segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

MINHA AMIGA MUÇULMANA

Por: Jô Drumond

Em um de meus estágios no Centro de Linguística Aplicada (C.L.A.) da Universidade de Franche Comté (França), participei do curso “Formateurs des formateurs”, que preparava profissionais estrangeiros para atuarem na formação de professores em seus respectivos países. O objetivo era aperfeiçoar, didática e linguisticamente, pessoas vindas dos quatro cantos do mundo, responsáveis em difundir a língua francesa em seus países de origem.


Naquele ano, havia oitenta participantes muçulmanos, originários de diferentes países. Os homens se trajavam normalmente, mas as mulheres se submetiam aos trajes usuais de seus respectivos países. Algumas mantinham apenas a cabeça coberta por um lenço chamado khimar; outras, apesar do verão escaldante, usavam burca preta, cobrindo todo o corpo, acompanhada de um nigab, que cobre a cabeça e o rosto, deixando apenas uma pequena fresta ou uma tela, na altura dos olhos.

Fiz amizade com uma colega paquistanesa chamada Saeqa, nome que significa “relâmpago”. Cabelos negros, soltos ao vento, tez morena, porte altivo e esguio. Usava calça jeans, camiseta e tênis, como as ocidentais.

Muito me surpreendi ao saber que ela também era muçulmana.  Soube então que 96% dos paquistaneses são muçulmanos. Aproveitei a amizade já selada, para bombardeá-la com perguntas referentes ao way of life das mulheres muçulmanas. Descobri que o fato de ser mulher, em certos países, é um verdadeiro pesadelo.

Quis saber, primeiramente, por que ela não usava os atributos das adeptas do Islamismo. Ela me disse que, estando em seu país, usava as roupas convencionais, mas, no exterior, dispensava distintivos indumentários.

Seu procedimento se devia ao fato de ter vivido em diversos países, aprendido diferentes idiomas e assimilado outras culturas. Seu pai era diplomata e, como tal, tinha uma posição privilegiada em seu país. Graças a isso, ela pôde estudar, transpor fronteiras geográficas e culturais, diferentemente da grande maioria das compatriotas, cujo universo se restringe, ainda hoje, ao lar e à família.

Como era professora de idiomas, sua válvula de escape consistia em estágios de aperfeiçoamento linguístico em diferentes países, nas férias de verão e de inverno. Dessa forma, conseguia voar, literal e metaforicamente, rumo ao desconhecido, mantendo-se, no entanto, presa às raízes. Gostava de viajar, mas a vivência no exterior não a impedia de se manter atada às peias religiosas e culturais. Estava fadada a se casar com alguém de sua religião, escolhido pela família. Perguntei-lhe o que aconteceria, se, casualmente, ela se apaixonasse por um estrangeiro. Ela me disse que não aconteceria absolutamente nada, pois jamais agiria contra os princípios de seu povo.

Perguntei-lhe também o que aconteceria se sua família escolhesse para ela um marido que lhe causasse repulsa. Respondeu-me que isso já havia acontecido. Seu pai havia oferecido sua mão a um excelente rapaz, pelo qual ela não sentia atração alguma. Na impossibilidade de desobedecer às ordens paternas, ela encontrou uma única saída: greve de fome. Preferia morrer a se casar com aquele pretendente. Seu pai, fragilizado pela recente morte da esposa, apavorou-se com a ideia de perder a única filha. Como ele se encontrava afetivamente vulnerável e como se tornara mais flexível pelo fato de ter tido contato com outras culturas, em outros continentes, acabou cedendo ao capricho da filha. Além disso, fazia vistas grossas quanto às suas frequentes fugas para fora do país, justificadas pelo aprimoramento profissional.

Saeqa me disse que, mesmo pertencendo à classe privilegiada, sofria com a intolerância à ascensão da mulher na sociedade. Por exemplo, certa vez, foi contratada para ensinar determinado idioma a um grupo de engenheiros que pretendiam se especializar no exterior. Ao entrar em sala de aula, no primeiro dia, foi rejeitada pelos alunos, pelo simples fato de ser mulher.

