*Jô Drumond
No dia 31
de março de 2011, ao descer pelo elevador do edifício Niemeyer, para uma
caminhada matinal na Praça da Liberdade, em Belo Horizonte, fui surpreendida
por estranha movimentação. Viam-se mais soldados, plantados por toda parte, do
que árvores. Havia cordões de isolamento, radiopatrulhas, ambulâncias e
arranjos florais ladeando um longo tapete vermelho. Para fugir do aparato
cerimonial, desci a Avenida João Pinheiro. Na altura do arquivo público, vinte lustrosos
cavalos com montarias cobertas de cetim vermelho contendo aplicações em branco,
preso às rédeas, aguardavam juntamente com pomposos dragões da Infantaria.
Estes exibiam belas indumentárias e penachos na cabeça. Parecia evento festivo,
mas tratava-se das exéquias do ex-vice-Presidente da República José de
Alencar, que se despediu do mundo dos vivos com honrarias de Chefe de Estado.
Desci até a livraria Horizonte, no térreo do Edifico Solar, antiga residência
da atual Presidente de República, Dilma Roussef. No interior da livraria, um
cliente, irritado com o caótico trânsito devido ao forte esquema de segurança,
começou a vociferar.
─ Vocês
viram o caos desta cidade hoje? Pra que tanta segurança se o homenageado já
está morto? Vocês acham que ele merecia todo esse aparato? Qual nada! O que fez
pelo Brasil? Nada! Foi simplesmente um ex-Presidente que frequentava mais o
hospital do que o Palácio do Planalto. Todos dizem que era um homem de valor
pelo fato de ser muito “humano”. Todo mundo é humano: meus pais, meus irmãos,
eu, vocês..., todos somos humanos, não é verdade? Vocês se lembram da última
cerimônia fúnebre ocorrida no Palácio da Liberdade, há quase trinta anos? Pois
bem, no dia do enterro de Tancredo Neves, houve um grande tumulto, com um saldo
de cerca de trinta mortos pisoteados e muitos feridos.
Percebendo
a surpresa geral, visto que nenhum dos presentes se lembrava de tumulto algum
divulgado pela mídia da época, ele continuou ainda mais enfático.
─ Vocês
não estão acreditando? Eu era tenente da polícia militar, na época, e trabalhei
durante o evento. Posso lhes assegurar que até hoje há muitos cadeirantes e
mutilados, que se feriram gravemente durante o tumulto daquele dia. Não sei a
razão pela qual o fato não veio a público, mas aconteceu diante de meus olhos.
Sandice
ou verdade? Na dúvida, dei ouvidos moucos ao discurso do desconhecido, comprei
os livros que me interessavam e deixei o exaltado ex-tenente com sua pequena
plateia formada pelos clientes da livraria.
De volta
ao Edifício Niemeyer, fui barrada por três guardas. Ninguém podia se aproximar
do Palácio. Tive que convencê-los de que meu destino era o Edifício ao lado do
Palácio, não a cerimônia, que, aliás, não me interessava absolutamente.
Do nono
andar, pus-me a observar a turba enxameada que se apinhava nas cercanias e a
refletir sobre a razão pela qual tanta gente se dá o trabalho de sair de casa e
de se deslocar para um evento desse tipo. Evidentemente não seria pelo falecido
nem por sua família, visto não ter com eles nenhum vínculo de amizade nem de
familiaridade. Seria compreensível, se se tratasse de algum ator televisivo,
cuja presença cotidiana nos lares cria laços de familiaridade; de um compositor
de música popular, que tocasse diretamente o coração dos ouvintes, de um grande
artista de cinema ou de político com aura de celebridade, mas o homenageado não
se encaixava em nenhuma dessas opções. Teria razão o enraivecido cidadão da
livraria Horizonte? A dispendiosa pompa fúnebre feita com dinheiro público e o
grande transtorno causado no trânsito da capital se justificariam?
*Jô Drumond
(Josina Nunes Drumond)
Membro de 3
Academias de Letras
(AFEMIL, AEL,
AFESL) e do
Instituto Histórico
(IHGES)