quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

SIMBOLOGIA DO NATAL E IMPRECISÕES HISTÓRICAS

* Jô Drumond

O ser humano não é apenas um animal racional. Ele é, antes de tudo, um animal simbólico. Segundo o filósofo Ernst Cassirer, “o homem vive num universo simbólico constituído por uma rede de diversos fios que se tecem de maneira inextricável, como a linguagem, o mito, a arte e a religião. O homem não pode encarar a realidade de um modo imediato, não pode conhecê-la diretamente sem a intervenção deste universo simbólico.” Cassirer parte do princípio de que todos os animais possuem um sistema receptor (por meio do qual recebem estímulos externos) e um sistema efetor (por meio do qual reagem aos mesmos). No ser humano, entre esses dois sistemas há um intermediário; o sistema simbólico. Assim sendo, o termo “racional” não é suficiente para abarcar a amplitude da cultura humana. A racionalidade é apenas um dos traços do homo sapiens.
Todos os ritos de passagem são repletos de simbolismo. Os festejos de fim de ano trazem sempre mensagens de confraternização, de solidariedade, de paz, de harmonia, de amor e, sobretudo, de esperança num porvir auspicioso. Essa energia positiva envolve diferentes credos e raças, nos quatro cantos do mundo. A festividade do Natal traz, em seu bojo, uma enorme gama de mensagens positivas para toda a humanidade.
Cercado de mitos e de imprecisões históricas, esse evento ainda suscita controvérsias entre pesquisadores e historiadores. Segundo o grande intelectual Dr. José Augusto de Carvalho, devido a um erro no calendário romano-cristão, Jesus não teria nascido no ano I da era cristã, mas 4 ou 5 anos antes (a Santa Sé confirmou recentemente esse engano do calendário). Ele não teria tampouco nascido no dia 25 de dezembro (data que não consta na Bíblia), mas possivelmente em março, pois registra-se que era do signo de peixes. O estudioso afirma também que o dia 25 de dezembro foi fixado pela Igreja para celebrar o nascimento de Cristo, no ano 525, com o intuito de cristianizar as festas pagãs que se realizavam naquela época entre 22 e 25 de dezembro, em homenagem ao deus solar Mitra. Outra informação interessante é que os Reis Magos não eram reis, nem magos (mágicos). “Mago” era o nome que se dava aos sacerdotes da religião persa tidos por sábios e possuidores de dons divinos. Na verdade, os reis magos correspondem a uma bela metáfora mitológica. Representam simbolicamente as três raças humanas: Gaspar, da raça amarela, representa a Ásia, Melquior, da raça branca, representa a Europa, e Baltazar, da raça negra, representa a África. O 4º continente (Oceania) só foi descoberto bem depois, no século XVI.
As simbologias, as mitologias e as incertezas históricas não abalam o fervor dos fiéis. Eles continuam cultuando seus santos e cultivando seus sonhos, na esperança de melhores dias, no ensejo da troca de calendários. A cada novo ano, cada um segue sua via crucis em busca do “pássaro azul da felicidade”.  A cada ano, os “melhores votos” se renovam per omnia saecula saeculorum.

FELIZ NATAL PARA TODOS

Jô Drumond
Dezembro de 2014

*Jô Drumond (Josina Nunes Drumond)
Membro de 3 Academias de Letras
 (AFEMIL, AEL, AFESL) e do 
Instituto Histórico (IHGES)

terça-feira, 26 de novembro de 2013

A DOMÉSTICA PETULANTE

Jõ Drumond
Minha amiga Vicentina procurava por uma doméstica para serviços gerais, em sua residência. Publicou um anúncio no jornal e agendou algumas entrevistas. Uma das candidatas foi assaz impertinente. Com ares arrogantes, de “nariz em pé”, antes de saber quais seriam as tarefas diárias foi logo expondo suas exigências:
─ Veja bem minha senhora! Eu só trabalho oito horas por dia, nem meio minuto a mais, com uma hora de repouso para a sesta. Não faço serão, nem mesmo remunerado. Não trabalho aos sábados, domingos, feriados, nem em dias santos. Na manhã de segunda feira, não lavo vasilhas sujas, usadas no final de semana. Não me peça para cuidar de crianças; não é minha praia. Não gosto tampouco de lavar, nem de passar. Isso é serviço extra, para lavanderia. Posso me encarregar da cozinha e da casa, mas preciso de uma faxineira uma vez por semana para a limpeza pesada.
Impressionada com a petulância da candidata, Vicentina aguardou pacientemente o final da explanação, e com seu habitual bom humor lhe perguntou:
─ Minha filha, você sabe tocar piano?
─ Não, não sei!
─ Então você não poderá trabalhar em minha casa. Doméstica, aqui, tem que saber tocar piano.

