porta de uma mercearia, oferecendo seus préstimos como engraxate. Um vizinho lhe repassara uma caixa de engraxate que havia pertencido a seu filho. Deu-lhe tintas e graxas já usadas, e o iniciou no ofício. Zequinha ficou radiante com a novidade. Acabou fazendo novas amizades com funcionários e clientes do pequeno comércio. Gostava do ambiente. Era bem mais divertido que ficar em casa vendo televisão. Muitas vezes, a tarde passava sem que aparecesse nenhum cliente, mas ele não se importava. Sua mãe, na volta do trabalho, passava por lá trazendo-lhe balas ou pirulitos. Subiam juntos a ladeira, contando reciprocamente as novidades do dia.

Todo ano, na tarde de 25 de dezembro, ele continuava indo à praça, para apreciar os novos brinquedos. Certo dia, assentado no banco da praça, a observar as novidades lúdicas, teve uma ideia. Como Papai Noel não sabia seu endereço ou não conseguia subir a ladeira, ele mesmo faria economias e compraria o que lhe agradasse, para brincar juntamente com as outras crianças. Durante um ano, economizou cada centavo e, na véspera do Natal, entrou em uma loja de brinquedos, juntamente com sua mãe, para escolherem juntos algo compatível com a quantia de que ele dispunha. Zequinha saiu de lá radiante. Não cabia em si de contente, carregando um caminhão de madeira, com carroceria verde e boleia vermelha. No mesmo dia, comprou também um saco de balas. Sua mãe achou um exagero, mas não o repreendeu pela quantidade de guloseimas. Afinal, ele tinha o direito de gastar seus trocados como bem entendesse. Nada de grave poderia lhe acontecer; no máximo, uma dor de barriga. No dia seguinte, lá estava ele entre as crianças, puxando seu caminhão com a carroceria abarrotada de balas, feliz da vida com o brinquedo que ele mesmo se deu. Um garotinho lhe pediu uma bala. Ele acabou distribuindo-as todas com a criançada. Naquela idade, já demonstrava seu traço de generosidade.

Com o tempo, o menino começou a entender a relação do trabalho com o dinheiro e a do dinheiro
com a aquisição do que bem lhe aprouvesse. Descobriu que nunca tivera bons brinquedos porque era pobre. Desde então, fez questão de trabalhar com afinco, para ganhar mais, mas não renunciou à vida de criança, nem à de estudante. Reservava tempo suficiente para brincar e para estudar.

Dizia sempre à sua mãe que, quando crescesse, queria ser fabricante de brinquedos. O motivo era simples: gostaria de distribuí-los gratuitamente às crianças pobres.

Trabalhou e estudou, ao mesmo tempo, fez faculdade e tornou-se proprietário de uma grande fábrica de brinquedos. Na época do Natal, fazia religiosamente grandes doações às crianças carentes. O restante era vendido no mercado nacional e internacional.

Zequinha hoje, com 50 anos, conhecido como Senhor José, mora em bairro nobre, mas ainda mantém o hábito de frequentar, na periferia, a mesma praça de sua infância, na tarde de 25 de dezembro. Ele o faz não apenas por saudosismo. Observa atentamente os tipos de brinquedos que fazem mais sucesso nas diferentes faixas etárias. Daí surgem ideias para novas criações, em seu ramo de negócio.

O ex-engraxate desceu o morro e subiu na vida. A maior parte de sua fabricação é exportada para diversos países e faz a alegria de milhares de crianças de diferentes idades e etnias.



Jô Drumond

2019