Segundo ela, as mulheres das classes desfavorecidas padecem de total submissão ao sexo masculino e de cerceamento à liberdade de expressão, assim como a outros tipos de liberdade. Os clubes funcionam alternadamente: um dia para os homens, outro para as mulheres. Dessa forma uma família reunida jamais poderá desfrutar de uma piscina pública.

Em sua grande maioria, as mulheres muçulmanas, criadas dentro de certos preceitos religiosos, se curvam aos ditames civilizatórios, sem nenhum tipo de questionamento ou de revolta contra o regime opressor. Ao contrário da filha do diplomata, elas não conhecem outros estilos de vida.

Aprendi muito com minha amiga muçulmana sobre a condição da mulher em seu país, e, por conseguinte, em muitos outros países islâmicos. Soube, por exemplo, que a grande maioria das mulheres é impedida de trabalhar fora do lar. A mentalidade dominante é a de que elas não carecem de educação formal nem de nenhuma atuação fora da esfera doméstica. Quarenta por cento delas, entre 15 e 20 anos, são analfabetas, em seu país. Apenas dezesseis por  cento são economicamente produtivas. Outro dado estarrecedor: entre 70% e 90% das mulheres sofrem violência doméstica, fato que é praticamente “institucionalizado” e que conta com a permissividade do Estado. Há os chamados “homicídios de honra”, cometidos em família, contra aquelas que ousam querer romper com um casamento indesejado ou que são violadas. Outro fato que muito me impressionou: cerca de 50% dos casamentos em todo o país envolvem menores de idade do sexo feminino.

Mas nem tudo são espinhos. No Paquistão há períodos mais opressivos e outros mais liberais, dependendo da visão de cada governante. Há também regiões mais violentas e outras menos. "Há sensível diferença da condição feminina entre a zona rural e a cidade, assim como entre os estamentos sociais."

Ao final de nosso estágio, combinamos manter contato, via postal. Naquela época, não havia internet. Enviei-lhe algumas correspondências, a que ela não respondeu.  Suponho que nunca lhe tenham chegado às mãos. Certamente esse tipo de censura era mais um dos inconvenientes do determinismo social, do qual não havia escapatória.

No mesmo estágio do C.L.A., uma de minhas colegas de classe me inspirou grande curiosidade. Nunca ousei me aproximar dela. Aliás, em quarenta dias de estágio, nenhum outro colega se aproximou dela. Usava burca e andava sempre escoltada por dois homens, um de cada lado. Mesmo em sala de aula, ela se sentava entre ambos. Eu gostaria muito de ter sabido algo sobre ela, mas minha timidez bloqueava toda e qualquer aproximação. Talvez a jovem fosse filha de algum sultão, ou de gente muito importante. Talvez os dois brutamontes a estivessem apenas acompanhando, impedindo seu contato com outras pessoas, protegendo sua integridade física, garantindo sua virgindade... Talvez o objetivo fosse evitar a perniciosa influência dos ocidentais, ou, quem sabe, evitar que ela denunciasse os maus-tratos e a precária condição feminina em seu país. Pensei até mesmo que a acintosa vigilância visava a evitar uma eventual fuga ou pedido de asilo. Nunca saberei ao certo.

 Após ter tido contato universitário com diversas muçulmanas no CLA, fiquei mais atenta ao movimento de liberação feminina, que avança a passos lerdos, em países islâmicos. Mesmo em tempos perigosos e altamente repressivos, eventualmente, movimentos reivindicatórios de liberação feminina movimentam algumas ruas. Raras feministas se celebrizaram por meio da mídia, como a paquistanesa Malala Yousafzai (prêmio Nobel da Paz 2014), ícone da resistência feminina; algumas, menos afortunadas, perderam não apenas a luta, mas suas vidas, no afã de se livrar da opressão masculina, religiosa e governamental.

De vez em quando ainda me lembro de Saeqa. Gostaria de saber o que lhe aconteceu nessas duas décadas que se passaram. Tentei localizá-la pela internet, em vão. Não sei nem mesmo seu nome completo. Separadas por um enorme oceano e por um vasto universo cultural, certamente jamais nos reencontraremos.


quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

A ERA DIGITAL

Jô Drumond


O acesso à internet mudou totalmente os hábitos dos cidadãos. Prescinde-se hoje de ir ao correio para postar correspondências. A comunicação se faz em questão de segundos, via satélite, nos quatro cantos do mundo.  O jornal impresso é quase obsoleto. Tornou-se uma espécie “re-vista”, pois não apresenta nada mais em primeira mão. A internet traduz, automaticamente, notícias escritas em outros idiomas para a língua materna do leitor. Evidentemente, não se trata de boa tradução, mas eficiente na divulgação de informações importantes, em tempo real.