Desconcertada, sem saber o que dizer, como se diz na roça “com cara de tacho”, a exigente candidata foi logo se dirigindo à porta de saída, sem nem mesmo se despedir.

*Jô Drumond (Josina Nunes Drumond)
Membro de 3 Academias de Letras
 (AFEMIL, AEL, AFESL) e do 
Instituto Histórico (IHGES)

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

POMPA NA PRAÇA DA LIBERDADE

  *Jô Drumond

No dia 31 de março de 2011, ao descer pelo elevador do edifício Niemeyer, para uma caminhada matinal na Praça da Liberdade, em Belo Horizonte, fui surpreendida por estranha movimentação. Viam-se mais soldados, plantados por toda parte, do que árvores. Havia cordões de isolamento, radiopatrulhas, ambulâncias e arranjos florais ladeando um longo tapete vermelho. Para fugir do aparato cerimonial, desci a Avenida João Pinheiro. Na altura do arquivo público, vinte lustrosos cavalos com montarias cobertas de cetim vermelho contendo aplicações em branco, preso às rédeas, aguardavam juntamente com pomposos dragões da Infantaria. Estes exibiam belas indumentárias e penachos na cabeça. Parecia evento festivo, mas tratava-se das exéquias do ex-vice-Presidente da República  José de Alencar, que se despediu do mundo dos vivos com honrarias de Chefe de Estado. Desci até a livraria Horizonte, no térreo do Edifico Solar, antiga residência da atual Presidente de República, Dilma Roussef. No interior da livraria, um cliente, irritado com o caótico trânsito devido ao forte esquema de segurança, começou a vociferar.
─ Vocês viram o caos desta cidade hoje? Pra que tanta segurança se o homenageado já está morto? Vocês acham que ele merecia todo esse aparato? Qual nada! O que fez pelo Brasil? Nada! Foi simplesmente um ex-Presidente que frequentava mais o hospital do que o Palácio do Planalto. Todos dizem que era um homem de valor pelo fato de ser muito “humano”. Todo mundo é humano: meus pais, meus irmãos, eu, vocês..., todos somos humanos, não é verdade? Vocês se lembram da última cerimônia fúnebre ocorrida no Palácio da Liberdade, há quase trinta anos? Pois bem, no dia do enterro de Tancredo Neves, houve um grande tumulto, com um saldo de cerca de trinta mortos pisoteados e muitos feridos.
Percebendo a surpresa geral, visto que nenhum dos presentes se lembrava de tumulto algum divulgado pela mídia da época, ele continuou ainda mais enfático.
─ Vocês não estão acreditando? Eu era tenente da polícia militar, na época, e trabalhei durante o evento. Posso lhes assegurar que até hoje há muitos cadeirantes e mutilados, que se feriram gravemente durante o tumulto daquele dia. Não sei a razão pela qual o fato não veio a público, mas aconteceu diante de meus olhos.
Sandice ou verdade? Na dúvida, dei ouvidos moucos ao discurso do desconhecido, comprei os livros que me interessavam e deixei o exaltado ex-tenente com sua pequena plateia formada pelos clientes da livraria.
De volta ao Edifício Niemeyer, fui barrada por três guardas. Ninguém podia se aproximar do Palácio. Tive que convencê-los de que meu destino era o Edifício ao lado do Palácio, não a cerimônia, que, aliás, não me interessava absolutamente.
Do nono andar, pus-me a observar a turba enxameada que se apinhava nas cercanias e a refletir sobre a razão pela qual tanta gente se dá o trabalho de sair de casa e de se deslocar para um evento desse tipo. Evidentemente não seria pelo falecido nem por sua família, visto não ter com eles nenhum vínculo de amizade nem de familiaridade. Seria compreensível, se se tratasse de algum ator televisivo, cuja presença cotidiana nos lares cria laços de familiaridade; de um compositor de música popular, que tocasse diretamente o coração dos ouvintes, de um grande artista de cinema ou de político com aura de celebridade, mas o homenageado não se encaixava em nenhuma dessas opções. Teria razão o enraivecido cidadão da livraria Horizonte? A dispendiosa pompa fúnebre feita com dinheiro público e o grande transtorno causado no trânsito da capital se justificariam?

  *Jô Drumond (Josina Nunes Drumond)
Membro de 3 Academias de Letras
 (AFEMIL, AEL, AFESL) e do 
Instituto Histórico (IHGES)