quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

VIAGEM SEM VOLTA



Por: Jô Drumond

Oferecer uma viagem sem volta ao planeta Marte parece brincadeira de mau gosto, mas não é. Conseguir, em pouco tempo, a inscrição paga de duzentos mil candidatos à viagem também parece piada, mas não é.
Amplamente divulgado pela mídia, o projeto Mars One, do holandês Bas Lansdorp, iniciado em março de 2011, é mirabolante à primeira vista, mas aos poucos está atraindo a atenção do meio acadêmico e da sociedade em geral, assim como o apoio de companhias aeroespaciais do mundo todo. Por enquanto ainda se trata de um sonho, mas Lansdorp está se movimentando no sentido de arrecadar cerca de seis bilhões de dólares para a viabilização do projeto.
Outro holandês chamado Paul Römer, cocriador do primeiro reality show do tipo Big Brother está aderindo à ideia de participar da escolha dos candidatos por meio de um reality show que envolverá o mundo todo. Os candidatos deverão enfrentar situações complexas a partir de simulações de sobrevivência em ambiente marciano. Segundo o cronograma proposto, entre o processo de seleção dos candidatos e o lançamento dos módulos tripulados haverá uma década de preparo.
Muitos perigos de percurso podem se interpor aos astronautas. Talvez eles nem consigam sobreviver aos sete meses de viagem, devido à exposição à radiação e à microgravidade. Caso consigam chegar ao destino, provavelmente sobreviverão por pouco tempo no ambiente inóspito do planeta vermelho, com temperaturas abaixo de 60° centígrados. A obtenção de água e oxigênio será complexa e poderá falhar. Partículas de gelo retiradas do subsolo serão aquecidas. O vapor será condensado em reservatórios. Esse processo, acrescido do nitrogênio e do argônio, filtrados da atmosfera marciana, produzirá ar respirável para a base. Mas, em caso de imprevistos, se houver alguma pane nesse sistema, quem garantirá a subsistência dos incautos viajantes?
Propor-se uma aventura dessas é uma forma de candidatar-se à morte prematura? Por que tanta gente se propõe trocar a família, os amigos, o trabalho e os prazeres da vida terrena por uma aventura interplanetária?
Certamente há os que gostam de viver perigosamente, como equilibristas em corda bamba. Há os que querem notoriedade, com sonhos de pioneirismo. Há os estudiosos que vislumbram tentar na prática suas teorias interplanetárias. Deve haver também um bando de suicidas que veem no projeto uma maneira honrosa de dar cabo, em grande estilo, da sua enfadonha existência.  Em vez de serem considerados covardes, de terem as exéquias fúnebres rejeitadas pela Igreja, serão vistos como desbravadores, ou até mesmo como heróis.
As grandes invenções da humanidade muitas vezes partem de sonhos mirabolantes. O futuro será mais auspicioso se as inovações de um visionário sul-africano vingarem. O bilionário Elon Musk dedica sua vida e sua fortuna a dois projetos: um mais simples, de fornecer à humanidade energia não poluente a baixo custo e outro mais complexo, de colonizar o espaço, com o objetivo de preservar a civilização em longo prazo. Em 2002, investiu o montante de 1,5 bilhão de dólares para fundar a maior empresa privada de exploração do cosmo, a Space X. Em 2012 tal empresa foi a primeira companhia privada a atracar uma sonda na estação Espacial Internacional. Segundo declarou, ele acordou certo dia, às duas da madrugada, com uma solução viável para viagens interplanetárias: foguetes movidos a metano e oxigênio podem atingir um impulso de 3,8 quilômetros por segundo, o que é suficiente para chegar a Marte. Uma vez lá, é possível converter elementos existentes in loco, o dióxido de carbono (CO2) e o permafrost (H2O - solo congelado com abundância de água) em metano (CH4) e oxigênio líquido (O2), para garantir o retorno à Terra.
Nossos avós nunca imaginaram que seus netos, um dia, pudessem assistir à chegada do homem à Lua, pela televisão. Naquela época não existia televisor, nem iluminação pública. Thomas Edson, um dos precursores da revolução tecnológica, morto em 1931, foi o primeiro a construir a lâmpada incandescente, capaz de transformar energia elétrica em energia luminosa.
Pode ser que, no futuro, as viagens interplanetárias se tornem corriqueiras para nossos descendentes. Apesar da rápida evolução tecnológica, talvez não estejamos mais aqui para presenciar mais esse grande passo rumo às estrelas.
*Jô Drumond (Josina Nunes Drumond)
Membro de 3 Academias de Letras
 (AFEMIL, AEL, AFESL) e do 
Instituto Histórico (IHGES