 Antigamente, se alguém dissesse que, no futuro, se poderia, ao mesmo tempo, visualizar e falar com alguém que se encontrasse do outro lado do planeta, arriscar-se-ia a ser condenado à fogueira. Sabe-se que em 1633, preso pelas garras da inquisição, o grande matemático, físico, astrônomo e filósofo Galileu Galilei teve que “desdizer” o resultado de suas pesquisas para evitar a morte. Obrigado a se retratar, na questão do heliocentrismo, ele se viu na contingência de afirmar, durante o julgamento, que a Terra não girava em torno do Sol. Mas murmurou entre dentes: “eppur si muove” (e, no entanto, ela se move).


Nos dias de hoje, o poder constituído se sente perdido, sem saber como controlar o vento que sopra em diversas direções. A classe política se encontra (ou se perde) nos dédalos do labirinto virtual. O povo, mais informado, está mais atento ao que se passa nos bastidores do governo. A turba deixou de ser apática e passiva, facilmente forjada pelos poderosos. Atualmente, a opinião pública pode ser manipulada em tempo recorde. Isso é verdade, mas o povo está aprendendo, a duras penas, a “separar o joio do trigo”.

Minha geração, nascida em meados do século passado, criada antes do advento da revolução tecnológica, tem sofrido substanciais interferências em seu way of life, adaptando-se ao novo modus vivendi. Os pais, muitas vezes, se sentem indefesos e impotentes para controlar os filhos que têm acesso a uma infinidade de informações, boas ou nefastas, que podem interferir em sua formação. Atualmente há, por exemplo, um jogo de desafios que acontece na calada da noite, longe da vigilância paterna. Os jovens postam os desafios aos quais são submetidos. No jogo da Baleia Azul, o último desafio, como se sabe, é o suicídio, muitas vezes filmado e divulgado virtualmente, em tempo real, uma espécie de “Big Brother” macabro. É difícil impedir aos jovens o acesso à internet. O que fazer para salvaguardar nossos filhos e netos? Essa questão está sendo amplamente debatida nos dias de hoje.

Por outro lado, as redes sociais proporcionam momentos de grande contentamento e nostalgia, uma espécie de retorno ao passado, por meio de grupos de ex-colegas que se reencontram décadas após a formatura e que relembram com saudosismo os anos de juventude sem televisão, sem telefone “sem lenço, sem documento”. As redes sociais resgatam antigas amizades, antigos amores e possibilitam novos relacionamentos. Os idosos e as pessoas que moram sozinhas, tendo o mundo diante de si, sentem menos o peso da solidão.  Expressam-se quando bem entendem, com retorno instantâneo de seus interlocutores.

 Parece um contrassenso ter saudades da falta de conforto, da falta de rádio e televisão, da falta de celular, da falta de computador, da falta da internet.... No entanto, isso acontece. Durante a juventude de nossos avós, não havia carro, avião, nem energia elétrica. Eu mesma me lembro com nostalgia das rodas de contação de histórias, à luz de lamparina, na fazenda onde fui criada, numa época em que não existia eletrificação rural. O que se fazia, naquelas noitadas míticas, era a genuína literatura oral. Depois, numa cidade de interior, onde estudei, antes do advento da televisão, faziam-se rodas de vizinhos, à noite, com cadeiras na calçada, para brincadeiras típicas da época, com a criançada, ou para um dedo de prosa, enquanto não vinha o sono.

