domingo, 8 de maio de 2016

13º livro de Jô Drumond será lançado dia 11



Dia 11 de maio, de 18:00 às 20:00 horas, na Feira Literária Capixaba.
Local: Fábrica de Ideias, na Av. Vitória 747, em Jucutuquara, Vitória – ES

quinta-feira, 28 de abril de 2016

ATOLEIRO

Jô Drumond

No meu recanto da mata, situado no  Viveiro do Silêncio, ao entardecer de um chuvoso domingo, propício à malemolência, eu lia um bom livro de Joël Dicker, intitulado La vérité sur l’affaire Harry Quebert , ouvindo o ruído da chuva no telhado e o cicios da Mata Atlântica. Enquanto isso, meu marido tirava uma soneca sob um espesso edredom. Aquela noite seria propícia para assistir a um bom filme, no sítio, enrolado num aconchegante cobertor

Surpreendi-me com um chamado pelo walk talkie. Como o serviço de telefonia rural não é muito confiável na região, propusemos esse meio de comunicação aos sitiantes vizinhos, para situações emergenciais ou corriqueiras. Para tal usam-se codinomes: Leão da Montanha, Urso Pardo, Águia Ligeira e Jacaré do Brejo.  Um dos vizinhos (Leão da Montanha), já com a lareira acesa, nos convidava (Águia Ligeira) para uma soirée de queijos e vinhos, em sua mansão, no alto da serra. Evidentemente, o convite foi aceito de bom grado.

Acordei meu marido e, em poucos minutos, estávamos enfrentando a borrasca e uma estrada barrenta, em busca dos prazeres da mesa e de um bom bate-papo com amigos. No meio do caminho, uma árvore caída bloqueava totalmente a passagem. Tínhamos que voltar de ré, numa estrada muito estreita, com espaço para um só veículo, tendo de um lado um barranco e de outro, um lago. A visibilidade, na boca da noite, tornava-se quase nula devido ao temporal. O carro entrou num atoleiro, de onde se recusava a sair, apesar de inúmeras tentativas. Estávamos literalmente “no mato e sem cachorro”, como se diz na roça. Não havia como pedir ajuda. Celular ali, nem pensar! Sempre fora de área. O walk talkie havia ficado em casa. Meu marido me disse para aguardar no carro enquanto ele buscaria ajuda, antes que o breu da noite abocanhasse as réstias de luz no cimo das árvores. Meu pobre herói, saiu a pé, no barro, sob chuva gelada, sem proteção alguma e sem lanterna, sem enxergar onde pisava.

Que situação! E pensar que poucos minutos antes, ele estava a sonhar no embalo da chuva, sob um aconchegante edredom, ao abrigo das intempéries e de cobras peçonhentas. Desliguei o carro e apaguei os faróis para poupar bateria. Enquanto esperava, não havia nada a fazer. Tentei pensar em coisas alegres.  Lembrei-me da piadinha do carro atolado:

Um amigo cruzou com outro, cujo carro estava atolado.

̶  O que houve, perguntou o primeiro?
̶  Meu carro atolou-se, respondeu o segundo.
̶ Não é assim que se diz. O certo é “meu carro se atolou”
̶  Nada disso, você está errado. O certo é “meu carro atolou-se”.
̶  Não meu amigo! Na escola, sempre fui melhor que você em gramática.

O entrevero da colocação pronominal parecia não ter fim. Um passante aparentemente bêbado foi chamado para dar termo à discussão.
.̶  Os dois podem estar certos, disse o terceiro. Se o carro tiver as rodas dianteiras atoladas, ele se atolou; se tiver as traseiras, atolou-se.
̶ As quatro rodas estão atoladas, responderam os querelantes.
̶  Então, meus senhores, ele se atolou-se.

Devia ser noite de lua nova. Não enxergava um palmo diante de meu nariz. Fiquei atenta aos ruídos do entorno.  Depois de algum tempo, comecei a cismar. E se acontecer algum incidente com meu marido no caminho? E se ele não voltar? Se, por exemplo, escorregar, quebrar uma perna e ficar impossibilitado de pedir socorro? Tomei uma resolução: se ele demorasse mais de quarenta minutos, teria que procurá-lo. Que transtorno! Trocar o aconchego do veículo pela caminhada no barro, em noite escura, sob chuva fria, e, o que seria pior, sozinha!  Melhor nem pensar nisso, mas seria inevitável.

Após trinta minutos de espera, avistei uma luzinha tremeluzente vindo em minha direção. Era o Leão da Montanha, a pé, segurando numa das mãos um lampião a gás, e na outra, um guarda-chuva. Pouco depois um carro se aproximou, por trás, trazendo três ajudantes. Como não havia cordas, eles empurravam enquanto eu acelerava. O “desatolamento” foi mais fácil que o previsto. Melhor seria voltar pra casa. A árvore caída poderia ser serrada na manhã seguinte, caso a chuva desse trégua.

O inesperado pode nos pregar uma peça a qualquer momento. Caso pudesse ser previsto, perderia a graça. Deixaria de ser imprevisto. Adeus noitada de queijos e vinhos!

*Jô Drumond (Josina Nunes Drumond)
Membro de 3 Academias de Letras (AFEMIL, AEL, AFESL)e do Instituto Histórico (IHGE

quinta-feira, 14 de abril de 2016

O VELHO CHICO

 Visita à nascente do rio São Francisco, na Serra da Canastra (MG))
Jô Drumond


Tímidos olhos d’água abrem-se silenciosos no alto da Canastra. Filetes finos, cristalinos, vão se unindo na nascente, avolumam-se nas vertentes. Impetuosas torrentes irrompem em cascatas, rompem o silêncio das matas. O rio bosqueja enleios, traça meandros, volteios, glissa entre ribanceiras serpenteando ribeiras e segue sua sina como eixo do sertão, levando muitas histórias de hoje, de ontem, de outrora e dos dias que virão.