sexta-feira, 30 de novembro de 2018

ANDANÇAS POR PARIS


Conhecer Paris a pé é uma excelente opção. Para isso, há um grande número de livros especialmente concebidos para ajudar os turistas, com indicação de diversos roteiros. No entanto é melhor que cada visitante trace seu próprio roteiro, na medida de sua preferência, de acordo com sua forma física e dentro do tempo disponível. Apesar de cansativo, não há nada melhor do que flanar pelos grandes bulevares, pelos eixos monumentais, assim como pelas estreitas ruelas do Marais e do Quartier Latin, os bairros mais antigos da cidade.

Para os iniciantes, uma ótima opção é começar a caminhada saindo da Place de l’Étoile, mas, antes disso, vale a pena subir até o alto do Arco do Triunfo pelo elevador, no centro dessa praça, para uma visão panorâmica do passeio.

A caminhada consiste em descer a Avenida Champs Élysées, uma das mais belas do mundo, com pausa no Grand Palais ou no Petit Palais, para visitar exposições permanentes e temporárias.
Continuar a descida do eixo histórico até a Place de la Concorde, no centro da qual há um antigo obelisco* egípcio, de 3.300 anos. Nessa praça, pode-se entrar no museu Orangerie, para admirar as imensas ninfeias impressionistas de Monet, pintadas nas próprias paredes, durante longos anos, em salas elípticas.
Dependendo da condição física do caminhante, seguir pelo Jardin des Tuileries, que dá acesso ao imperdível museu do Louvre, próximo ao qual se vê o Arco do Triunfo do Carrousel, alinhado ao Arco do Triunfo de l’Étoile, ponto de partida do caminhante. A visita ao museu, assaz cansativa devido à monumentalidade da construção, deverá ser feita em outra ocasião. O ideal seria ficar um mês inteiro dentro do Louvre, para ver tudo o que deve ser visto.

Como foi dito, passear tranquilamente, sem pressa, sem destino prefixado, com o único intuito de apreciar a cidade é uma boa pedida, mas um problema se interpõe aos turistas: a carência de banheiros públicos. Ultimamente foram instalados alguns, em esquinas estratégicas, mas a carência continua, devido ao enorme fluxo de pedestres. Aqueles que usam banheiro com mais frequência, como os que fazem uso de diuréticos, se encontram em apuros. Pode-se tentar em um café bar ou restaurante, mas as toaletes são reservadas aos consumidores. 

Certo dia, num desses longos passeios, na rue de Rivoli, tínhamos premência em usar uma toalete. Éramos três. Decidimos entrar em um bar, ao lado do Louvre, como consumidores, com outro objetivo específico. Ocupamos uma mesa próxima à saída e pedimos dois copos d’água mineral e um café. Ao me dirigir ao banheiro, fui interpelada por um garçom. Tentou impedir meu acesso, alegando que era reservado aos consumidores. Mostrei-lhe a mesa que estava ocupando, com outras pessoas. O acesso me foi permitido. Um a um, nós três fizemos o mesmo. Ao pedir a conta, surpresa: pipi a preço de ouro! Pagamos mais vinte euros pelo café e pelos dois copos d’água, ou seja, cerca de cem reais. Uma fortuna para brasileiros acostumados a pagar um ou dois reais, em banheiros públicos.

Saímos do café bar aliviados, porém contrariados. Antes que meus acompanhantes reclamassem da exorbitância do valor cobrado, lembrei-lhes o ditado popular: “bom cavalo é aquele que está próximo à porteira, quando precisamos dele”.

Na rue de Rivoli, encontra-se toda sorte de suvenires. Por isso é muito frequentada pelos turistas. Mas estes passam ao largo do que há de mais interessante nessa rua: os luxuosos antiquários, contendo esplêndidas peças da aristocracia francesa.

Enfim, a cidade luz é uma festa aos olhos, noite e dia. Um passeio noturno de barco, no rio Sena, ao som de violinos, com jantar gastronômico, tendo diante de si a feérica iluminação e a magnificência dos monumentos, ofusca até mesmo a alma.

*Obelisco Luxor foi um presente do vice-rei do Egito Mehmet Ali ao rei da França Carlos X, por volta de 1820. O Egito ofereceu à França três presentes considerados exóticos, durante uma aliança diplomática e militar contra ameaças de Inglaterra: o obelisco, uma dezena de múmias e a primeira girafa a chegar à França. Visitada por 600.000 pessoas, em 1827, essa girafa viveu no Jardin des Plantes, em Paris, até 1845, quando morreu.

Jô Drumond

segunda-feira, 26 de novembro de 2018

A POLUIÇÃO DOS VELHOS TEMPOS


Atualmente, as crianças aprendem desde cedo a valorizar e a proteger o meio ambiente. Fala-se muito em ecologia, em sustentabilidade ambiental, em combate à poluição, o que é muito louvável. Nos dias de hoje, a noção de poluição, qualquer que seja, relaciona-se ao way of life da contemporaneidade. No entanto ela não é privilégio dos tempos atuais.  Sempre houve muita poluição em grandes aglomerações humanas.