Deve ser impensável para as futuras gerações uma vida sem acesso à tecnologia. Nossos descendentes só saberão de nosso estilo de vida, se alguém se dispuser a registrar os usos e costumes da época em que viveu. Eles terão, certamente, outros divertimentos mais interessantes, que talvez não propiciem a convivialidade de antes, cada vez mais escassa em nossos dias. Cada um se diverte sozinho, diante do laptop, de um tablet, ou tendo às mãos um telefone conectado com o mundo.
No futuro, com o devido distanciamento crítico, muitos estudiosos, sobretudo  sociólogos e antropólogos, se debruçarão em pesquisas sobre a mudança dos aspectos consuetudinários de nossa geração. Conhecemos ambas as faces da moeda e vivenciamos o “antes” e o “depois” dos recursos advindos com as novas tecnologias.

Aconteceu recentemente, num grupo de whatsApp do qual participo, algo que se presta a reflexões quanto ao comportamento atual do ser humano. Trata-se de um grupo numeroso, com uma postagem diária próxima a uma centena de mensagens. Certo dia, tal grupo parou de funcionar espontaneamente, sem nenhum consenso prévio. Nenhuma mensagem durante todo o dia. Silêncio. Branco total. Naquele dia um dos integrantes do grupo cometera suicídio. Estranhamente, em vez de usarem a rápida e eficiente ferramenta de comunicação de que dispunham para a divulgação da notícia, os usuários optaram por ligações telefônicas, relegadas, há muito tempo, a segundo plano. O branco na caixa de mensagens foi uma espécie de luto, em respeito à dor dos que ficaram e à decisão de quem optou pela partida.

Há pessoas mais conservadoras que resistem tenazmente às mudanças dos meios de comunicação. Em breve, não haverá mais analfabetos digitais. A internet veio para ficar. Não se pode mais viver sem a praticidade, a facilidade e a agilidade desse tipo de comunicação. Evidentemente, como tudo neste mundo, ele comporta aspectos positivos e negativos. Cabe a cada usuário escolher e trilhar seu caminho virtual, como melhor lhe convier.

quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

CIDADE DAS ORQUÍDEAS

Certo dia, dentro de um orquidário, na cidade de Marechal Floriano (ES), ouvi uma criança, de cerca de dez anos, perguntar à mãe por que nomes de flores são usados para mulheres e não para homens.

Eu nunca havia atinado para isso. Comecei então a puxar da memória nomes de ex-colegas, amigas e parentes: Margarida, Rosa, Verônica, Perpétua, Angélica, Gláucia, Hortênsia, Celestina, Dayana...  Todos os que estavam por perto, funcionários e clientes, entraram na brincadeira. Cada um ia citando o que lhe vinha à cabeça. Em cidade pequena, o contato humano é muito mais rápido e direto. Em pouco tempo, parecia uma roda de amigos. Outros nomes menos comuns vieram à baila: Camélia, Dália, Íris, Lília (ou Lílian), Magnólia, Yasmin(e), Lélia (ou Laelia... Aos poucos emergiram do fundo da memória outros ainda mais raros como Lis, Amarilis... Lembrei-me de Açucena, nome afetivo da personagem Doralda, do conto Dão-la-la-lão, de Guimarães Rosa. Alguém disse que Daisy, nome bastante comum no Brasil, significa margarida, em inglês.

AMARÍLIS
Após ter citado todos os nomes que me vinham à memória, pedi que tentassem se lembrar de conhecidos do sexo masculino com nomes de flores. Ninguém conseguia se lembrar. Realmente, não se vê nenhum homem chamado Antúrio, Cravo, Crisântemo, Girassol, Lírio, Amaranto, Hibisco, Junquilho... Lembrei-me do poeta simbolista capixaba Narciso Araújo. Expliquei ao menino, e, por conseguinte, aos presentes, que a palavra “narcisismo”, desconhecida dele, mas conhecida dos adultos, está relacionada a essa flor, que floresce à beira da água e se inclina para baixo, como se quisesse ver a própria imagem para apreciar-lhe a beleza. Os “narcisos”, de carne e osso, se apaixonam pela própria imagem. Por isso se comprazem diante de um espelho.

ANGÉLICA
 Lembrei-me também de um tio meu chamado Jacinto, que é nome de uma flor um tanto masculina, de formato meio fálico. Meu curtíssimo repertório já tinha se esgotado. A mãe do menino disse então que conhecia um vizinho chamado Alisson, cuja família lhe dissera que esse nome pode ser usado indistintamente para ambos os sexos, e que pode ter diversas grafias (Allison, Alisson, Alyson, Allisson, Allyson, Alysson e Allysson).  Disse também que é um nome bastante comum em países de língua inglesa, para nomear pessoas do sexo feminino.