Por exemplo: a quantidade de chaminés nos telhados de Paris é tamanha que lembra uma plantação. Os antigos prédios têm em média 5 andares. Em cada apartamento há, no mínimo, duas lareiras. Nos palacetes elas estão presentes não apenas na área social, mas em todos os quartos. Há basicamente uma lareira para cada duas pessoas. A densidade demográfica em Paris é de cerca de 21.500 habitantes por Km2 o que corresponderia a 10.750 lareiras acesas por Km2. Como a população atual é de cerca de doze milhões de habitantes, incluindo a periferia, se todos resolvessem acender suas lareiras ao mesmo tempo, haveria uma catástrofe gigantesca. Além da poluição do ar, aconteceria um desmatamento desenfreado para o abastecimento de lenha.

Na atualidade, as lareiras, presentes em todos os lares parisienses, são peças sobretudo decorativas. Certa época, o governo francês chegou a cogitar a proibição do uso desse tipo de calefação.  Isso não aconteceu simplesmente por ter sido desnecessário. Elas continuam imponentes, porém desativadas. Apesar do aconchego de outrora diante das chamas e das brasas, as lareiras foram preteridas, cedendo espaço à calefação a gás (chauffage), mais prática e menos poluente.

O “jeitinho” francês tem conseguido manter o charme de antanho, sem causar os transtornos previstos: a lareira virtual. É idêntica à tradicional, com brasas, chamas e calor controlados por meio da cibernética. Só os argutos observadores de pequenos detalhes conseguem perceber alguma diferença. As chamas variam de intensidade, de altura e de luminosidade, mas mantêm um ciclo, dificilmente notado pelos usuários. Mesmo ciente do fato, as pessoas se mantêm incrédulas diante do fogaréu, do calor e do estrépito das chamas.

Outro fator poluidor de épocas passadas eram os fogões à lenha ou a carvão. Pode-se viver sem lareira, mas não se pode viver sem alimento. O primeiro fogão a gás surgiu em 1836. Até então o meio ambiente, o ar e os pulmões de quem pilotava os fogões eram prejudicados. A causa mortis de muitas de nossas avós, bisavós, trisavós... era enfisema pulmonar, apesar de nunca terem fumado. Isso acontecia devido à proximidade do fogão à lenha, do ferro a brasas, assim como da fumaça dos fumantes com quem elas conviviam.

Após o advento do chauffage e dos fogões modernos, a tendência teria sido diminuir a poluição, mas surgiu outro complicador. Em 1885, usou-se o primeiro motor à gasolina. Desde então a qualidade do ar ficou comprometida com o monóxido de carbono expelido pelos canos de descarga. Mas não se devem condenar os transportes automotivos por isso. Antes da existência de automóveis, havia outro tipo de poluição, de origem diversa, advinda do trânsito. Coches, carroças, diligências, carruagens, seges e charretes, de tração animal, circulavam nas grandes cidades, deixando o ar empesteado com o nauseabundo odor de urina e com montes de estrume por todo lado.

Antigamente não havia rede de esgotos. Poluía-se o lençol freático com fossas espalhadas por todo o planeta. Os mananciais de água eram comprometidos, numa época em que não havia tratamento de água para o consumo da população. Donde se conclui que a poluição não é um mal atual. Ela sempre existiu em grandes aglomerações urbanas.

Hoje em dia há maior conscientização de seus efeitos funestos, e, por conseguinte, o desencadeamento da preservação do meio ambiente, incluindo a qualidade do ar e da água, fontes naturais de vida. A prova disso é o aumento da expectativa de vida, a ponto de criar um problema não cogitado pela seguridade social de décadas passadas: o do envelhecimento da população e sua respectiva aposentadoria.

Jô Drumond

sábado, 13 de outubro de 2018

CALENDÁRIO REVOLUCIONÁRIO



Quando criança, eu sempre me perguntava por qual insensatez os meses de setembro, outubro, novembro e dezembro não correspondiam ao sétimo, oitavo, nono e décimo meses do ano. Meus familiares e meus professores do ensino primário não sabiam me responder. Bem mais tarde soube que meus questionamentos infantis tinham fundamento. O calendário romano, estabelecido por Rômulo (753 a.C.) tinha apenas dez meses. Dezembro era realmente o décimo mês do ano.

Por que razão houve a mudança? Em 46 a.C., Júlio César acrescentou dois meses e deslocou Januarius e Februarius para o início do ano, empurrando dezembro para a décima segunda colocação.

Soube também que no calendário juliano havia um erro referente ao alinhamento dos equinócios. Em 1582, o Sumo Pontífice Gregório XIII corrigiu tal erro em seu calendário, adotado na maioria dos países católicos.