GLÁUCIA
Veio-me à cabeça, naquele momento, o nome da cidade onde estávamos: Marechal Floriano. Perguntei quem era o tal Marechal. Ninguém do grupo sabia nada a respeito dele. Minha eterna mania de professora obrigou-me a lhes dizer que Marechal Floriano Peixoto havia sido nosso primeiro Vice-Presidente da República, no governo Deodoro da Fonseca. Com a renúncia deste, Floriano assumiu o cargo de Presidente do Brasil. Sua esposa Josina (minha xará), de cujo nome nunca me esquecerei, assumiu o posto de primeira dama do País, no início do século passado.

ÍRIS
 Um rapazinho me interrompeu para retrucar:

 - Péra aí! Floriano não é nome de flor!

 - Realmente não é, mas significa aquilo que floresce, que prospera -  E continuei, em tom professoral: Nosso Marechal floresceu tanto que o nome da cidade de Desterro, em Santa Catarina, foi mudado, malgrado seus habitantes, para Florianópolis. E não parou por aí. Em 1900, durante uma rápida visita a esta cidade, onde estamos, chamada antigamente Braço do Sul (referência ao afluente do rio Jucu, que corta a cidade), ela teve o nome
JACINTO
trocado, em sua homenagem. A meu ver, o nome mais apropriado para esta cidade seria Orquidópolis. Olhem em todas as direções! Vejam que maravilha! Orquídeas, orquídeas e mais orquídeas. Essas lindas flores encontram aqui, na Mata Atlântica, altitude e clima propícios. Por isso existem em grande quantidade e variedade. Despedi-me e saí, carregando nos braços diversas mudas de orquídeas.

Justamente devido ao clima ameno e à topografia da região, escolhi um pedacinho desse paraíso, com o intuito de curtir a aposentadoria. É num recanto dessa mata que tenho passado meus melhores momentos. Cuido do orquidário, do jardim, leio, pesquiso e escrevo meus livros, longe da azáfama da metrópole. No “meu recanto” troco o alarido da cidade pelo silêncio; a poluição pelo ar puro; a água tratada por nascentes; a frieza do asfalto pela
NARCISO
exuberância da mata; a iluminação noturna pelas estrelas; o relógio digital pelo biológico; a correria pelo sossego; a multidão pela solidão benfazeja.

O silêncio reinante, às vezes, é quebrado apenas pelas vozes da mata: cicios dos insetos, gorjeios dos pássaros, o assovio do vento e o rangido do bambuzal, que se verga em deferência à sua passagem.

Troquei de bom grado as caminhadas matutinas da Praia de Camburi, ao som de buzinas, com trânsito pesado e ar poluído, por monóxido de carbono, por caminhadas ecológicas, bem mais aprazíveis. Em todos os percursos, sentem-se
VERÔNICA
fragrâncias de flores silvestres e o cheiro de mato verde. Entre folhagens e ramagens, farfalhejos provocados pela fuga de micos, preás, pacas, tatus e veados-mateiros, assustados com a presença humana.

Esse foi o estilo de vida de minha infância, na fazenda de meus pais, no sertão de Minas Gerais, e hoje é o estilo de vida escolhido por mim, para a maturidade, na Mata Atlântica do Espírito Santo.

Devido à brincadeira onomástica, no orquidário, incitada pela criança, acabei descobrindo, mais tarde, acepções florais ignoradas por mim, em alguns nomes muito usuais, como: Lúcia (ou Luíza), Cássia, Dalva e Emília.

Cada flor tem simbologias diversas, que variam no espaço e no tempo, assim como de cultura para cultura. No entanto, sabe-se que, grosso modo, a flor é, sobretudo, um símbolo antigo e universal do princípio passivo (feminino), do nascimento e do ciclo vital. Está ligada à beleza, à juventude, à paz, à primavera, à pureza... Tanto é que se usa o verbo “deflorar” (perder a flor) para indicar a perda da pureza vir(a)ginal.

ORQUÍDIA