Desde então a França adotou o calendário gregoriano. No entanto, durante a Revolução Francesa houve total reviravolta em quase tudo. Além do rompimento com o passado monárquico, feudal e cristão, além da mudança de costumes, os revolucionários quiseram abolir as referências religiosas na marcação do tempo. Dessa forma, os nomes de santos foram substituídos por nomes de plantas ou frutas (pera, figo, nabo...), de ferramentas de trabalho (enxadão, arado, pá...), ou de animais (vaca, coelho, gato...).

O ano I deixou de ser o ano do nascimento de Cristo e passou a ser o ano I da instauração da República, (1793); desapareceram os feriados cristãos, assim como os domingos (dia da adoração de Deus). Esse inusitado calendário foi baseado em conhecimentos astronômicos.

O ano continuava dividido quatro estações de três meses cada uma. O nome de cada mês se referia ao cultivo ou ao clima da época, a saber:
Le Printemps = Primavera
Germinal
Florial          
Prairial         
mês da germinação
mês da floração
mês das pradarias
L’Été             = Verão
Messidor
Thermidor    
Fructidor       
mês da colheita
mês do calor
mês das frutas
L’ Automne  = Outono
Vendémiaire
Brumaire       
Frimaire         
mês das vindimas
mês das brumas
mês do frio
L’Hiver       = Inverno
Nivôse
Pluviôse         
Ventôse          
mês da neve
mês das chuvas
mês dos ventos

Cada mês tinha exatamente 30 dias e era dividido igualmente em três partes de 10 dias cada um, chamadas “décades”. Os dias do novo formato da semana eram os seguintes: Primidi, Duodi, Tridi, Quartidi, Quintidi, Sextidi, Septidi, Octidi, Nonidi e Décadi. Cada um desses dez dias era consagrado a algo relacionado ao tema da “décade”.

Vejamos, por exemplo, a primeira delas, correspondente ao mês da vindima ou colheita da uva (vendémiaire), de 21 de setembro a 22 de outubro.
                                                                    1ª “Décade”
Primedi
1
Uva
Duodi
2
Acafrão
Tridi
3
Castanha
Quartidi
4
Colchique (flor)
Quintidi
5
Cavalo
Sextidi
6
Bálsamo
Septidi
7
Cenoura
Octidi
8
Amaranto
Nonidi
9
Pastinagas
Décadi
10
Cuba

Para cada dia do ano havia uma referência específica, que não se repetia. Os doze meses de trinta dias correspondiam a trezentos e sessenta (360) dias, aos quais eram acrescentados cinco (05) dias referentes aos “sansculottides”: Festa da Virtude, da Inteligência, da Opinião, do Trabalho e das Recompensas. O dia suplementar dos anos bissextos, chamado “la franciade”, era reservado à festa da Revolução.

A título de curiosidade, vejamos a divisão, mês a mês, do primeiro semestre do ano de 1794, contendo as respectivas temáticas:

Período
Nome do mês
“Décades”
Consagrada à (ao)
1º mês
22 set./21 out.
“Vendémiarie”
Referência à vindima (colheita da uva)
Ser supremo e à Natureza
Gênero Humano
Povo Francês
2º mês
22 de out/20 nov.
“Brumaire”
Referência à bruma típica da época

Benfeitores da Humanidade
Mártires da Liberdade
Liberdade e Igualdade
3º mês
21 de nov./20 dez.
“Frimaire”
Referência ao frio – clima da época
República
Liberdade do Mundo
Amor à Pátria
4º mês
21 dez./ 19 jan.
“Nivôse”
Referência à neve
Ódio aos Tiranos
Verdade
Justiça
5º mês
20 jan./18 fev.
“Pluviôse”
Referência à época das chuvas
Pudor
Glória e Imortalidade
Amizade
6º mês
19 fev./20 mar.
“Ventôse”
Referência à época dos ventos
Frugalidade
Coragem
Boa fé


O calendário revolucionário ou republicano, criado por Fabre d’Eglantine em 05 de outubro de 1793, teve como marco inicial (retroativamente) o dia do estabelecimento da República, 22 de setembro de 1792. Tal calendário vigorou na França por pouco mais de uma década.

Como se sabe, a Revolução Francesa, em 1789, foi um movimento crucial na história da França, com repercussões mundiais. Trata-se de um divisor de águas do regime político, que passou da monarquia absoluta para a monarquia constitucional e logo depois para a Primeira República.

Napoleão Bonaparte foi figura de destaque Primeira República Francesa. Em 1799 liderou um Golpe de Estado e se instalou como primeiro cônsul num regime chamado “Consulado”. Cinco anos depois, ele se tornou imperador, sob o nome de Napoleão I e imperou de 1804 a 1814.


Deve-se a ele a curta duração do calendário republicano e a retomada do gregoriano, em 1806.

Jô Drumond
Outubro/2018